O PEREGRINO - VOL. 1

Orax caminha pelo bairro movimentado no centro da cidade, Bordelina, uma cidade no interior de tudo, interior do estado, interior do sertão, entre pedras enormes que individualmente se exibem na paisagem de poucas e baixas árvores, assim como se destacam os icebergs no oceano. Orax está desmotivado, mas a cidade está a todo vapor ao seu redor, veículos passam, os vendedores gritam os preços, os carteiros fazem suas entregas…

Andando na calçada ele levanta a cabeça instintivamente por saber que ali havia um bar que abre enquanto o sol impera. Ele atravessa a rua e mesmo estando de manhã ele entra no bar. Há um homem com a cabeça no balcão dormindo profundamente; enquanto isso o barman parece olhar para a tela do seu celular com indiferença. O tédio imperava ali nas manhãs. Orax senta-se ao balcão e pede uma dose de cachaça, o dinheiro está acabando e ele não pode exagerar nos gastos.

O rádio estava tocando uma calma canção sertaneja no volume baixo, quando a música acabou veio uma notícia sobre mais uma pessoa que desapareceu de ontem para hoje na cidade.

O homem acorda com o barulho do arrastar de pés do barman desinteressado, havia babado no balcão. Parece desnorteado - parece não, ele está, deduz Orax.

- Ei minha joia, como vai, chegou agora… Tá esperando alguém… Que horas são… - esse homem é uma bomba tagarela. Soluçando *hic hic* e arrotando e bocejando entre as perguntas - M-meu *hic* nome é *hic* Osvaldo.

Orax dá de ombros, concentrando-se em dar o gole na cachaça.

- *hic* Minha joia, tem como *hic* pa-gar uma d-ose pra *hic* mim?

- Tu é um folgado. - Orax diz, mas sua voz fora calma a ponto de nem ter ofendido Osvaldo. Mesmo assim ele paga uma dose.

Osvaldo se defende dizendo que é um trabalhador honesto e digno, portanto poderia se deleitar com uma cachacinha quando está de folga. Autodeclarado o melhor eletricista de toda Bordelina. Orax demonstra falta de interesse mais uma vez no discurso. Mas então ele pensa, se ele diz que é eletricista, pode ser que consiga fazer os reparos elétricos da sua nave. Ele poderia levá-lo até ela, mas antes disso eles teriam que comprar uma nova peça para substituir a quebrada.

Osvaldo fez menção de nunca ter visto Orax antes. Orax corta a sua fala e diz que precisa ir a uma loja de peças de automóveis, mas não sabe onde fica. Na verdade ele quer mesmo é que alguém lhe acompanhe.

- Tu é novo na cidade? - Osvaldo pergunta.

- Cheguei aqui há cinco meses, mas nunca tinha saído de Tubas. - dessa vez ele vira o rosto e tem uma boa visão de quem está ao seu lado. Osvaldo parece ter saído de uma cova rasa, ou de uma briga na qual havia levado uma surra de cinco homens, não pela suas roupas, mas pela sua cara, sua pele desidratada, seus olhos mortos, seu cabelo parecendo os galhos de uma árvore no inverno, e a boca sem cor alguma. Deve ter uns 37 anos.

Tubas é um bairro conhecido pelo movimento noturno, onde há boates, casas de show, também há muitos cabarés e prostituição, cujo Osvaldo conhece bem. Turistas que chegam na cidade relatam ter passado dias dentro do bairro, de bar em bar, de boca em boca, de cama em cama e a noite nunca acabava e quando percebiam suas férias haviam chegado ao fim assim como o dinheiro.

- Aaah! - o bêbado abre a boca, comovido - acho que já te vi mesmo por aqui antes…

- Não. Não me viu. - cortando a fala do outro.

- Sim, eu…

- Não. - encerra o assunto e começa outro - Preciso ir a uma loja de peças, imediatamente.

