O Grande Dia dos Aldorianos

Biágora, sentado em um tronco velho caído ao solo, admira a beleza de Solai e Uria. As duas estão na fase cheia e nessa noite em especial se cruzam no céu, num espetáculo único e belo. Seu olhar é nostálgico e só é interrompido quando ouve um pequeno movimento de folhas se mexendo.

– Quem está aí?

– Sou eu, tio Biágora, Shantôr...

– Meu pequeno Shantôr... Venha, sente-se aqui comigo.

– O que você está fazendo aí, sozinho?

– Nada de especial, apenas apreciando a beleza de Solai e Uria...

– É... Elas estão lindas hoje, não é mesmo?

– Mas o que te aflige, pequeno Shantôr. Já te conheço há bastante tempo para perceber quando você não está bem...

– Só estou um pouco apreensivo, tio. É que diafira que vem é o meu rito...

– Sim... Um grande diafira, com certeza... Mas, por que essa apreensão? Já não te explicaram o rito?

– É que eu ainda não escolhi meu nome e falta muito pouco tempo...

– Sirona traz o nome a sua mente na hora certa...

– Mas tem que ser em cima da hora?

– Não se preocupe tanto, meu pequeno...

– Meu pai me deu um Grande Livro dos Nomes, mas não consigo me decidir...

– Ele lhe sugeriu algum?

– Não. Ele me disse que essa é a decisão mais importante na vida de um aldoriano e que portanto o nome deve vir de mim.

– Entendo...

– O que significa Biágora?

– O Esperançoso...

– Ah...!

Biágora, de certo modo, ficara contente com a reação do pequeno Shantôr. Pois, se esse quisesse saber mais sobre o porquê de ter escolhido esse nome, ele teria que lhe contar uma história que lhe traz muitas lembranças tristes e não estava muito interessado em fazer isso naquele momento...

– Shantôr, venha! Já está ficando tarde! Amanhã você tem que ir com seu pai ao centro e vocês não podem se atrasar!

– Vá meu pequeno Shantôr! É melhor obedecer a sua mãe...

– Biágora! Não quer comer nada? Você nem jantou...

– É, é melhor obedecer à mamãe, tio Biágora...

Os dois riram felizes, se levantaram do velho tronco e foram de encontro a Qhitira que os esperava na porta.

As lembranças do diafira do rito ainda estavam na mente de Biágora. O nome que ele escolhera era Marytuha, que significa “o destemido”. Estava feliz e animado com a escolha. Sabia que aquele era o nome apropriado para carregar durante a sua vida adulta. Diafiras antes do rito, seu pai tivera que ir até Solai.

— Não se preocupe, meu pequeno Shantôr. Eu volto a tempo do rito — dissera seu pai.

— Deixe-me ir com você, pai. Eu juro que não vou atrapalhar e assim posso te obrigar a me trazer para o diafira do rito.

— Filho, não seja tolo. Você acha que seu pai perderia o dia do rito do seu pequeno Shantôr. Lembra quando minha pequenina Shantór escolheu seu lindo nome? Qhitira, “a amada”... E você, meu pequeno, já tem um nome?

— Marituha!

— O destemido... Belo e revigorante nome. Façamos o seguinte: está vendo esse colar que eu sempre carreguei comigo? Ele me foi dado por um grande aldoriano. Seu nome era Rafidu, “o protetor”. Quando eu tinha a sua idade, eu não sabia o que escolher. Ele então me deu essa pequena pedra e a amarrou em meu pescoço.

— Por isso, o nome Wagarta, “o guardião”?

— Exato. Quero que fique com o motivo de meu nome até eu voltar. No diafira do rito, você me devolve. Promete?

— Prometo, pai! Que Sirona lhe guie em sua viagem.

— Biágora! Você, às vezes vive no mundo de Solai, não é meu irmão! Faz um tempo que eu estou te chamando e você não me escuta, meu querido!

— Desculpe-me, Qhitira... Lembrava de nosso pai...

— Wagarta já se foi há muito tempo, meu kigut. Sei que seu nome foi escolhido no afã de que nosso pai ainda chegasse no rito, mas não pode carregar esse sentimento pra sempre...

— Tio Biágora!!

— Meu pequeno Shantôr... Está pronto?

— Depende do que você diz pronto. Pois continuo sem um nome...

Biágora retira a pedra que seu pai lhe dera e a coloca na mão do sobrinho.

— Essa pequena pedra foi dada por seu avô a mim no diafira do rito. Leve-a como um amuleto da sorte, pois foi ela quem deu o nome a seu avô e a seu tio.

— Ela fala?

— Não, meu pequeno. Ela muda a nossa vida.

— Muda!?

— Agora, vá. Seu tio tem algumas coisas pra fazer e infelizmente não vai poder te acompanhar. Boa sorte e que Sirona lhe guie em seu caminho.

— Tchau, tio. Até logo!

O pequeno Shantôr sentou-se diante do Grande Conselho Aldoriano, enquanto seus familiares acompanhavam em pé ao redor. Um dos conselheiros se levantou e entregou a Faixa da Escolha ao pequeno Shantôr. Após rezar a prece a Sirona, aprendida com Qhitira, o sobrinho de Biágora disse em alto e bom tom, o nome que irá carregar para o resto de sua vida adulta.

Ao chegar em casa, Biágora estava novamente sentado no tronco velho caído ao solo, atrás da casa, admirando a beleza de Solai e Uria.

— Oi, meu kigut! E agora, como devo chamá-lo?

— Marituha! Este é o meu nome!

Biágora olhou para sua irmã, que deu um leve sorriso e pode-se ver uma pequena lágrima escorrendo.

— Wagarta cumpriu a promessa...

David Scortecci
Enviado por David Scortecci em 25/10/2005
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