A serviço do inimigo

Era notável como nós e os naraghi compartilhávamos de condições ambientais bastante semelhantes, talvez um caso de evolução convergente, já que não possuíamos quase nada em comum do ponto de vista biológico; os naraghi eram répteis inteligentes de pele cinzenta e grandes olhos amarelos, mãos de três dedos e uma cauda vestigial. A atmosfera no interior da nave deles continha talvez um pouco mais de oxigênio do que a das nossas e a iluminação era mais avermelhada, mas a temperatura estava em nível similar. O mais curioso é que os naraghi pareciam quase ansiosos por nos ver.

- Tivemos algumas baixas durante o combate contra as forças terrestres - relatou o oficial comandante. - A principal delas foi do nosso navegador, Tarum.

Estávamos reunidos com nossos inimigos no refeitório da nave, eu, Jeff, o comandante Hakor e seu oficial de ciências Aram. Havíamos concordado em lhes entregar as armas enquanto estivéssemos a bordo, mas não os capacetes dos trajes espaciais; afinal, poderíamos ter a necessidade de ir lá para fora rapidamente.

- Lamentamos por suas baixas, mas faz parte da guerra - disse Jeff, franzindo a testa pela menção.

- Tarum era humano - nos revelou Hakor.

Eu e Jeff nos entreolhamos.

- Há humanos a serviço dos naraghi? - Questionei incrédulo.

- Mostre a eles - disse Hakor para Aram.

O oficial de ciências fez um gesto para abrir uma tela holográfica no meio da mesa de reunião. Nela surgiu o torso de um humano jovem, vestido com o uniforme verde-escuro das forças espaciais naraghi, um emblema com um triângulo vermelho dentro de um círculo amarelo no peito.

- Séculos atrás, - explicou Aram - localizamos um planeta, Ereni, colonizado pelos humanos dentro do nosso território. Eles haviam perdido contato com o seu povo, e nós o anexamos ao nosso império. Os humanos de Ereni têm sido súditos leais, e como tal podem servir nas forças espaciais.

- Na verdade, os humanos foram responsáveis por um grande avanço na navegação espacial naraghi - atalhou Hakor. - Nosso sistema mais atual depende basicamente de ter um deles no controle.

- É algo inerente à sua biologia - acrescentou Aram.

- Então, quer dizer que toda a sua frota... possui navegadores humanos? - Indagou Jeff.

- Não toda - admitiu Hakor. - Até porque isso não seria boa estratégia. Mas sim, é precisamente o nosso caso aqui. Precisamos que um de vocês aceite assumir o posto do navegador.

Agora a natureza da oferta do naraghi ficara clara: sem um de nós nos controles, eles não poderiam sair do planeta. O que era bastante irônico...

- Mas, me pergunto, para levá-los até onde, caso aceitemos o encargo? - Indagou Jeff.

- Até uma de nossas bases mais próximas, onde seriam liberados para voltar para seus companheiros, naturalmente - afirmou Hakor.

- Eu concordo - disse Jeff após uma curta reflexão.

- Está certo disso? - Questionei. - Quem nos garante que não seremos mortos ou presos ao chegarmos lá?

- Tem a nossa palavra de honra - apressou-se a dizer o comandante.

Aquela promessa me parecia bastante vaga, mas Jeff exibiu o trunfo que tinha na manga:

- Eu concordo, como já disse, mas com uma condição: eu determino para qual base naraghi iremos.

Parecia um acordo razoável. Os naraghi acabaram aceitando as condições dadas.

[Continua]

- [12-11-2020]