Alteridade

Num belo planeta, distante do nosso por largos milhares de anos-luz, uma novidade celestial intrigou por algum tempo os seus habitantes. Erguendo os olhos para o alto, repararam que uma nova estrela surgira, traçando uma órbita irregular pelos céus. Era tão brilhante que era possível vê-la mesmo durante o dia. Acompanharam e perscrutaram o que poderia ser aquele estranho e peculiar fenômeno, mas não tinham conhecimento ou tecnologia suficientes para desvendar esta instigante questão.

Porém, logo tiveram sua curiosidade saciada pela descida da estrela até a terra firme, descobrindo, para seu espanto, que a estrela, na verdade, era uma grande cápsula cromada que trazia um ser em seu interior. Assim que o tal ser emergiu por uma escotilha do alto desta cápsula, perceberam que ele não era muito diferente deles mesmos. Como parecia solitário e inofensivo, abandonaram seus receios e puseram-se a tentar travar contato.

Assim que o Ser do Céu - que é como o chamaram - pousou seus pés sobre a relva dourada que crescia sobre o solo macio e, claramente satisfeito, encheu seus pulmões com aquele ar maravilhosamente puro, viu que as leituras de seus instrumentos apontaram corretamente que a biosfera daquele planeta de céu rosado era agradável. Não precisava de traje pressurizado nem de capacete espacial, portanto vestiu seus melhores trajes de bordo e tentou ser simpático com os seres que ali habitavam.

Ambas as formas de vida, tanto o Ser do Céu, como as criaturas do planeta cor-de-rosa, buscaram entender uns aos outros naquele momento ímpar da existência cósmica. Embora ligeiramente diferentes, guardavam grande semelhança. Por isso, sentiram-se à vontade de se comunicar, na esperança de algum entendimento.

O Ser do Céu ficou extasiado com o que via, pois era realmente tudo muito bonito. O planeta, bem como as criaturas, eram de uma formosura que lhe enchia os olhos e sentidos. Sentia-se extremamente bem e interessado naquele lugar e, principalmente, nos seus seres viventes. Sabendo que aquela civilização era primitiva, esforçou-se em se comunicar de forma viva e simples, e lhes ofereceu muitos presentes em prova de sua amizade. Estava tão encantado, que ofereceu algumas das maiores preciosidades que carregava consigo naquela missão.

Entretanto, da parte das criaturas, logo o interesse inicial pelo desconhecido Ser do Céu definhou. A forma como ele se comportava, bem como suas tentativas de agradá-las, logo as deixaram entediadas. Não entendiam sua língua e, embora ele lhes fosse semelhante e aparentasse ter boas intenções, nada do que ele oferecia lhes interessava. Não tardou muito, e já o achavam patético. Não querendo mais a sua presença, ignoraram-lhe, e tentaram fazê-lo entender que não o queriam mais ali.

Logo o Ser do Céu compreendeu que seus esforços de contato estavam indo por água abaixo, e seus presentes não atraíram o interesse das criaturas. Desta forma, confuso e frustrado, achou por bem retirar-se dali e não mais incomodar os habitantes daquele planeta encantador, antes que alguma coisa ruim acontecesse. Enquanto fazia os preparativos para decolar, não conseguia entender porque as criaturas lhe rejeitaram, bem como rejeitaram tudo o que tinha a oferecer. Durante seus estudos e observações na órbita baixa do planeta, concluiu que o que ele possuía consigo e que foi ofertado lhes seria de grande valia. Porém, por algum motivo que fazia sentido somente às criaturas, nada daquilo, nem o fato inédito de sua aparição, foram empolgantes.

Ainda refletindo acerca do fracasso de seu contato, o Ser do Céu descarregou alguns rejeitos biológicos que faziam peso na espaçonave e, em seguida, subiu como um raio rumo ao cosmos.

Partira tão rápido que sequer teve a oportunidade de ver que o lixo despejado, a fim de deixar a nave mais leve para a decolagem, excitou o interesse das criaturas, que se lançaram alvoroçadas sobre aquela massa inútil. Tinha um aroma e um aspecto que lhes era fenomenal, e regalaram-se nela por dias, até o seu fim.

Ao final, o Ser do Céu tinha o que era interessante às criaturas.

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 26/03/2018
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