Lar é um lugar inesperado

[Continuação de "Insano"]

- Afinal, que lugar é esse? - Inquiriu Chase Dillon. - E por que se parece tanto com a Terra? Fui transportado para algum futuro pós-apocalíptico? Vocês são seres humanos ou algum tipo de androides sofisticados?

Ao seu lado, caminhando ao longo do milharal que começava pouco além da sede da fazenda, a graciosa Flora Simões estendeu o braço esquerdo e pousou o dedo indicador sobre os lábios dele, pressionando-os levemente. Dillon sentiu o calor de uma criatura viva... e também o perfume que ela usava.

- Perguntas demais, capitão... vamos devagar. Acha que sou algum tipo de máquina?

E parou na frente dele, mãos nas cintura, a cabeça levemente inclinada para um lado, um brilho zombeteiro nos olhos.

- Visualmente... não. Desculpe... não quis ser indelicado.

- E não foi - transigiu ela. - Creio que, se eu estivesse no seu lugar, também estaria tão confusa quanto... ou talvez mais. O mundo de onde você provém é um lugar selvagem. Muito ódio, muitas mortes... guerras...

- E aqui? - Indagou ele, fazendo um gesto que abrangia a tranquila paisagem rural ao redor, tornada alienígena pelas duas luas em quarto crescente pouco acima do poente.

- Aqui, há paz. O amor nos rege.

- Que tipo de amor? - retrucou ele, incrédulo.

- Amor de mãe - foi a resposta brincalhona.

Dois homens usando a jardineira jeans e a camiseta branca que pareciam ser um tipo de uniforme dos trabalhadores da fazenda, passaram por eles em direção a um barracão, empurrando carrinhos de mão com implementos agrícolas. Dillon voltou-se para Flora.

- Esta fazenda é propriedade de vocês? Essas pessoas são seus empregados?

- Esta fazenda, especificamente, é de propriedade coletiva - e minha mãe é a atual administradora. Os trabalhadores que viu aqui, homens e mulheres, estão cumprindo uma parte do seu ciclo de desenvolvimento pessoal e serão substituídos por outros ao fim dele.

- Quem determina quem se dedica à agricultura... e por quanto tempo?

- Minha mãe pode lhe explicar melhor do que eu... - ponderou Flora. - Mas, tudo começa na infância... fazemos testes para determinar isso. O que interessa saber, é que na nossa sociedade, todos devem ser produtivos.

- E aqueles que, por alguma razão, não querem ser produtivos? - Insistiu Dillon.

- O Universo é vasto, capitão - respondeu Flora de modo misterioso.

* * *

Dillon e Flora haviam se sentado num banco de madeira sob uma macieira em flor, nos fundos da fazenda. O sol se pôs e as luzes da casa principal e do alojamento dos trabalhadores foram acesas. A temperatura era agradável e uma brisa constante soprava, vinda do leste.

- O mar é naquela direção? - Perguntou Dillon, indicando com o polegar a direção do vento.

- Sim. Eu posso levá-lo lá, depois... - sugeriu ela.

- Depois?

- Você não quer conhecer antes o lugar onde veio parar... e as pessoas que nele habitam?

A pergunta fora feita com uma pitada de malícia, que ele não pôde deixar de notar.

- Ter algumas respostas seria muito agradável... - respondeu ele, cautelosamente. Nada sabia sobre os usos e costumes desta gente, e não queria ser mal-interpretado.

- Estamos sentados aqui, neste descampado, justamente para que tenha algumas destas respostas - assegurou ela. E, queixo voltado para o céu, agora escuro:

- O que vê?

Ele ergueu a cabeça. As primeiras estrelas já haviam aparecido, e as luas, embora mais brilhantes, não atrapalhavam a contemplação dos céus, naquele rincão distante da poluição visual dos centros urbanos - se é que ali havia centros urbanos, ponderou. O que existiria de diferente, além das próprias luas? Demorou vários minutos para perceber, enquanto o número de estrelas crescia gradualmente.

- As constelações... - percebeu finalmente. E encarou Flora, que aguardava a resposta, pacientemente.

- O que têm elas?

- São as mesmas de casa... este é o mesmo céu do hemisfério norte, da Terra! - Exclamou ele, aturdido.

- Mas isto não é a Terra, capitão... - arguiu Flora. - Pelo menos, não a SUA Terra.

Foi então que Chase Dillon compreendeu que não estava mais em seu Sistema Solar, quiçá nem mesmo na Via-Láctea. Aquele lugar, tão familiar e ao mesmo tempo tão diverso, só poderia ser parte de um Universo paralelo. Flora aconchegou-se junto ao corpo dele, que num gesto reflexo, a abraçou. Com a cabeça pousada no ombro do capitão, olhos voltados para as estrelas, ela sussurrou:

- Lar... é como chamamos este planeta.

E, lábios colados ao ouvido dele:

- Sinta-se em casa, capitão.

[Continua em "Tentações"]

- [21-05-2018]