Mamãe diz
Parecia um dia como qualquer outro. Mamãe nos acordou às 7 h, serviu nosso café na copa e nos mandou estudar as lições que iria nos sabatinar à noite. Depois, Cindy e eu fomos para o ginásio nos exercitar nos aparelhos, para o estande de tiro, tomamos banho e fomos para a biblioteca, aguardando pela hora do almoço. Tudo muito rotineiro e previsível.
Exceto que, quando entramos na biblioteca, nos deparamos com o holograma de mamãe na cabeceira da mesa retangular que usávamos para estudar. Estava com seu vestido azul de gola alta, o cabelo loiro penteado para cima, brincos de diamante pendendo das orelhas - e um sorriso no rosto.
- Sentem-se, crianças - convidou-nos ela.
Sentamo-nos em expectativa.
- Vocês sabem que dia é hoje?
Abanamos negativamente as cabeças.
- Faz 18 anos que vocês nasceram, aqui - explicou ela. - Eu poderia ter decretado a maioridade de vocês antes, mas decidi esperar por uma data mais... simbólica.
- Maioridade significa poder tomar decisões sozinhos? - Indagou Cindy.
- Exatamente - confirmou mamãe. - A partir de agora vocês deverão poder usar o conhecimento que acumularam desde o seu nascimento para decidir o próprio destino. Naturalmente, eu estarei com vocês como tenho sempre estado, para auxiliá-los e aconselhá-los no que for necessário, mas a decisão final caberá unicamente a vocês.
- E se nós falharmos? - Perguntei.
O sorriso apagou-se no rosto de mamãe.
- Terão que arcar com as consequências do próprio julgamento - retrucou ela. - Inclusive, com suas próprias vidas, se o erro for muito grave.
Eu e Cindy nos entreolhamos. Aquilo parecia verdadeiramente assustador, e mamãe jamais havia se dirigido a nós naqueles termos.
- Temos que pensar sobre o que acabou de nos dizer - ponderei.
- Vocês terão todo o tempo de que precisarem - assegurou ela. - Mas quando a decisão for tomada, pode não haver possibilidade de voltar atrás. O almoço será servido em 1 h.
O holograma de mamãe piscou - e desapareceu no ar.
Novamente sós, virei-me para Cindy.
- Será que mamãe está nos dizendo que está ficando velha e que não poderá mais nos proteger?
- Talvez... - anuiu ela. - Mas entendo que isso de maioridade significa dizer que devemos buscar a companhia de outros, como nós.
- Outros... humanos?
- Sim.
- Mas onde estarão estes outros humanos?
- A mamãe nos fez estudar os principais centros da cultura humana antes da guerra... estivemos afastados deles para nossa própria proteção durante todos estes anos, mas talvez tenha chegado a hora de retornar e ver se algo de bom existe ali agora.
- E se a guerra continuar e formos destruídos?
Minha irmã deu de ombros.
- Você quer passar toda a sua vida nesta nave espacial?
* * *
Uma sonda automática detectou a nave assim que ela emergiu do hiperespaço, no limiar daquele sistema solar, e emitiu um alerta. Instantes depois, uma pequena corveta aproximou-se do veículo recém-chegado, piscando suas luzes de identificação num padrão que esperava-se fosse reconhecido como um sinal de boas vindas. Na ponte de comando da corveta, dois oficiais admiravam o espetáculo pela grande tela panorâmica.
- Nunca havia visto uma de perto... - comentou o oficial júnior. - Essa coisa é bem grande!
- Eu já havia visto uma... num museu dedicado à Guerra Colonial, em órbita de Calder-IV - respondeu o comandante.
- Tem ideia de quantas foram construídas?
- Não temos dados precisos; milhares, talvez - especulou o comandante. - Reaparecem a intervalos irregulares, sempre com uma tripulação de dois irmãos, gestados artificialmente e cuidados por uma inteligência artificial a quem chamam de mãe.
- Terão alguma ideia de quanto tempo faz que a guerra acabou?
- Improvável - retrucou o comandante. - Estas naves foram projetadas para monitorarem apenas as frequências utilizadas na época do conflito... ocorre que já não as usamos há muito tempo.
Os motores do veículo recém-chegado fizeram parada total. Uma sequência de luzes piscou em seu casco.
- Aceitaram nossas boas-vindas... - avaliou o comandante. - Pedem que mandemos um representante a bordo para negociarem os termos de rendição.
- Rendição? - O oficial júnior encarou intrigado seu superior, que balançou afirmativamente a cabeça.
- Eles sempre acham que estão lidando com o lado vencedor da guerra... mal sabem que este conflito terminou há séculos, e que sequer somos os descendentes diretos de qualquer dos dois lados!
- [14-09-2018]