Grandes realizações nos aguardam

Roger Foster descalçou as luvas e ajeitou a gravata antes de entrar no salão de chá. Havia chegado cinco minutos adiantado, verificou em seu Patek Philippe Calatrava, mas seu convidado já estava lá, placidamente sentado de costas para a entrada lendo o Financial Times. Aquela careca, era inconfundível…

– Sir Clive? – Indagou polidamente, acercando–se da mesa.

Clive Sinclair o encarou por sobre os óculos e baixou o jornal.

– Olá, Foster, como vai?

– Eu estou bem, grato!

Trocaram um aperto de mãos e Foster sentou-se à frente daquele que era considerado uma lenda viva da indústria informática britânica; aliás, precisamente por isso recebera o título de “Sir” em 1983. De certo modo, Foster sentia-se intimidado, menos pela aparência tranquila de professor universitário do homem do outro lado da mesa, do que por aquilo que viera lhe propor. Agora que estava ali, subitamente estava menos seguro do que pretendia fazer.

– Eu já vi esse olhar antes – comentou Sinclair com um meio sorriso no rosto barbado, para quebrar o silêncio que se formara.

– Pareço um aluno que veio pedir ajuda ao professor para passar no exame final, imagino – ponderou Foster, retribuindo com um sorriso amargo. Mas a situação ali, ambos bem o sabiam, era exatamente a oposta. E abrindo o cardápio à sua frente:

– O que vai querer?

– Já que é por sua conta… chá Earl Grey e scones.

O sorriso no rosto de Sinclair havia se ampliado. Foster começou a sentir que sua ideia daria certo, enfim. Chamou um garçom e fez o pedido.

– Agora, aos negócios – disse para Sinclair.

– Sim, vamos a eles – acedeu Sinclair com ar grave. – Primeiramente, devo dizer que achei… interessante… ter renomeado a sua empresa como Apricot Computers. Imagino que isso deve ter algo a ver com a Apple Computer dos EUA.

– De fato… brigar com a IBM, aqui ou no mercado internacional, seria uma perda de tempo – anuiu Foster. – A ACT… quero dizer, a Apricot, pretende conquistar uma fatia do mercado corporativo norte-americano competindo contra a Apple, que está mais presente nos mercados educativo e doméstico.

– A Apple lançou um produto muito interessante ano passado, o Macintosh. Pareceu-me realmente algo revolucionário.

– De fato, mas não pretendemos entrar neste segmento… ainda – disse Foster em tom de desculpas. – Também lançamos um microcomputador em 1984, o Apricot F1… nem de longe tão impressionante quanto a máquina da Apple, mas o nosso principal mercado é mesmo o corporativo. Todavia…

Sinclair o ouvia com atenção, aguardando pela hora do bote. A hora havia chegado.

– Todavia, – prosseguiu Foster – eu sei reconhecer um bom negócio quando o vejo. A sua empresa, Sir Clive, detém hoje cerca de 40% do mercado de microcomputadores no Reino Unido. E tudo isso com apenas um produto… o ZX Spectrum.

– As vendas têm sido boas – replicou Sinclair em tom neutro.

– Aparentemente não, segundo meus contatos na Dixons – retrucou Foster.

Silêncio.

– Bem, estamos com alguns estoques não vendidos neste Natal, é fato… – admitiu cautelosamente Sinclair. – Mas em breve teremos uma nova máquina que deve impulsionar as vendas. De fato, já foi lançada na Espanha, em setembro passado… decidimos adiar o lançamento aqui na Inglaterra por conta…

– Por conta dos estoques de modelos antigos não vendidos, correto?

Silêncio. Felizmente, o garçom chegou com um carrinho e começou a organizar os acepipes sobre a mesa.

– Eu estou a par da real situação da Sinclair Research, Sir Clive – prosseguiu Foster quando se viram novamente a sós. – Ela me foi apresentada por alguns investidores há duas semanas, e fiz minhas próprias pesquisas. O que está bem claro para mim é que o senhor está inteiramente nas mãos dos bancos e dos seus fornecedores de componentes. Quanto está lhes devendo? Cinco milhões de libras? Não terá como honrar seus compromissos.

Sinclair apenas ouvia em silêncio, mexendo com a colherinha em sua xícara de chá avermelhado. Tomou um gole antes de falar.

– O que você quer me propor, Foster?

– Vou ser muito claro: a Apricot Computers comprará a Sinclair Research, basicamente pelo preço da sua dívida no mercado. Não será uma fusão: vamos manter a sua empresa como uma subsidiária, responsável pela nossa linha de computadores domésticos.

– A qual vocês não têm – comentou Sinclair, tomando outro gole de chá.

– A qual a Sinclair Research já possui pronta – atalhou Foster. – Basta apenas que cortemos custos, terceirizando a produção na Ásia, em vez do Reino Unido, e redirecionemos a sua linha de produtos… especificamente, o ZX Spectrum… para que se torne uma porta de entrada para nossos computadores profissionais.

– Bem, não vou tentar lhe enganar dizendo que não tenho problemas financeiros – comentou Sinclair. – Mas se está pensando que vou lhe vender minha empresa apenas pelo valor das dívidas, equivocou-se. Por 10 milhões de libras, podemos chegar a um acordo.

Foster suspirou.

– Sir Clive, não pense que vim procurá-lo sem antes saber exatamente onde estava pisando. Eu já me reuni com os bancos, e liguei para os seus principais fornecedores e clientes, como a Dixons. Todos ficaram profundamente satisfeitos em saber que a Apricot Computers poderia assumir as dívidas da Sinclair Research e comprar seus estoques encalhados por um preço justo. Isto não é um acordo, é um ultimato.

“Está feito”, pensou Foster. Não poderia mais recuar. Para sua surpresa, Clive Sinclair balançou vagarosamente a cabeça, reconhecendo a derrota.

– Está bem, eu concordo. Mas vou querer US$ 200 mil de compensação pessoal para mim.

– Isso pode ser arranjado – ponderou Foster, sentindo que um peso saía de seus ombros.

– Outra coisa – prosseguiu Sinclair. – Em poucos dias, farei o lançamento do ZX Spectrum 128. Gostaria que estivesse ao meu lado neste evento… para que meus funcionários saibam que seus empregos terão continuidade.

– Será uma honra – declarou Foster, com sinceridade. – E, já que chegamos a bons termos, gostaria de lhe mostrar as especificações da máquina que deverá suceder o seu Spectrum 128. Espero já ter os primeiros protótipos entregues antes do Natal deste ano.

Sinclair ergueu os sobrolhos, enquanto apanhava um papel dobrado que Foster retirara do bolso do paletó.

– Como pode ser isso? Acabamos de fechar negócio. – Questionou, enquanto abria a folha de papel onde havia sido desenhado à caneta o leiaute grosseiro de um computador, com várias anotações manuscritas abaixo.

– Sir Clive… enquanto estamos aqui, tomando chá, tenho uma fábrica em Taiwan produzindo esta pequena maravilha, o ZX Spectrum HD – observou Foster em tom casual.

– High Definition, hein? Você é um homem presciente, Roger Foster – avaliou Sinclair, devolvendo o papel ao interlocutor após um meticuloso exame. – Creio que meu legado estará em boas mãos. Antes a Apricot comprar a Sinclair Research do que um concorrente direto, como a Amstrad, do Alan Sugar.

– Alan Sugar é um grande empreendedor, mas não tem a sua finesse, Sir Clive – avaliou Foster.

Clive Sinclair sorriu novamente, e ergueu sua xícara de chá.

– Brindemos a isto!

– [24–12–2018]