Sob pressão

- Vai ser uma morte rápida - filosofou Cheslav Igorevich ao olhar pela escotilha para a disco rajado de Júpiter à nossa frente. - Provavelmente, nem vamos estar conscientes quando a pressão da atmosfera esmagar o casco da "Arcas".

- Ninguém aqui vai morrer... não se meus cálculos estiverem certos - assegurou o engenheiro Krasimir Rostislavovich com ar confiante.

Ninguém em sã consciência planejaria uma missão tripulada ao maior dos planetas do Sistema Solar, e certamente não era esse o nosso caso. A "Arcas", nossa astronave, nos levara da Terra até a órbita da segunda maior lua de Júpiter, Calisto, onde eu e meus companheiros descemos em três módulos de pouso e permanecemos pouco menos de um ano terrestre, realizando trabalhos de prospecção para uma futura base permanente. Contudo, ao voltarmos ao orbitador e começarmos a longa viagem de volta à Terra, uma explosão no principal tanque de combustível quase nos fizera chocar com a lua que havia sido nosso lar durante meses a fio. Para retomar o controle da nave, tivemos que gastar ainda mais propelente, e nossas perspectivas agora eram sombrias: não dispúnhamos de combustível suficiente para assegurar o retorno à casa, e os módulos de pouso não mais podiam ser utilizados para um regresso à base em Calisto.

- E se fossemos na direção contrária? - Sugeriu então Krasimir Rostislavovich.

Todos o olhamos como se ele houvesse enlouquecido.

- Por direção contrária... você quer dizer Júpiter? - Indaguei.

- Sim - prosseguiu ele. - Não temos combustível suficiente para acelerar até uma velocidade suficiente que nos permita chegar à Terra antes que nossas reservas de ar e suprimentos se esgotem... mas podemos usar a massa de Júpiter para nos dar um "empurrão" e retomar o curso correto.

- O que você está propondo é utilizar a manobra gravitacionalmente assistida... - ponderei.

- Isso já foi usado antes? - Indagou Cheslav Igorevich.

- Sim, mas nunca numa missão tripulada - reconheceu o engenheiro. - O conceito funciona, contudo.

- Que alternativas temos? - Quis saber o capitão Eugeni Timurovich.

Não havia outras alternativas, rapidamente avaliamos. Estávamos muito longe das rotas espaciais habituais para esperar por uma missão de resgate, e morrer lentamente de fome no espaço não era muito animador. Por oito votos a favor contra quatro, decidimos seguir com o plano de Krasimir Rostislavovich. A "Arcas" girou sobre seu eixo e apontou a proa para Júpiter. Os propulsores remanescentes foram disparados a toda força, e começamos a nossa queda em direção ao planeta.

- O ângulo de aproximação tem que ser exato, - declarou o engenheiro - ou uma "colisão elástica", onde ganhamos momento pela massa de Júpiter, vai se converter numa colisão de verdade, onde efetivamente seremos esmagados pela pressão atmosférica em minutos.

A tensão aumentava à medida em que nos aproximávamos do gigante gasoso, visto agora como um grande crescente em nossas escotilhas. Finalmente, cruzamos o seu lado noturno, entrecortado por relâmpagos que fariam os da Terra parecerem faíscas, e emergimos sob a luz do Sol no outro lado, de volta ao nosso curso para casa. Em meio aos aplausos e gritos de júbilo da tripulação, Krasimir Rostislavovich pediu silêncio:

- Sim, eu sabia que havia uma grande probabilidade da manobra dar certo, mas tenho que ser sincero com vocês: mesmo na presente velocidade, é improvável que consigamos chegar à Terra antes do fim dos nossos suprimentos. Mas podemos atingir Marte, com uma boa margem de segurança.

- Certo, podemos chegar à Marte, temos uma base lá, e certamente organizarão um grupo de resgate... - atalhou o capitão. - Mas como vamos desacelerar a nave e entrar em órbita, se esgotamos todo o combustível para aproveitar o efeito estilingue?

- Capitão... - retrucou Krasimir Rostislavovich abanando a cabeça - essa não é mais nossa preocupação. O pessoal em Marte terá pelo menos seis meses para pensar em alguma coisa brilhante.

E, antes de sair da ponte de comando para o alojamento da tripulação, acrescentou, de forma descansada:

- Se eles não pensarem em nada, me acorde quando estivermos chegando lá.

- [29-08-2018]