A Terra Não é Mais Azul - Os Últimos Reis - Sexta Feira

O tonel parecia pesado, mas o negro José não demonstrava sofrer com o peso. Funcionário há um ano em uma das bancas do tradicional Mercado Público de Porto Guaíba, ele já estava acostumado a fazer entregas carregando pesados galões ou tonéis de água nas costas caminhando pelas ruas movimentadas da capital.

Esta era uma entrega habitual, toda sexta feira no inicio da tarde José fazia o mesmo percurso e ia pela Rua Voluntária da Pátria, cumprimentando e conversando com lojistas, camelôs, e os diversos tipos de pessoas espalhadas pelas calçadas. Ia até chegar à Boate La Margarida. Lá Jennifer, a proprietária, era quem mesmo o recebia.

A boate La Margarida era considerada o melhor bordel, prostíbulo ou coisa do gênero espalhado por todo o Reino do Sul. Local onde se encontrava as mais talentosas, as mais queridas e as mais lindas prostitutas que o dinheiro ou a água podiam comprar. Jennifer, a dona, era muito difamada pela cidade, todavia sua fama ia muito mais além do que difamação, ela era um exemplo de perfeição de mulher, um corpo perfeito formado por pernas e seios estonteantes, um maravilhoso rosto adornado por duas bolitas azuis arregaladas, sem contar um comprido cabelo negro que ia até a metade de sua bunda arredondada.

Toda sexta ela recepcionava José usando apenas uma pequena camisola, deixando os seios quase amostra enlouquecendo o jovem cristão. Pede que ele deixe a água no escritório e o paga com um saco pesado de moedas de ouro. Desta vez não foi diferente, porém José puxa assunto:

- Hoje não vou querer que a senhora me pague com dinheiro não...

- Não?

- Não! Meu patrão pediu como pagamento duas garrafas daquele “seu líquido”! Sabe?

- Desde quando seu patrão despertou o gosto para o “meu líquido”? Fala a mulher retomando de supetão o saco de moedas da mão do rapaz.

Os dois sobem uma escada e caminham por um estreito corredor iluminado por tochas nas paredes.

- Me diga José! Estás com medo das Tropas Imperiais que se aproximam para tomar nosso reino? Não foi recrutado para lutar? Você é bem forte! Questiona a dona do recinto.

- Não fui não senhora! Por enquanto só o que me preocupa é o trabalho! E a senhora? Está com medo?

- Ora José, todos estamos! Ninguém tem ideia do que pode vir a ser esta guerra! Os boatos sobre o exercito inimigo crescem rápido e são assustadores! Todos estão um quanto que apavorados! Tome, pegue as garrafas! Esta sua água é mesmo A?

- É sim senhora! E o futuro, como diz o pastor da minha igreja: a Deus pertence! Tenho Jesus no coração dona, por isso não temo mal algum! Já a senhora vivendo em pecado realmente deve se preocupar! Fala José pegando uma garrafa em cada mão e voltando pelo corredor.

- Diga para seu chefe que mandei um beijo bem gostoso pra ele! Daqueles que eu sei que ele gosta... Que nunca fiquei magoada e que quando ele quiser estarei aqui o aguardando!

- A senhora me diz isto toda sexta dona! Acho que ele não gosta da senhora! Grita o jovem já saindo pra rua.

Retornando ao seu local de trabalho, o jovem funcionário se depara com um aglomerado de homens discutindo:

- O que aconteceu? Ele pergunta.

- O trem não chegou trazendo o carregamento do interior! Disse João seu colega de trabalho.

- Será que o exercito do império já começou a atacar?

- Ainda não José! Responde um homem negro se aproximando.

O homem em questão vestia botas, bombacha e uma camisa regata, tudo em tons de cinza, encardidos de sujeira. Utilizava braceletes de couro marrons, um avental preto e um facão preso no cinto em suas costas. Media cerca de um metro e noventa de altura, extremamente forte com os braços musculosos expostos. Possuía um rosto bonito tomado por uma barba grisalha e cabelos cortados bem curtinhos começando também a ficar grisalho nas laterais.

- Estão dizendo que o trem foi atacado pelos bárbaros nômades que estão causando pânico nas colônias do interior! Mas talvez ele tenha somente estragado, não se sabe... Vai demorar até que alguma noticia chegue! Então, sem o trem para carregarmos, nosso trabalho por hoje está feito! Estão liberados! Vamos fechar a banca e ir para casa! Ele continuou a falar.

