LEGIONÁRIOS - Final

O dia amanheceu e para surpresa dos três soldados romanos havia uma pequena árvore plantada a poucos metros da sua barraca. Seu tronco, galhos e folhas eram muito parecidos com as de qualquer árvore da Terra. Pendurado em seus galhos haviam vários frutos parecido com abacaxis, porém com uma bonita coloração vermelha.

Sem falarem nada entre si os três legionários correram atabalhoadamente e pegaram os frutos.

- Isso tem gosto de maçã, só que com muito mais suco – Disse Quintus.

- Maçã? Não, não. Isso aqui tem gosto é de pêssego – Falou por sua vez Lacínio.

- Não vou nem dizer qual é o gosto do meu... – Um sarcástico Tiberius disse entredentes.

Os soldados comeram com avidez os frutos e ainda guardaram alguns em suas mochilas.

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- Eu acho que tem um tipo de ser nesse planeta que possui inteligência. Tem algo aqui que eu não sei definir o que é – disse Lacínio.

- Não sei se tem algo de inteligente aqui nesse lugar, mas seja lá o que for não deixou a gente morrer de fome – falou Tiberius.

Segurando com força o seu crucifixo Quintus um tanto quanto emocionado disse:

- O Deus vivo não permitiria que a gente morresse.

- Se esse seu Deus fosse poderoso mesmo ele desceria dessa cruz idiota e nos levaria direto para casa – disse Lacínio.

O semblante de Quintus se endureceu quando ouviu Lacínio proferir aquelas palavras.

- Aquela infâmia que você me fez eu já perdoei, mas não admito que você desrespeite o poder encarnado do Deus Único... Nem que seja com sangue você vai se desculpar com Ele.

- Ei, rapazes, chega desse papo de...

- Cale a boca e fique quietinho, Tiberius. Não se meta ou a coisa vai sobrar prá você também.

- Tudo bem, Quintus, se você precisa provar que é o macho-alfa desse lugar vai em frente. Só fique sabendo de uma coisa: não caia na idiotice de achar que passei a vida toda fazendo piada e enchendo a cara de vinho... Vá lá mostrar que é o fodão do planeta maldito. Considere-se avisado – O rosto de Tiberius exibia uma estranha calma ao falar.

- Ei, legionário de merda, pode vir! Cara feia não ganha guerra – gritou Lacínio.

Quintus tirou a sua jaqueta e exibiu braços musculosos. Seu tórax mostrava pequenas cicatrizes, talvez causadas por estilhaços, um dos seus ombros possuía uma grande marca de queimadura, provavelmente sua armadura não conseguiu absorver totalmente um tiro de fuzil térmico.

Lacínio era mais alto e um pouco menos musculoso. Já havia saído no braço algumas vezes, mas todas foram brigas de taverna, onde a valentia era proporcional à quantidade de bebida ingerida. Agora era diferente. Á sua frente estava um sujeito que parecia gostar de brigar.

Quintus sabe que pode vencer, não acha que aquele legionário alto estivesse acostumado a aguentar muita pressão, mas havia uma dúvida: o sujeito não demonstrava medo e não pareceu se impressionar com as suas cicatrizes...

Os contendores colocam-se em posição de guarda. Punhos levantados e pernas uma adiante da outra para propiciar equilíbrio caso sofressem uma tentativa de queda.

Tiberius cruza os braços displicentemente e fica observando os brigões.

Os dois contendores ficam se movimentando e esperando o melhor momento de atacar.

Lacínio quer mostrar ao seu oponente que ele não passa de um fanfarrão simplório.

Quintus quer a desforra pelo soco levado e, principalmente, pela ofensa feita a Jesus Crucificado.

Lacínio, achando que seu oponente partiria com tudo para desforrar o soco que havia levado, decidiu tomar a iniciativa e pegar o outro de surpresa. Um golpe na ponta do queixo e seria o fim da luta. Encurtou a distância e lançou uma finta com o braço esquerdo para entrar com um golpe de direita.

O golpe de Lacínio acertou apenas o ar. Quintus jogou-se diretamente sobre suas pernas derrubando-o de costas no chão.

Lacínio tentou levantar-se rapidamente, mas foi inútil. Em segundos Quintus estabilizou uma montada e desferiu o primeiro golpe em seu rosto. Imediatamente por instinto e para evitar mais golpes Lacínio ficou socando desesperadamente de baixo para cima. Seus golpes, no entanto, não estavam sendo tão contundentes quanto os de Quintus e já antevia uma derrota quando seu oponente foi arrancado com violência de cima dele por Tiberius.

Lacínio ao se levantar ainda tentou socar Quintus, mas levou um empurrão de Tiberius e caiu sentado.

- Enquanto as donzelas brigavam olhem o que apareceu...

