VIAGEM INSÓLITA

Cidade de Lorestan - Irã, ano 2039

Hossein caminhava no topo da montanha quando viu algo reluzir, um objeto que se sobressaia debaixo de muitas pedras que pareciam ter se rachado, naquela estafante viagem a procura de um refúgio da grande cidade, ele encontrara algo diferente, muito diferente...

Rapidamente agaichou-se e começou a retirar pedras, cavou um pouco mais com auxílio de uma pequena pá, era uma esfera metálica com uma haste, o que vira no primeiro instante fora apenas a haste. Logo limpou-a com a aba da camisa, jogou um pouco dágua e voltou a limpa-la, depois resolveu guarda-la em sua mochila e procurou um canto para passar a noite.

No ínterim de uma noite fria e escura, mas com muitas estrelas, após comer algo, Hossein retirou uma foto do bolso da camisa, um tanto amarelada a iluminando com a lanterna, nela cinco pessoas em torno de uma mesa, era sua família, seus pais e irmãos haviam falecido num acidente e ele que havia saído de casa por ter contendido com os pais e irmãos, parecia ter uma dor sem fim e imperdoavelmente se culpava dia e noite. Via ele ao lado do pai, ainda resignado com os rumos da vida que viviam. Uma grande arvore fazia sombra sobre a mesa e sobre seu pai que sorria.

A família havia se tornado cristã há pouco tempo, após alguns meses de estudo das escrituras, seu pai sabia que aquilo poderia significar para a família: Ameaças, rixas, discriminação ou até algo pior, ainda assim a família decidiu seguir em frente.

Hossein sentia que a decisão da família era difícil, estava farto de tudo e já planejava partir dalí e tentar a vida ao sudeste do país. Na ultima conversa com a família, sentiu o peso da mão do pai esbofetear sua face:

-Não o criei para ser um homem obstinado por riquezas- disse seu Pai- Mas vá em frente, não posso obriga-lo a nada! Um dia saberás o que realmente importa!

Hossein apenas baixou a cabeça, disse adeus sem ouvir resposta e entrou numa pick up velha e desbotada, aquela fora a ultima vez que os vira. Agora já passados quase quarenta anos, sem filhos e parentes, após projeção social e muito dinheiro, sentia as palavras do pai lhe esbofetear a face a cada dia... Seu tempo agora discorria em andanças a procura de sí mesmo. Se pudesse, faria tudo diferente...

-Que idiotice a minha- arrazoou ele consigo mesmo ao ver mechas brancas de cabelo- eles se foram e eu não posso fazer mais nada além de viver o resto dos meus dias com este tormento!

Hossein adormeceu na caída da madrugada, sentindo-se exausto e sem forças, pedia a Deus para morrer.

Na manhã do dia seguinte, lavou o rosto no riacho e lembrou-se da esfera, retirou-a do pano que a envolvia e passou a lava-la na correnteza. Mais tarde, próximo ao almoço, ele tirou um lanche da bolsa e sentou-se, colocou a foto apoiada numa pedra, o olhar melancólico, logo, pegou a esfera e passou a nota-la, havia alí algumas pequenas protuberâncias que ele não havia notado até então. Letras estranhas, símbolos nunca vistos... clicou em um dos botões que tinha uma letra O semicortada com três pontos em baixo, a esfera começou a reluzir! Uma projeção holográfica de uma mulher de feições sintéticas, ela disse:-Identificando local e horário: 13:21 em Lorestã- Irã, ano 2039, foi você quem me reiniciou? Hossein olhava sem entender, ela voltou a perguntar:- Foi você quem me reiniciou?

Ele disse timidamente:-B-bem, eu só apertei um botão...

-Obrigado, por ter me reiniciado, vou permitir-lhe que realize um pedido, um único pedido, depois disso voltarei ao meu tempo...

-Como assim, v-você não é da terra?

-Sim, mas num tempo muito distante, ano de fabricação 3278, sou um marco do tempo, dotado de um programa IAR (inteligência artificial remissiva) cuidava de que ninguém entrasse ou saísse do tempo sem uma permissão dos SWD.

-O que são os SWD?

-Os guardiões da terra, mas você não deve saber mais do que já sabe, faça seu pedido, quer ganhar muito ouro? Diamantes? Esmeraldas? Diga! Hossain baixou a cabeça.

