A indicação

Um criado abriu a porta do gabinete para que François de Neufchâteau entrasse. Dentro da sala, dominada por estantes cheias de livros encadernados e móveis de mogno estilo Luís XVI, o diretor Merlin de Douai o aguardava de pé, mãos atrás das costas, junto à janela cujas cortinas abertas deixavam entrar a luminosidade dourada de uma tarde de outono em Paris.

- Cidadão Neufchâteau? - Adiantou-se o diretor, para saudá-lo.

- Aqui estou!

Trocaram um rápido aperto de mãos e Douai indicou-lhe uma cadeira estofada à frente de sua escrivaninha atulhada de papéis. Após sentar-se em seu próprio assento, dirigiu-lhe a palavra novamente:

- Gostaria inicialmente de parabenizá-lo por sua indicação ao Diretório... tenho certeza de que sua experiência em comércio marítimo nos será de grande utilidade.

- Grato, cidadão diretor.

Douai apanhou um documento sobre a mesa e deu-lhe uma rápida vista d'olhos antes de prosseguir.

- E, falando em comércio marítimo, solicitei que viesse ter comigo antes de apresentá-lo aos demais diretores, por conta de uma situação que está se desenvolvendo no Brasil...

- A Rebelião Baiana, suponho?

- Precisamente - aduziu Douai. - Os revoltosos lograram derrubar o governo colonial português na Capitania da Bahia e pretendem fundar uma república... nos nossos próprios moldes.

François de Neufchâteau apoiou um cotovelo no braço da cadeira, segurando o queixo com a mão.

- Seria extremamente interessante termos um governo amigo na América do Sul, - ponderou - principalmente sendo os portugueses tradicionais aliados dos ingleses. De quebra, isso ainda resolveria o problema do abastecimento de açúcar, agravado pela revolta dos escravos no Haiti.

- Foi precisamente este o meu raciocínio - declarou satisfeito Douai. - A questão é que os baianos precisam de reforços para expulsar as tropas do rei português e tomar a capital da colônia, o Rio de Janeiro. Pedem que lhes enviemos uma força expedicionária...

- Caso tenhamos sucesso, estariam dispostos a nos conceder livre comércio, imagino - François de Neufchâteau voltou a sentar-se ereto na cadeira.

- Este seria o trato - admitiu Douai.

- Os portugueses hoje, restringem o comércio de estrangeiros com a sua colônia - discorreu François de Neufchâteau. - Teríamos uma oportunidade única para colocarmos uma extensão considerável da América do Sul sob nosso controle... sou extremamente favorável a que enviemos esta tal força expedicionária, e, na verdade, já tenho até um nome para sugerir como seu comandante.

Douai abriu as mãos sobre a mesa.

- Quem gostaria de indicar?

- O general Bonaparte.

- Mas ele está no Egito... - ponderou Douai.

- É pouco provável que Napoleão consiga deter os ingleses e seus aliados por muito tempo... - atalhou François de Neufchâteau - além de termos outros generais que poderão substituí-lo por lá.

E, reclinando-se na cadeira, declarou com convicção:

- Napoleão Bonaparte é o homem que precisamos para uma campanha vitoriosa no Brasil.

- [21-04-2018]