O gato de Schrödinger

O que aconteceu? Onde estou? Não estou lembrando de muita coisa. Não consigo sentir meus braços e pernas. Abro os olhos e não vejo nada, nem escuridão, nem luz intensa, não consigo sequer conceituar o que meus olhos veem ou não veem. O que houve? Eu estou morto? Eu devo estar morto. Eu só posso estar morto. Como isso aconteceu? Uma onda de medo e terror, surpresa e angústia se misturam em mim.

Calma!! É hora de se manter calmo custe o que custar. Tento colocar a mente no lugar. Se eu morri porque eu continuo a pensar? Eu estou com medo. Mas se estou com medo é porque sou capaz de sentir coisas. Então eu estou vivo. Não lembro meu nome e nem o que aconteceu. Levanto-me, e vejo que eu estava deitado. Terá sido um sonho? Tento lembrar nomes de pessoas ou de eventos e não consigo. O desespero teima em querer voltar, mas não permito que ele vire uma segunda pele em mim.

Acho que devo ser a última pessoa sobe a face da Terra. Tenho medo de admitir isso, mas não posso negar os fatos. Eu não sei dizer o que houve, a única certeza que tenho é que todo mundo sumiu, todas a pessoas simplesmente desapareceram. Não restou o menor vestígio de alguém.

Esta cidade tinha quase dois milhões de habitantes e agora não há ninguém. Vasculhei quase todos os bairros e uma infinidade de becos e ruelas e não descobri nada. Parece que todas as pessoas e também todos os animais e insetos desapareceram, nem uma única formiga eu encontro. Passo horas e horas perambulando pelas ruas e a única coisa que escuto é o barulho do vento ou o clique dos sinais de trânsito mudando automaticamente. É um mundo silencioso.

Passo horas perguntando-me porque só eu fiquei no mundo.O que será que houve? Elaboro mentalmente uma lista de coisas que poderiam ter acontecido: 1- A terra caiu em um buraco de minhoca e só eu escapei. 2- Todos foram abduzidos por extraterrestres. 3- Estou tendo um pesadelo e em algum momento acordarei (essa é a explicação que mais gosto). 4- Sou vítima de algum experimento maluco. 5- Estou morto. Nenhuma dessas hipóteses satisfaz-me.

Coisa horrível essa de estar só no mundo, tudo perde o seu valor e a sua lógica. Não existe ninguém para dizer que isto é bom ou ruim, que isso é feio ou bonito. Certa vez simplesmente destruí vários aparelhos eletrônicos caríssimos com uma marreta de cinco quilos. Destruí porque quis destruir, simples assim. Impensável fazer isso antes sem alguma consequência. Não existe ninguém para expressar juízo algum. Só eu existo. Eu só tenho a mim mesmo para conversar. É como jogar uma partida de xadrez consigo mesmo, não tem graça pois já sabemos qual será o próximo lance. Existe agora uma previsibilidade no mundo que me agride

Passo horas navegando na rede mundial de computadores buscando algo, buscando uma resposta. Abro as redes sociais e descubro que nenhuma delas foi mexida desde o dia que acordei e vi que todos desapareceram. Dirigi mensagens via internet para muitos lugares do mundo, mandei sinais de rádio para vários países. Observo que nenhum canal de televisão funciona mais.

Muitos meses já se passaram, vi centenas de filmes nos computadores, já li livros e mais livros. Fiz pesquisas sobre um monte de coisas. Passo horas e horas abrindo sites e todo tipo de revista digital. Terminei por encontrar a descrição de um experimento de física quântica que fez eu me identificar com ele. É um experimento mental chamado “o gato de Schrödinger”, ele nunca foi feito materialmente, por isso é chamado de “experimento mental”, nele um gato é colocado em uma caixa selada contendo um recipiente com material radioativo e um frasco de veneno. Em certa altura do experimento um contador Geiger, caso detectasse uma pequena quantidade de radiação, faria um martelo quebrar um frasco de veneno liberando-o. Como ninguém sabe quando o veneno seria liberado o gato poderia tanto estar morto quanto vivo. Se um observador entrasse em ação nesse exato instante quebraria essa dualidade de duas realidades (o gato estar morto e vivo em um certo momento). Pouco entendi do que o artigo falava mas achei interessante porque fez eu perguntar-me se não estaria morto e vivo ao mesmo tempo. Estaria eu preso em um mundo de paradoxos no qual eu existo em duas realidades distintas? Um mundo no qual eu sou morto e vivo? Um vivomorto? O apavorante disso é que no experimento se aparecer um observador a dualidade é quebrada ... aí posso estar vivo ou morto. Ou um ou outro.

Já estou sozinho há muito tempo. Terminei perdendo a noção de tempo. As vezes penso que já se passaram milhares de anos e que eu continuo sendo o único dono das coisas. O rio Nilo é meu, a floresta amazônica é só minha, todos os diamantes do mundo são meus, todas as riquezas são minhas. Tudo é meu. No fundo isso não tem graça pois sei que perderam o sentido.

O tempo passou, na verdade eu sequer sei se o tempo continua a existir. Tenho a impressão de que os conceitos de espaço-tempo não se aplicam mais a situação em que me encontro ... Cada vez mais eu me vejo como o gato de Schrödinger, preso em duas realidades. Será que isso é o eterno? Será que isso é o para-sempre? Todas as noites eu vou dormir pensando nessas coisas para, quem sabe, acordar um dia e ver que tudo isso nunca existiu.

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 01/03/2018
Reeditado em 08/04/2018
Código do texto: T6267991
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