-Não, não quero nada disso, eu só queria reencontrar minha família, sou sozinho no mundo, não quero mais... viver sem eles...

-Tem alguma referência temporal?

-C-como?

-Alguma referência da época, local, ano em que viviam?

-Tudo que tenho é essa foto! Hossain pegou a foto e mostrou a ela que disse:

-Perfeito! vou analisar a foto, aguarde...

Hossain perplexo olhava a máquina que parecia fustigar de luzes e cores a foto antiga, sem demora, ela disse:

-Cidade de Gandabeh, ano 2003, data 26/08. Endereço localizado na dobra ativa temporal, se desejar, posso envia-lo para lá!

O coração de Hossain passou a palpitar mais e mais forte...

-Sério? Não brinque comigo moça, ou sei lá o que você é!

-Jamais brinco Senhor, alías não tenho senso de humor... deseja ir?

-M-mas é claro que sim! Exclamou Hossain, os olhos brotando lágrimas, a dúvida cedendo, enchendo como uma diástole temporal, um bombardeio a sua realidade fabricada, uma esperança salvadora irrompendo...

-Então tudo bem, o Senhor terá 24 horas pra voltar, essa foto será seu marcador temporal. Somente o senhor poderá ver a entrada e a saída para onde vai, lembre-se, são apenas 24 horas, suas lembranças serão plenas, depois esquecerá de tudo e no fim lembrará do tempo que lhe resta para voltar a este mundo, agora preciso partir.

-Calma, e se eu me esquecer de onde está o portal?

-Simples- tornou a máquina- ela estará no seu lugar preferido...

-Hum, debaixo do manguezal?- atalhou ele

-Sim, isso mesmo, bem não deixe de voltar, caso contrário ficará preso no passado.

-Eu voltarei, obrigado!

A esfera pareceu recolher sua haste e a imagem holográfica, logo ergueu-se e começou a rodopiar, de modo que sumiu!

Hossein estava atônito, uma luz forte se projetava da foto, ele olhou ao redor e sem relutância entrou...

O ar parecia ter melhorado consideravelmente, ele pegou um pequeno espelho de bolso para ajeitar o cabelo, mas sua surpresa foi grande ao ver que aquele que observava era ele há 36 anos atrás, as rugas haviam desaparecido, os olhos mais vívidos, os cabelos negros desgrenhados, Hossein sorriu. -Meu Deus o que é isso?

Caminhou a passos lentos até a entrada da casa, um cachorro veio ao seu encontro, ele havia esquecido seu nome, mas o cão parecia lhe conhecer, logo chegou a porta e viu seu pai sentado lendo um jornal, sua mãe mexendo no fogão, aquilo parecia um sonho, ele irremediavelmente chorava...

O pai ergueu-se e foi até ele:

-O que houve filho? Alguém morreu?

Hossein observava seu pai ao seu lado um sentimento de nostalgia latente pulsando... logo o abraçou ternamente, o pai disse: -Tudo bem filho, vou entender isso como um pedido de desculpas!

-Tudo bem pappi, mas o que eu fiz?

-Eu diria o que você não fez! Eu o mandei ajudar na colheita, mas você fez pouco caso como sempre e sumiu!

Hossein suspirou, tudo ali parecia não ter tido nenhuma influencia, então eles o viam naturalmente como se já estivesse alí desde o princípio, talvez com sua entrada naquele tempo, ele assumira agora o outro ser beligerante, sua mãe lhe trouxe uma xícara de chá, ele então disse:

-Meus pais queridos, prometo que tudo vai ser diferente!

-Que bom!- disse o pai- Hoje ganhei meu filho!

Todos se abraçaram e por um instante Hossein queria que o tempo parasse...

Naquela tarde foram passear no parque, fizeram pic nic, pescaram e a noite foram a reunião cristã num local próximo.

Hossein estava extasiado de felicidade, afinal alegria genuína chegava a sua vida não por meio de riquezas, mas por meio do amor e união familiar, algo que verdadeiramente o preenchia.

A noite após o jantar, ele ficou no quarto dos pais sentado numa cadeira, o pai contava estórias aos netos e ele os contemplava apenas com simplicidade e atenção que nunca tivera. Um de seus sobrinhos o fitava incansavelmente, Seu pai estranhando lhe disse:

-Rapaz, você precisa dormir, amanhã cedo temos muito que fazer! Você nunca foi de ficar aqui ouvindo minhas estórias, o que está acontecendo?