Eles saem do bar; Osvaldo tagarelando, fala que vai apresentar-lhe a cidade inteira. Orax de saco cheio só quer chegar na loja de peças. Osvaldo quis saber do problema, ele também é um mecânico eletricista - assim ele diz.

- Entendo tudo de carros!

- O problema é na válvula de pulsos subatômicos meridional.

Osvaldo faz uma careta de perdido, questiona a si mesmo se havia bebido demais e estaria ouvindo coisas malucas.

- É um carro *hic* ou uma moto? Droga, voltei a soluçar.

Não houve resposta, pois o letreiro da loja “Santo Carro” aparece no campo de visão deles e Orax pergunta se aquela é a loja; Osvaldo confirma. O local é um comércio pequeno, depois da calçada, se usa uma larga e baixa escada de concreto de três degraus para subir. Há um balcão na frente onde fica o atendente e atrás tem uma porta que leva para outros cômodos.

- Bom dia! - o atendente fez uma cara forçada de alegria.

- Bom dia, Tudo joia? - o cheiro de álcool exalado por Osvaldo é perceptível a um quilômetro. - Meu amigo aqui, é… o meu amigo… e-então, precisa de uma peça pro...pro - Osvaldo não sabe nem o nome de Orax ainda, nem mesmo sabe lembra o nome da peça. - O veículo dele. Qual é mesmo? - se virou na direção de Orax quando fez a pergunta.

- Eu preciso de uma válvula de pulsos subatômicos meridional. - diz Orax.

O vendedor, vulgo dono da loja, fica perplexo, com simpatia diz que não conhece tal peça. Orax fala para ele que essa é uma peça super simples que serve para… Ele hesita, para de falar no meio tendo certeza de que além de se expor, o vendedor não iria entender. Entretanto, o homem como um bom vendedor que é, diz que vai verificar no estoque se ao menos há uma coisa parecida com essa. Ele sai apressado para os fundos da loja.

Eis que chega uma outra pessoa atrás do balcão, a figura feminina de estatura mediana, ranzinza e jovem. Ela olha para Osvaldo com desprezo, seu semblante por si só representa uma ofensa pessoal.

- Você não é bem vindo aqui. - ela diz.

Osvaldo, com o braço apoiado no balcão de vidro e a outra mão na cintura, se espanta, mas seu espanto não passou de uma atuação fajuta que caiu por terra segundos depois.

- Veio pagar sua dívida, hã? - ela prossegue em tom de ameaça - Se lembra dos mil reais que você deve a gente? Espero que tenha vindo pagar! - ela cruza os braços e faz sua sobrancelha, uma só, subir na altura da testa.

- Olha, eu não lhe conheço e não lhe devo dinheiro. Minhas dividas com essa loja vão ser resolvidas.

- Seu cachaceiro vagabundo! - além disso, ela diz, com o dedo apontado para Orax, que ele parece ser da mesma ralé de vagabundo que seu amigo. Osvaldo puxa Orax pelo braço insistindo para ir embora.

Eles caminharam pelas ruas por um tempo. Osvaldo sempre tagarelando até começar a fazer perguntas pessoais ao seu novo parceiro.

- Ei minha joia - ele pega no ombro de Orax - qual é seu nome mesmo?

- Sou Orax.

- Prazer, meu nome é Osvaldo - se apresenta novamente já que não lembrava se o tinha feito antes - Seu nome é… diferente - dá um sorrisinho encabulado e ligeiro. - Horácio, o que faz aqui? Digo, o que faz da vida, dessa bela e preciosa vida?

Ele olha para o céu e tem sua vista queimada por um momento. O sol castigava os moradores desde que se tem notícia, mesmo assim é impossível se acostumar com tanto calor. Os carros passam na rua deixando tudo ainda mais quente e a poeira subindo das ruas que em sua maioria são pavimentadas em pedra, quase todas são. A vegetação nasce paralela as calçadas cujo abrigam vendedores de todos os tipos, é como se o centro inteiro fosse uma feira de produtos gerais. Quando chove as poças dominam as ruas e é impossível sair de casa calçando sapatos sem que sejam completamente empapados em 1 minuto de caminhada.

