Recusado

- Desculpe, senhor, mas o seu DNA foi recusado.

Due Pham encarou com espanto a atendente virtual do cibercafé. A moça - na verdade, um holograma - continuava com o mesmo sorriso profissional no rosto perfeito. Mas as palavras que ela pronunciara não prognosticavam nada de bom. Pham sentiu um aperto na garganta.

- Deve... deve haver algum engano... talvez o leitor de DNA esteja contaminado ou com mau-contato...

- Deseja tentar o reconhecimento de íris, senhor?

A se confirmar o diagnóstico da atendente, a última coisa que ele gostaria de tentar seria justamente uma leitura de íris.

- Não, eu... fiz dilatação de pupila e meus olhos ainda estão muito sensíveis. Obrigado!

Esforçou-se para sorrir. O holograma de cabelos roxos num corte chanel sorriu de volta.

- Desculpe o incômodo senhor.

- Não há de ser nada - respondeu ele.

E saiu para a noite chuvosa lá fora.

* * *

- Huy?

Huy Nguyen olhou para o videofone sobre sua mesa, e a tela LCD estava escura, apenas com o símbolo da companhia telefônica brilhando nela em vermelho. O interlocutor não desejava se mostrar ou onde estava.

- Due? É você? - Indagou, hesitante.

- Sim, sou eu. Estou na rua, não vou dizer onde. Pode ser que estejam rastreando essa ligação...

- O que houve?

- Fui a um cibercafé depois do trabalho, jogar um pouco e relaxar antes de voltar para casa... mas meu DNA foi recusado pela atendente!

- Tem certeza disso? Talvez tenha sido um erro de leitura ou...

- A atendente sugeriu que eu fizesse um reconhecimento de íris. De cara.

Nguyen balançou a cabeça, em sinal de incredulidade.

- Mas que droga, Due... e o que você pretende fazer?

- Vou dar um 404 no sistema. Avise à minha família... darei notícias quando puder.

E desligou.

* * *

O escritório do transcritor era pequeno, mal-iluminado e atravancado de quinquilharias. Também parecia mal-ventilado, mas isso muito provavelmente era apenas psicológico, já que estava localizado cerca de seis níveis abaixo das ruas da cidade. A ventilação funcionava perfeitamente.

- Sr. Pham, o seu DNA foi proscrito - declarou ele, após consultar a diminuta tela do leitor à sua frente. - As autoridades desejam o seu término.

- Mas... por quê? - Indagou Pham, revoltado. - Sempre cumpri minhas cotas, meus impostos estão em dia...

O transcritor fez um gesto vago.

- Dizem que isso é puramente estatístico, não há uma razão muito clara para o processo de proscrição. Se você está acima de determinada faixa etária e já procriou, o sistema pode simplesmente decidir que você nada mais tem a contribuir e que será melhor deixar que alguém mais jovem faça o seu trabalho.

- Naturalmente, não posso pedir revisão do meu caso?

O transcritor riu.

- Em que época acha que estamos, senhor Pham? Advogados, cortes, juízes... tudo isso é coisa de um passado muito remoto. O que temos hoje é apenas o sistema, e o sistema decide o que é certo ou errado. Todavia, eu sou um transcritor, e transcritores podem dar uma chance aos bons cidadãos de se reinserirem no sistema. Por um preço, claro...

- O que posso lhe oferecer?

- O mesmo que o sistema iria lhe retirar: o seu conhecimento técnico aplicado. Em troca, lhe darei uma reprogramação de DNA completa... e um novo conjunto de habilidades para que possa continuar a sua vida, embora não exatamente do mesmo modo anterior.

- Acho que não posso recusar - suspirou Due Pham.

* * *

Dat Tran parou o ônibus escolar e preparou-se para ver descer um casal de crianças, filhas do desaparecido Due Pham.

- Nos vemos amanhã, crianças? - Perguntou ele ao vê-los passar.

- Claro, senhor Tran! Até amanhã! - Respondeu a menina, Cuc.

- Até amanhã, senhor Tran! - Acenou o menino, Danh.

Dat Tran, outrora conhecido por Due Pham, aguardou até que as crianças entrassem em casa.

Depois, arrancou com o ônibus antes que alguém suspeitasse de alguma coisa.

- [06-10-2017]