A janela de Pandora - Capítulo 2 - Desavenças

Uma semana passou.

- Senhor, o aparelho no canto da sala apitou a noite toda. Disse Gaia.

- Ótimo! Isso é um bom sinal de que o soro curou a síndrome Onkos. Agora posso voltar a Academia e em breve anunciar o resultado da minha pesquisa. Os tolos Conselheiros reconhecerão a minha grandeza. Eu mudei o mundo. Com êxtase Absalão falou a Gaia.

- Eu preciso voltar pra casa, minha família espera por mim. O menino sussurrou, enquanto o efeito do sedativo deixava seu corpo.

Sentado na maca, as pernas e mãos de Alberto tremiam. Efeito de meses sem movimentar nenhuma parte do seu corpo. Seus cabelos estavam estranhamente acinzentados e a cor da sua pele atingiu um tom cobre. As íris de seus olhos se afeiçoaram ao tom rubro, algo incandescente. Aquele pobre menino renascera como algo além de um mero humano. Absalão ainda não sabia, mas aquela experiência marcaria o inicio de uma nova catástrofe sobre a humanidade. A natureza continuaria com sua limpeza?

Há 15 anos, a Academia de Engenharia condecorava seus mais ilustres cientistas. Na noite de 25 de Novembro de 2207, foi o dia em que o pai de Nico, Victorio De Caux, receberia a estrela de prata. O nobre prêmio conferido aos melhores engenheiros de Atlas.

Palmas, muitas palmas. A elite da cidade de Atlas estava reunida no Centro de Convenções Juno. O ambiente estava perfumado pela pompa e glamour. Trajes e joias impecáveis. Comidas e bebidas excepcionalmente saborosas. Uma noite perfeita. Ao fundo tocava a Orquestra Saint Divine, vindos da cidade de Ymir, na Europa.

- Oh, Absalão, como vai sua vida na Academia? Perguntou o segundo conselheiro, Rodam.

- Esta noite vocês testemunharão algo grandioso. Respondeu Absalão, euforicamente.

Os jovens são sedentos pela grandeza, nunca percebem a astúcia dos mais velhos. A idade pesa-lhes sobre os ombros, mas a mente é tão vivaz, tão, tão maliciosa. O proeminente engenheiro descobriria essa faceta humana de uma maneira cruel. Ali, naquela noite, um terrível plano estava sendo executado. E Absalão era a pedra angular, a rainha daquele sujo tabuleiro.

Em algum dia de Dezembro de 2207.

- Eu estou voltando para casa. Anunciou Alberto. – Eu não posso continuar aqui. Não vejo minha família há meses.

- O senhor Absalão disse que você não pode sair. Sua vida é muito importante para ele. Portanto, volte para sala e fique quieto. Gaia respondeu com um tom imperativo.

- O que eu fiz para merecer isso? Eu apenas aceitei um pouco de comida e bebida. Não me lembro de ter vendido minha alma ao diabo. O menino indagou.

- O que você fez foi bem pior. Aceitou a oferta de alguém ganancioso. Ela retrucou.

- Mas isso não faz de mim um objeto! Gritou.

- Ha Ha Ha! Você é engraçado, Alberto. Olha tua cara no espelho. Não há nenhuma chance de você sair assim, e se sair, eu tenho certeza que a tua mãe e irmãos não irão reconhecê-lo. Ela friamente respondeu.

- Desgraçados! Vocês são dois monstros. Como fizeram isso comigo?! Eu estou como uma fera! Chorando, após olhar para si no espelho, respondeu.

- Calem-se! Charlize gritou.

- Ora, ora, se não é a senhora calamidade. Como vai? Gaia perguntou sarcasticamente.

- Sua puta! Cala essa boca imunda ou eu arranco essa tua língua de merda. A outra cobaia ameaçou.

- Cuidado com o linguajar, eu tenho isso. Levantando a mão esquerda, Gaia fez menção de apertar num botão, um dispositivo que causaria tamanha dor em sua rival.

- Você não tem coragem, vamos, faça. Mostra que puta corajosa tu é! Desafiou Charlize.

Uma dor aguda percorreu cada centímetro do seu corpo, como se agulhas estivessem-na perfurando. - Outra vez, sua cachorra! Ela gritou. Gaia apertou o botão por mais cinco segundos. A sua desafiante sentiu as vistas escurecerem e os ouvidos como que tampados. Ali mesmo se urinou, e desmaiou.