As casas geralmente tem uma fachada semelhante mudando apenas a cor, esse tipo de arquitetura era muito comum durante a era colonial e que ficou sendo usada até o fim do império. Não fossem as pichações seriam mais bonitas, ou se os moradores fizessem reformas regularmente.

Por ter dito ser eletricista, Orax cogita mais uma vez chamar Osvaldo para tentar consertar a nave sobre esse pretexto: quando Orax chegou na cidade, ele encontrou essas mulheres que fazem alegria de qualquer pessoa em troca de dinheiro, elas disseram que iriam fazer o mundo de Orax de ponta cabeça, que ele nunca mais iria esquecer daquilo, nunca mais iria querer parar. Foi exatamente isso que aconteceu, Orax ficou viciado naquilo, e tendo ouvido de Osvaldo que ele era o melhor eletricista da cidade, em sua inocência extraterrestre, Orax acreditou em sua palavra.

- Tu é eletricista né? Tenho um serviço pra ti.

Osvaldo fica entusiasmado com a proposta, assim como um cachorro fica quando brinca de “pega bolinha” com seu dono. É de dinheiro que ele está precisando. Ambos vão até o limite de Campo Verde, um bairro que se estende além da área residencial, quase não habitado, trata-se de um vasto território plano, cercado por árvores. Fica próximo da Universidade Federal de Bordelina.

Chegam lá no início da noite. Osvaldo reclamando da escuridão, dos mosquitos e das possíveis cobras.

- Elas podem dar o bote se a gente não tiver cuidado. Se pisar em cima de uma, já era. O hospital daqui não trata nem da febre, imagine da mordida de uma bicha dessas. - diz receoso de falar até o nome do animal, tamanho é o medo que sente dele.

- Mordida de quê?

- De cobra, ora!

Em um determinado momento Orax para de andar. Nessa área as árvores são mais afastadas umas das outras, algumas estão caídas e há deformações no solo como se algo pesado tivesse se arrastado por metros. Orax manda que seu companheiro se afaste.

- Schwaza, descamuflar. - da a ordem.

- Quem é Chuás?

Orax não responde, talvez nem tenha escutado.

Em poucos segundos, a nave do tamanho de um tanque de guerra moderno surge, iluminada e flutuando a um metro do chão. A nave se assemelha a um cilindro vertical, com detalhes em curvas que afundam e emergem da ‘lataria’ em toda a parte da nave, formando uma identidade artística de aspecto próprio. Em todos os lados há pequenas aberturas para propulsão e há compartimentos em todos os lados para armas e uma porta de entrada. Além disso, existe uma decoração externa da nave com símbolos que remetem o equivalente a uma identidade nacional ou órgão governamental difícil de um humano conseguir compreender, unindo a diversas coisas escritas em idioma extraterrestre. No mais, a nave apresenta desgaste material, cheia de amassos, quebrada e muito empoeirada.

Osvaldo se impressiona por ter visto tudo aquilo, diante dos seus olhos está uma máquina única na terra que não exala calor nem faz barulho, mesmo estando ligada. Fora o fato de que ela surgiu na sua frente de uma hora para outra, sem mais nem menos, tendo bastado apenas uma pequena frase.

- Isso… q-quero dizer essa coisa ali, isso já tava aqui antes? E-e-eu não reparei...

Só que com o surgimento da nave, também veio uma criatura que Osvaldo nunca tinha visto e nem imaginava que existia, como se o mundo tivesse decidido lhe impressionar naquele dia. Osvaldo ainda nem tinha acreditado que a nave havia surgido do nada, imagine esse animal muito diferente, assustador aos seus olhos. Ele começa a rezar para todos os santos enquanto mija em toda sua calça jeans.

CONTINUA NO PRÓXIMO VOLUME...

Kevin Libra
Enviado por Kevin Libra em 03/09/2020
Código do texto: T7053725
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