- Você não deveria ter feito isso, seu bebedor de vinho safado! A vitória era minha - falou Quintus erguendo os punhos em direção Tiberius.

Abrindo calmamente os braços e espalmando as mãos Tiberius disse:

- Estou bem aqui na sua frente. Vai encarar legionário?

- Chega, chega dessa palhaçada! Quintus você já teve a sua desforra. Já acabou tudo - Lacínio falou surpreendendo os dois novos brigões.

- Ok, ok. Agora que todos nós já estamos bem íntimos vamos juntar as penas e dar uma olhada ao redor e ver o que foi que apareceu enquanto a gente fazia juras de amor - disse Tiberius já assumindo novamente o seu tom de voz sarcástico.

Lacínio até esqueceu o hematoma em sua testa quando seus olhos divisaram a pequena nave-escaler tranquilamente pousada a poucos metros de onde havia ocorrido a contenda.

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A nave-escaler não tinha potência para viajar grandes distâncias. Os três soldados romanos nunca conseguiram entender como foram impulsionados até um quadrante do espaço onde era possível a captação do seu sinal de socorro.

- Quando eu chegar à Nova Roma...

- Vai se enfiar dentro de um barril de vinho com certeza - disse Lacínio sorrindo.

- Ei, Tiberius, se o escaler não tivesse aparecido do nada você iria sair na mão comigo? - perguntou Quintus.

- Camaradas, olhem isso aqui – Tiberius tirou a jaqueta exibindo uma tatuagem no ombro que mostrava uma coroa de louros – Só se consegue uma dessas quando o cara chega entre os três primeiros do torneio legionário de luta greco-romana.

- Caramba! Você é um dos rudis... - disse Lacínio referindo-se ao apelido que era dado aos lutadores.

- Viram essa? Jesus Crucificado me salvou de novo...

Foi impossível não rirem da piada de Quintus.

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Os três legionários decidiram que nunca contariam o ocorrido aos seus superiores. Todo o alto comando estaria com a atenção e os recursos voltados para a investigação e caça aos responsáveis pela ousadia de destruir um cruzador romano. Ninguém jamais entenderia aqueles eventos e eles ainda correriam o risco de serem tachado de loucos.

Lacínio, Quintus e Tiberius levariam para o túmulo a certeza de que, caso uma expedição fosse enviada as imediações de onde explodiu a Juno, provavelmente não encontrariam nenhum planeta.

Para Quintus tudo o que havia ocorrido naquele lugar estranho foi uma expressão maior da onipotência de Deus. Aquele planeta era uma criação divina e um dia teria o seu proposito revelado. Menos de um ano depois dos eventos misteriosos ele decidiu que era hora de sair das legiões e entrar para os novos monastérios que estavam sendo criados. Sua nova missão seria levar a palavra de Deus aos lugares mais distantes do universo.

Tiberius sempre soube que havia vivenciado algo fantástico. Passou algum tempo fazendo de conta que nada daquilo tinha acontecido, o simples fato de ter saído com vida daquele lugar já era suficiente para deixá-lo feliz, logo não havia necessidade de buscar uma compreensão maior para o que ocorreu. Dois anos após o ocorrido decidiu que ser legionário não era para ele e terminou indo trabalhar com um amigo em um bar temático nos arredores de Nova Roma.

Lacínio nunca duvidou que eles não tivessem estabelecido contato com uma inteligência extraterrestre. Uma inteligência muito superior a sua. Para ele aquele planeta era um organismo vivo, uma coisa muito antiga e de uma natureza completamente distinta da do ser humano. Estranhamente Lacínio sempre desconfiou que aquela entidade, apesar de todo o seu poder, tinha algo de imaturo, como se fosse uma coisa ainda em desenvolvimento. Ao término do seu período obrigatório como legionário ele comprou uma pequena propriedade em Aquitania Mascus e cogitou pela primeira na vida constituir uma família.

GRANDE NUVEM DE MAGALHÃES

Distante 165 mil anos-luz da Via Láctea a Grande Nuvem de Magalhaes flutua na imensidão estelar. Miríades de estrelas a compõem, planetas de todos os tipos ali surgiram, muitos são gigantes gasosos, outros são rochosos ou muito pequenos.

No interior da galáxia existe um planeta de dimensões pequenas orbitando uma estrela anã. Sua distância para o seu sol, não muito distante e nem perto demais, propicia a existência de um ambiente favorável ao surgimento da vida. Ele não é muito diferente dos planetas ao seu redor. A única diferença é que ele não estava ali há poucos segundos atrás.

*Este conto apresenta influências explícitas dos livros Solaris, de Stanislaw Lem, e A Cidade e as Estrelas, de Arthur C. Clarck.

** Este conto é dedicado aos amigos Waldryano e Jeff Silva, contistas do Recanto das Letras e amantes da boa ficção científica.

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 12/10/2020
Código do texto: T7085633
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