- Glória Deus! Fala José parando sua dancinha comemorativa para analisar um par de Búfalos Soldiers que chegava à banca.

- Olá, boa tarde! Eu gostaria de falar com o senhor! O senhor é Tibério Bevilácqua não é mesmo? Pergunta um dos soldados.

- Barão Tibério Bevilácqua! Corrige o chefe de João e José cuspindo no chão e cruzando os braços em pose desafiadora.

- Venho em nome de vossa Majestade o Rei Oscar Olitoni, soberano do Reino do Sul, convocá-lo para integrar e liderar uma das tropas de elite que está sendo formada para defender as fronteiras do Reino do ataque iminente do Império Brasileiro. A sua presença é aguardada urgentemente!

- Hehehe... Diga a Oscar que eu disse, não! Não o servirei nunca mais! Diga a ele, nunca mais... Nem sei como ele teve a coragem de mandar vocês virem atrás de mim!

- Senhor, me desculpe! Mas isto não é um convite, é uma convocação!

- É uma o que?

- Convocação!

Além dos dois soldados e dos dois funcionários, foram necessários mais três homens para poder conter Tibério Bevilácqua.

Dentro de um bar, alguns homens bebiam e gargalhavam, jogavam cartas e soltavam fumaças de seus charutos e cachimbos. O barman atrás do balcão acendia uma lamparina a óleo quando o príncipe se aproximou.

- Boa noite Gerbas!

- Príncipe! Boa noite, como estão as coisas? E me diz... como estão se saindo o pessoalzinho dos Clãs e das Tribos? Pergunta o barman servindo uma dose de cachaça.

- Olha, estão se saindo bem! Quer dizer, após duas semanas de treinamento eles estão se saindo muito bem, evoluindo e treinando arduamente, estão conseguindo um bom rendimento! Fala o Príncipe Bolívar se sentando em um banco.

- E isto não é preocupante? Digo, depois que tivermos mandado os brasileiros embora, eu acredito que eles ficarão mais perigosos devido aos treinamentos e armas! O senhor não acha?

- Com isto nos preocuparemos depois!

- Eu não concordo, mas tudo bem! Pelo menos poderiam enviar alguns dos Clãs para caçarem este bando de bárbaros forasteiros que estão a assolar o noroeste do reino! Eles estão se aproximando de Santa Maria! Temos que dar um fim nisto!

- Pode ficar tranqüilo Gerbas! Thales já está marchando com seu exercito para Porto Guaíba! Em breve serão incumbidos de cuidar dos invasores, não se preocupe!

- E enquanto ao velho? Pergunta o barman pensativo se escorando no balcão e girando as pontas de seu bigode.

- Nenhum sinal do General Dionísio, mas tem homens meus e de Rui Manoel fazendo de tudo para encontrá-lo! Em breve ele se juntará a nós! Assim como tenho certeza que Tibério também!

- Ah disso eu duvido! Todos sabem que os dois não se suportam, o seu sobrinho não aguenta mais ver Tibério andando por ai com aquela cara de pau como se nada tivesse acontecido! Mas tudo bem... Talvez por causa da guerra eles façam as pazes... Mas duvido, e outra, esta recusa do Bevilácqua em servir ao reino é a desculpa que o Rei estava esperando para pendurar a cabeça do desgraçado no obelisco.

- Temo que depois deste desrespeito Tibério é um homem morto! Meu sobrinho se arrepende de ainda não tê-lo matado... Ele a amava, todos sabemos o quanto ele a amava!

-E olha o que o Tibério fez, desonrou-a, e agora a deixa lá naquele lugar! Ela era uma princesa, tinha sangue real! Agora é uma... é uma...! Va...

Antes que Gerbas, barman e delegado de Porto Guaíba, conclui-se a frase, Tibério Bevilácqua entra pela a porta do bar, cumprimentando a todos com um largo sorriso no rosto.

- Boa noite! Uma cachacinha pro amigo, por favor! Diz ele se sentando ao lado do príncipe.

Jovito Rosa
Enviado por Jovito Rosa em 09/11/2018
Código do texto: T6498684
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