Meias-Noites

– Muito bem, homens, quase meia-noite. Acionem os sistemas e monitorem os dados, pois nosso protocolo é o mais perigoso do ano. O objetivo como sabem é T menos 60. Sargento, inicie a liberação de antitáquions.

– Sim, senhor, capitão. Reatores ativados.

– Mantenha o fluxo. Cadete, como estão as leituras?

– Senhor, tudo reagindo como o esperando e mantendo os parâmetros da constante de Planck. No momento atingimos T menos 57... T menos 56... T menos 55...

– Ótimo, fique de olho nesses números para compensar qualquer anomalia.

– Sargento, ei, sargento. O senhor que é veterano nessas missões, elas costumam mesmo ser tão tensas quanto dizem ou é só boato para assustar calouros?

– O que tu achas, guri? Aquele terremoto que quase destruiu o Japão mudou o eixo do planeta e só conseguiu acelerar a rotação em 1,8 microssegundos. Essa máquina atrás de nós está prestes a arrancar uma maldita hora do continuum. Parece brincadeira?

– Mas isso é feito todos os anos, se é tão perigoso, por que insistem?

– Vamos parar com essas conversas paralelas? Faça circular mais nitrogênio pela rede taquiônica, sargento, pra baixar esse calorão que tá queimando meu rabo. Cadete, quero as leituras do subproduto da operação.

– Senhor, todas as grandezas estão dentro do esperado. O choque entre táquions e antitáquions está obrigando os minutos a decairem para femtossegundos. Os sensores mostram que 95% da radiação resultante se converte em tempo escuro e se torna inócuo...

– Não tente ensinar a missa ao vigário, cadete. Como estão as leituras?

– Desculpe, senhor. Agora estamos em T menos 27, T menos 23, T menos 20...

– Estamos chegando ao ponto crítico. Sargento, diminua o fluxo de partículas para evitar que a desacelaração afete a gravidade. Já estou me sentindo mais pesado e nem jantei ainda.

– Sim, senhor, compensando excesso gravitacional com os sistemas auxiliares: eliminando a carga de nêutrons.

– Leituras, cadete!

– Senhor, T menos 4... T menos 3... T menos 2...

– Conseguimos, senhores, onze horas da noite de novo! Tudo sincronizado, objetivo alcançado e não explodimos a porra do mundo. Desligar sistemas, resfriar tudo e guardar pro ano que vem.

– Obrigado, senhor. Até o próximo horário de verão.

– Que loucura!

–- Ora, vamos, cadete, tu até que não te saiu mal. Pelo menos tá andando. É mais do que posso falar do teu antecessor.

– O que aconteceu com ele?

– Foi pego num vazamento de antitáquions na última mudança de horário. Acabou sofrendo inércia cronal.

– Não estudei isso na academia, que efeito é esse?

– Bem, nós aqui lidamos com partículas suficientes para transformar uma hora em cinzas no território de milhões de quilômentros quadrados. O que tu acha que acontece com a massa de uma pessoa mergulhada em tanta desacelaração?

– Nada de bom, imagino.

– Digamos que ele vai ter sorte se nascer novamente em algum momento nos próximos cem anos. Agora vamos, te pago um café na cantina. Mas ande logo, tenho que chegar em casa antes dessa nova meia-noite, ou minha mulher me mata.