Em volta da Terra - Parte Final

Uma semana já transcorreu desde o Evento. O primeiro momento foi impactante, ficamos perdidos e desesperados. Todos nós treinamos muito para estarmos aqui. Foram anos de muito estudo e preparação, só que ninguém está preparado para ver o seu mundo desaparecer em um piscar de olhos. Tentamos entender o que de fato havia acontecido, algo nos lançou 135 milhões de anos atrás e não sabemos dizer o que causou isso. Verificamos os registros de navegação e nenhum dado anômalo foi encontrado, nossas lentes nada captaram, nenhum sinal veio da Terra que indicasse o surgimento de algo extraordinário. Um evento inimaginável aconteceu e agora somos os únicos seres humanos presentes.

O astrofísico japonês faz várias especulações do que possa ter ocorrido. Acredita que uma singularidade do tipo Buraco de Minhoca nos jogou de volta no tempo ou então algo que nos transportou para um universo paralelo. Isso não nos convence muito porque carecem de comprovação. O que temos de real e concreto é que estamos sozinhos no espaço e a mais de 350 quilômetros acima de um planeta que é a Terra, mas que não é mais a nossa casa.

Antes do Evento acontecer desenvolvíamos várias pesquisas envolvendo fisiologia, comunicações por laser, comportamento de moscas Drosophilas e roedores em gravidade mínima e a resistência de determinados materiais ao ambiente de microgravidade. Aos poucos uma certa curiosidade retornou entre nós e por fim se transformou em atividade cientifica. Fizemos muitos registros fotográficos da Terra e observamos alterações climáticas no planeta. A ausência de acesso a dados da rede mundial de computadores prejudica muito o nosso trabalho. Mas mesmo assim seguimos observando e registrando.

Existe uma preocupação muito grande entre nós em relação a alimentação. Estávamos abastecidos para três meses de missão. Estamos racionando as provisões. Chegará o dia em que não haverá nada para comermos. O que ocorrerá então? Sabemos que estamos com os dias contados ...

- Se a gente pudesse descer lá embaixo o que iríamos encontrar? Coisas como mosquitos do tamanho de um gato? Florestas carnívoras? Dinossauros grandes como prédios? – Pergunta um exasperado astrofísico japonês.

- Acredito que encontraríamos uma flora desconhecida, florestas com árvores de espécies que nunca vimos, insetos de tipos muito diferentes dos que conhecemos e muitos deles realmente bem grandes, escorpiões do tamanho de cachorros, lagartas do tamanho de sucuris, tudo muito grande. Ah, deve ter dinossauros por lá também. – Dou um pequeno sorriso quando respondo.

- Porque diabos, tudo é gigante lá embaixo? –Pergunta o engenheiro de navegação americano.

- Acredita-se que esse gigantismo ocorria por causa da quantidade muito maior de oxigênio que havia nesse período e que isso causava alguma alteração no metabolismo das espécies. – Respondo lembrando que um dia fora apaixonada por História Natural

- Caramba, seria um mundo bem hostil!! Não quero nem imaginar eu passando um dia nesse lugar – Disse o engenheiro de robótica russo.

- Não há mamíferos lá embaixo. Estamos em algum momento entre o Triássico e o Jurássico. Ainda faltam dezenas de milhões de anos para que surjam os primeiros hominídeos. Não há ninguém lá embaixo.... – Falo de maneira triste lembrando de meu marido, filho e amigos. Gosto de pensar que eles estão por aí em algum lugar.

Os dias se sucedem na Estação Espacial Internacional. Tentamos manter uma rotina de observação e registro de dados. Acho que a rotina diminui um pouco a dor de nossas perdas. Muitas vezes nos pegamos dando gargalhadas com as piadas do engenheiro de navegação americano ou passamos um bom tempo falando de nossas vidas antes de embarcamos na missão. Terminei descobrindo que o fisiologista alemão tem um papagaio chamado C3PO.

Há quase três meses a Estação espacial orbita em volta da Terra. Estou com o olhar vago próximo a janela de observação escutando uma coletânea de músicas latinas quando o inusitado mais uma vez ocorreu.

- Meu Deus, as luzes voltaram!! As luzes voltaram. – Com um misto de alegria e estupefação eu grito para os demais tripulantes.

De repente lá estavam as luzes de Melbourne, Sydney e Brisbane. Sobrevoávamos a costa australiana quando de repente tudo voltou. Gritos e cambalhotas de alegria entre nós. Uma cerveja bebida em canudinho apareceu. Choramos e nos abraçamos. Estávamos em casa de novo.

Em um tempo curtíssimo as comunicações foram restabelecidas e o Centro de Controle da Missão informa-nos que sumimos por uma hora das telas de radar. Em um momento tudo transcorria dentro da rotina prevista e em outro desaparecemos. Fomos informados de todas as tentativas frustradas para nos localizarem.

Sei que agora está uma loucura lá embaixo. Especialistas de todo tipo e especulações as mais variadas vão surgir para tentar explicar o Evento, mas não estou muito preocupada com isso agora. Nós vamos voltar para casa e estou morrendo de saudade do meu marido, do meu filho, de Spock e das minhas samambaias.

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 09/03/2018
Reeditado em 14/04/2018
Código do texto: T6274924
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.