Morte por radiação

Mesmo depois de quase 500 anos, o cheiro de componentes eletrônicos queimados ainda era perceptível na cabine repressurizada, quando abordamos a nave à deriva e entramos a bordo.

- O que acha que houve aqui? - Indagou Jun Ye, após consultar os medidores no pulso do traje espacial e abrir cautelosamente o capacete.

- Morte por radiação - avaliei. - O veículo deve ter sido apanhado no meio de uma tempestade solar das mais violentas... muito provavelmente, não tiveram tempo de encontrar um abrigo antes que seus defletores primitivos entrassem em colapso. Não era um tipo de ocorrência incomum no início da exploração do Cinturão dos Asteroides, quando as regras de segurança sempre ficavam abaixo do lucro a ser obtido com o empreendimento.

- Isso é algo que nunca consigo entender quando leio sobre essa época - comentou Jun Ye, passando o dedo ao longo de um dos painéis que enchiam as paredes cilíndricas da área pressurizada. - Não havia leis, regulamentos, que limitassem essa exploração criminosa?

- Normalmente, quem produzia estas leis recebia... incentivos... das empresas de mineração.

- Vergonhoso - declarou Jun Ye, cenho franzido. - Este é um Mars Hopper Modelo III, não é?

- Modelo III-a - corrigi. - Possui quatro painéis solares, e não três, como na versão original.

Jun Ye havia chegado até a carlinga, onde dois do meu povo jaziam imóveis, atados aos seus cintos de segurança, na mesma posição na qual haviam morrido quase meio milênio antes.

- É incrível como sequer tentaram recuperar os corpos... - murmurou ele.

- Certamente concluíram que não valia a pena o resgate... devem ter acusado perda total e recebido uma indenização da seguradora.

Jun Ye balançou a cabeça em silêncio, depois olhou brevemente pelos para-brisas frontais, por onde podia-se avistar o casco da nossa astronave, muito maior, na qual o pequeno Mars Hopper havia sido atracado.

- Acredita que se os levarmos conosco, poderão ser recuperados? - Perguntou finalmente.

- Creio que sim... mas é o que deseja fazer, após quase cinco séculos de abandono? - Questionei.

- Eles precisam saber que mudamos, e que nem todos os seres humanos são iguais - retrucou Jun Ye, começando a abrir os fechos dos cintos de segurança do piloto e do co-piloto. Concluído o trabalho, fechou o capacete do traje espacial e colocou um dos corpos sobre um ombro, gesto facilitado pela falta de gravidade, e indicou-me o outro.

- Pegue o co-piloto - informou pelo rádio do capacete.

- Entendido - respondi pelo rádio embutido em meu crânio.

E. cuidadosamente, ergui o corpo inerte do meu semelhante e o carreguei nos braços, seguindo meu colega humano Jun Ye para fora daquele sepulcro metálico.

- [03-01-2019]