Diga o seu nome

No salão cheio de rapazes em roupas de baixo, um enfermeiro atarefado anotava num bloco de notas os dados físicos dos conscritos, à medida em que eram pesados numa balança e medidos contra uma escala na parede.

- Ei, enfermeiro... posso falar consigo um minuto?

Ele virou-se e viu que um sujeito magro, bigodinho preto, ceroulas brancas, aproximava-se.

- Já anotei os seus dados - esquivou-se.

- Você escreveu aí que tenho pé chato...

O enfermeiro o encarou com impaciência.

- Amigo, essa é a verdade. Tenho mais de dez anos de experiência nesse serviço!

O sujeitinho não se deu por vencido e chegou mais perto.

- Mas escute... não dava pra reconsiderar? Eu quero muito servir ao exército!

O enfermeiro pensou em dar uma resposta grosseira, mas algo na expressão ansiosa do jovem o fez mudar de ideia.

- Como é seu nome, rapaz?

- Hitler. Adolf Hitler.

- Está bem, Hitler; vou lhe encaminhar para o doutor Benjamin Rosenmann, e ele decide.

- Rosenmann... ele é judeu?

O enfermeiro lançou-lhe um olhar torto.

- Algum problema com judeus, Hitler?

- Não... não... aliás, vou saber agora.

E piscou um olho para o enfermeiro, que deu uma risada.

* * *

Para surpresa de Hitler, o doutor Rosenmann nada tinha de traços judaicos: era um homem grande, gordo, corado, vastos bigodes brancos e profundos olhos azuis. Estranhamente, lembrava muito seu falecido pai, Alois.

- Ah, então o jovem Hitler deseja servir ao exército! - Exclamou o médico ao vê-lo, ar satisfeito. E estendeu-lhe a mão rechonchuda que o rapaz apertou com satisfação.

- Desculpe, senhor... mas o seu sotaque... por acaso é da Baviera?

- Não, sou de Viena, meu rapaz, mas passei a maior parte da minha juventude em Munique. Muita gente pensa que eu sou alemão...

- Notável, doutor Rosenmann. Eu também nasci na Áustria, mas passei minha infância em Passau, na Baixa Baviera.

- Ah, sim... uma cidadezinha adorável! Mas em que posso ajudá-lo, Herr Hitler?

- Bem, doutor... o enfermeiro me disse que eu seria rejeitado por ter pé chato.

O médico o encarou com simpatia. "Sim", pensou Hitler, "ele se parece muito com o velho Alois".

- Pois creio que o enfermeiro se enganou, Herr Hitler.

Preencheu alguns espaços num documento sobre sua mesa, assinou, e entregou-lhe.

- Bem-vindo ao Exército Austro-Húngaro, recruta Adolf Hitler!

Hitler apanhou o papel, e segurou-o com as duas mãos, a felicidade se espalhando pelo rosto.

- Como posso lhe agradecer, senhor?

Rosenmann abriu as mãos, como se aquilo fosse uma obviedade.

- Sendo um bom soldado!

- [25-03-2018]