Mundo Novo
A luz do sol não era muito intensa e a tarde já cedia lugar para a noite quando a primeira pedra lhe atingiu o ombro. Ela não gemeu, mas em um gesto que demonstrava dor levou a mão ao lugar atingido. Seu rosto irradiava um medo atroz. Tentou fugir, mas soldados com longas baionetas a empurravam de volta ao muro.
Em desespero a pobre mulher implorou por clemência. Clamou aos céus por piedade. Tudo em vão. Seu destino já estava decidido.
A segunda pedrada acertou a mulher bem entre seus seios e arrancou-lhe um forte gemido. Uma terceira pedra atingiu-lhe o rosto fazendo o sangue escorrer do nariz quebrado. Em poucos segundos as pedradas cobriam-lhe o corpo. Os gritos e gemidos que escapavam de sua garganta foram substituídos pelo silêncio que significava a morte de mais um profano.
Lentamente as pessoas foram se afastando. Apedrejadores e espectadores seguiam o seu caminho deixando atrás de si um corpo mutilado. Em pouco tempo a limpeza pública levaria aqueles restos mortais para serem incinerados.
Era o quarto apedrejamento esta semana. No dia anterior haviam sido apedrejados dois homens que deitavam juntos. Tinha sido algo muito violento. As pessoas gostavam desses espetáculos que envolviam pedras e sangue.
Romana dirigiu um último olhar para a mulher morta. Percebeu que ela tinha um lado do rosto amassado e deformado pela violência das pedradas. Viu ainda que só lhe restara um olho e que este permaneceu aberto mesmo após a sua morte.
Ela havia participado do apedrejamento. Assim como as demais pessoas também xingou e disse impropérios para a mulher profana, mas disfarçadamente tinha errado as pedradas que havia desferido. Se uma só pedra sua tivesse atingido aquela mulher ela não se perdoaria para o resto de sua miserável vida.
Caminhando pela via expressa, impecavelmente limpa e arborizada, reparou que ainda estava segurando uma grande pedra cinzenta. De repente aquilo parecia queimar sua mão. Discretamente jogou-a em cesto de lixo.
Era a primeira vez que participava de um apedrejamento. Havia sido sorteada e deveria sentir-se feliz por ter sido contemplada com tal graça, mas não estava. A imagem do olho aberto da mulher apedrejada não lhe saia da mente e, com certeza, iria acompanhá-la por muito tempo.
Havia pensado em inventar algo e simplesmente não ir, mas negar-se a participar de um apedrejamento implicava em grave ofensa ao Sagrado Clero e as Escrituras. O medo de um desterro ou coisa pior terminou empurrando-a para aquela coisa horrível.
Aquela mulher apedrejada tinha tido uma vida. Sonhos e desejos haviam atravessado a sua existência da mesma maneira que atravessavam a vida das demais pessoas.
Romana, mesmo sem ter acertado uma única pedrada, havia ajudado a matá-la. Não haveria dia seguinte para aquela mulher.
Ainda com o pensamento na mulher morta caminhou até o ponto onde pegaria o coletivo para sua casa.
Mal acomodou-se em uma poltrona e o ônibus decolou suavemente. Era uma viagem curta e em pouco tempo estaria no quarto e sala onde morava. Tinha esperanças que a companhia de seu marido e filho lhe fizesse esquecer do que havia participado.
Não queria acordar no meio da noite ainda com o corpo tremendo e com a imagem daquele olho aberto e inerte a olhá-la. Em algum lugar recôndito de sua mente algo lhe dizia que os pesadelos iriam fazer parte de sua vida para sempre.
A noite caia e luzes de uma delicada tonalidade inundavam cada canto da bela metrópole. Em um canto qualquer da cidade o sangue que havia manchado o muro e o chão já havia sido limpo.