-N-não é nada pappi, bem eu vou indo, amo vocês...

-Também te amamos querido- disse a mãe

No dia seguinte, após o almoço, Hossein voltou a lembrar-se do portal, tinha apenas alguns minutos, logo entrou na cozinha um tanto nervoso, pediu para o pai fazer uma oração e disse: -A propósito, posso lhes dar um ultimo abraço?

-Ora essas! Claro que pode, mas você está muito diferente filho, bem, todos podem mudar, graças dou a Deus por isso.

Os três se enlaçaram num grande abraço, enquanto oravam, Hossein sabia que seria o último, o último abraço, o ultimo beijo...

Saiu dalí tentando disfarçar lágrimas que corriam pela face, os irmãos haviam voltado para o campo, o tempo sagaz não lhe dava trégua.

Aproximou-se do pé de mangueira que estava florido, o portal reluzente estava logo alí, outro mundo, outra vida, outra realidade o esperava. Caminhou vacilante até lá, seus olhos não podiam deixar de se despedir de tudo ao redor, tudo alí parecia mágico, inebriante alegria os rondava.

Já próximo ao portal, lembrou-se de seus muitos negócios, ações, casas, era melhor esquecer de tudo e viver o tempo que lhe restava. Antes porém no coração, pairava uma dúvida, será que seus pais realmente o amavam? Hossein estacou com a dúvida, olhou o relógio, faltavam 12 minutos.

-Não se pergunta a ninguém se somos amados, sentimos apenas que sim ou não, nossas ações são o que delimitam isso. -arrazoou ele no coração. Nesse momento seu sobrinho mais novo apareceu, aquele que o fitara a noite no quarto dos avós, ele tinha 8 anos.

-Mustafáh, o que está fazendo, porque não entra pra casa?

-Eu ví quando você entrou aqui!

-C-como?- Hossein quase engasgou

-Sim-tornou o pequeno- você não é o antigo tio, o que houve com ele?

Hossein olhou ao redor e ajoelhou-se diante do garoto:

-Você tem que me prometer que nunca dirá isso a eles, entende?

-Tudo bem tio, você acha mesmo que eles acreditariam em mim? Fique tranquilo, somos parceiros, mas porque vai embora? Não deixe o outro tio voltar por favor.

-Sério mesmo? Porque?

-Porque eu não consigo entender que mesmo sendo ruim, meus vovôs o amam muito, e agora você está diferente, eu também o amo Titio, não vá! Podemos fazer muitas coisas juntos...

-M-me a-ma?- gaguejou Rossein-Bem, não sei se mereço isso, preciso ir, me perdoe...

-Bem, minha mãe disse que você na verdade não é meu tio... é meu Pai!

Ela casou com seu irmão quando já estava grávida do senhor, sabe eu não sei muita coisa, mas meu pai atual, ele não gosta de mim.

Hossein estava perplexo, sentia-se congelado, jamais imaginara algo assim, estava se sentindo mal e ao mesmo tempo sentia uma alegria infinita ganhar seu âmago... -Um filho, eu tenho um filho!- pensava ele

O escudo do portal pareceu ficar mais rarefeito, num sobressalto Hossein disse: -Filho, venha comigo!

Mas o garoto deu dois passos pra trás dizendo:

-Este é o meu mundo Papai, então, adeus, eu sempre o amarei...

Ao dizer isso o menino se pôs de costas e começou a se afastar, o portal parecia enfraquecer, Hossain olhou, faltavam 30 segundos!

Um cheiro de café tomou conta do ar, Hossein olhou ao redor, lágrimas caindo...

O garoto tristonho havia chegado a entrada da casa, sua avó lhe disse:

-Você contou a ele?

-Sim, contei.

-Bem, ele foi embora, mas filho, sente-se venha tomar um café, o tempo é apenas um detalhe nas mãos do criador...

-Ora essas, ninguém me convida pra tomar um café?

O menino sorriu ao ouvir a voz de seu Pai. Hossein escolhera o melhor caminho, escolhera a felicidade genuína.

Fim.

Mario B Duran
Enviado por Mario B Duran em 15/05/2018
Código do texto: T6337573
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