A empregada de Absalão ria de tudo. Estava àquela menina ensandecida tal como seu senhor? Alberto deu uma tapa na mão de Gaia. O dispositivo caíra no chão. Aquilo apenas despertou, ainda mais, a ira da pequena algoz. - Seu lixo! Você também vai sentir a mesma merda de dor que essa puta aqui no chão. Ela exclamou.

- Não faz isso, Gaia. Lembra que eu sou a experiência do Absalão. Se alguma coisa acontecer comigo, tenha certeza que ele vai acabar contigo. O menino argumentou.

- Merda, merda, merda! Dessa vez tiveste muita sorte. Sorriu de maneira sinistra e deu de costas. – Vá para o quarto e leva essa porcaria daqui. Mandou Gaia.

Alberto ergueu o corpo inconsciente de Charlize que, ao contrário dele, não apresentou nenhuma melhoria muscular, apenas uma capacidade de memorização levemente melhorada. – Ela não deveria enfrentar a Gaia desse jeito. Desde que Absalão testou aquela vacina nela, a menina que conhecíamos ficou diferente. Ponderava consigo.

2208, um ano depois.

- As forças militares de Atlas não irão aguentar mais um ataque daquelas criaturas. Elas são muitas. Para cada soldado, há dez daquelas coisas. Disse o Primeiro General de Brigada, Parthenai, numa transmissão à torre de comunicação do quartel general.

As saraivas de tiros não faziam efeito no corpo modificado daqueles seres mortalmente ferozes. A sede de sangue acobreava-lhes a face. Seus dentes e garras seriam o martelo da justiça sobre Atlas?

Primeiro a febre, depois o sangramento pelos orifícios corporais, seguido de súbito resfriamento da temperatura. A consciência amolecia, os dedos e as unhas viravam garras, dentes se afiavam como pontas de flechas. Os músculos se retorciam e, por fim, os olhos olhavam fixamente a escuridão. Era o fim do homem. O nascimento da fera. O predador perfeito.

- Tirem as crianças daqui, as bestas já estão dentro dos muros. Tudo que nos resta é tentar fugir para uma zona segura. Disse Gabriel para sua esposa, Lina.

- Querido, aqui é nosso fim. Finalmente esta maldita cidade está pagando por seus pecados. Ela respondeu.

Eles rangiam. A família tremia.

- Mas e os nossos filhos? Eles não merecem receber nosso castigo. Chorando ele respondeu.

Uma rajada de tiros de metralhadora acabou com o silêncio do esconderijo e com as quatro bestas que ali procuravam suas vitimas. Uma garota jovem, aparentemente com 18 anos, pele branca, cabelos castanhos e olhos de cor amarelo terroso. – Venham! Falou Charlize.

- Como você acabou com aqueles demônios? Indagou o pai.

- A cabeça é o lugar mais mole do corpo deles. Acertar o corpo apenas os deixam mais irritados. Mas não é apenas um tiro, vejam, eu precisei acabar com um cartucho para abater quatro daquelas coisas. Ela respondeu. – Agora fiquem em silêncio e acelerem os passos. O cheiro do sangue vai atrair mais deles para cá.

Na praça central de Atlas, no ponto em que estava a estatua do titã que simbolizava a força da cidade, totalmente pintada de sangue e tufos de carnes, um pequeno contingente da força policial resistira ao ataque das feras humanas. Ora atiravam ora se lançavam numa luta corporal contra os monstros. A força das criaturas sobressaia aos parâmetros da normalidade.

Da força de controle composta por cem policiais, restavam apenas quinze deles. – Não os deixem romper com a barreira. Precisamos proteger a entrada do hospital. – Gil, atrás de você! Cuidado! Tarde demais. Uma fera mulher abocanhou o ombro do policial, lançando-o em meio a um feroz grupo que já estava trucidando um casal de idosos.

- Precisamos resistir até que as forças de elite cheguem. – Eles não virão. – Estamos sozinhos, fomos deixados aqui para morrer. Diziam entre eles.

- Foda-se o hospital! Eu quero viver. Gritou Ruan, o cadete. Olhou para os lados e viu uma pequena abertura entre os companheiros e as criaturas. – Vou por ali. Ao pôr os pés fora da barricada, uma ferinha lhe mordeu o calcanhar, penetrando profundamente seus dentes até o músculo, que se rompera. A dor do ataque o desconcentrou, dando tempo para que duas bestas pulassem sobre seu corpo. Ali, num último instante de consciência, meteu a última bala de sua pistola na própria cabeça. Pedaços de crânio e de massa encefálica tornaram-se as únicas sobras do cadete.