Era o fim do mundo, e ninguém reparou

As nuvens pararam, pesaram, e então escureceram. O ventou cessou, o mormaço sufocante subiu, e fez-se o silêncio grave dos presságios. O dia, indo embora, deixava em seu lugar uma noite cheia de suspeitas.

Mas ninguém reparou em nada disso. E anos depois, se sobrasse algo da História, seria esse o título no alto de uma página gasta: Ninguém Reparou.

Para que as atenções acordassem, foi preciso que viessem os estrondos. O primeiro fez as pessoas prenderem a respiração. O segundo, iluminou o horizonte, chacoalhou o chão e fez as janelas tremerem.

Finalmente, as pessoas saíram de suas casas. Na rua, confabulavam com os vizinhos o que seria aquilo. E só então viram o estranho e profético céu que as cobria.

Foi quando as luzes se apagaram. O sol, já sumido, não podia fazer nada senão deitar um tétrico dourado sobre as coisas.

Então, antes que a primeira vela fosse acesa, os gritos. Lancinados, doídos, desesperados. E crescendo, se aproximando, ganhando quadra a quadra da cidade. E a barulheira de carros acelerando, coisas quebrando, passos secos contra o asfalto duro.

O pavor cego tomou conta de todos que ouviam aquilo no breu da hora. Alguns correram para suas casas - e descobriram, apavorados, que Eles já estavam lá, em suas salas de TV, esperando.

Outros pediram ajuda, ligaram, chamaram a polícia - e descobriram, desolados, que não havia ajuda porque Eles já tinham passado por lá. .

E houve quem ajoelhasse, reconhecesse o fim, assumisse que a hora chegara - mas descobriram, prostrados, que Eles já tinham roubados suas vozes, que passara o tempo do perdão, e que sobrou somente o irreversível pecado.

A cidade ardia em chamas. Todos os jardins pisoteados. No ar, o cheiro acre de um futuro infinito agora destruído, e em tão pouco tempo.

Quando a lua, redonda e soberana, surgiu no céu, lá embaixo era só silêncio: não havia ninguém para testemunhar o brilho pálido e frio sobre os restos desfigurados de todas as coisas.