Te faz enxergar as coisas das quais não precisa

Um mendigo deu entrada num hospital, era um homem de meia idade, por volta dos quarenta e quatro anos. Mas já tinha passado por muitas experiências nesse tempo. Seu nome era João Batista.

Nasceu pobre, seu pai morreu quando ele tinha onze anos. Sua mãe era diarista para cuidar dele e de seis irmãos que ainda moravam com ela.

João parou de estudar quando terminou a oitava série, trabalhou e voltou a estudar aos dezoito sempre trabalhando. Fez técnico em enfermagem. Trabalhou por seis anos nessa área e depois fez um curso de técnico em transações imobiliárias. Estava indo muito bem como corretor de imóveis e nesse período, nessa maré conheceu aquela que seria sua esposa. Que com ele teria duas meninas lindas. Tinham uma boa vida, as meninas iam para uma escola particular. Curtiram uma vida social razoavelmente agitada.

Com sete anos de casamento, uma crise econômica nacional muito intensa e uma falta de prudência econômica as coisas mudaram. O casamento desgastou, pois o que os ligavam não mais existia.

O rapaz morava em Campinas, uma grande cidade do interior de São Paulo. E no momento dormia numa praça da cidade, depois da separação e deixar a casa para as crianças e estava desempregado há três meses. Entrou em profunda depressão. Numa situação que não imaginava mais passar, relaxou e dormiu e foi atacado por vândalos. Machucaram seus pés e foi socorrido por guardas municipais que o levaram para o hospital.

Lá foi atendido por um médico com sua equipe de residentes. O clínico geral tinha sua idade e orientou um de seus tutelados a fazer um curativo nos pés e falou a João que ele tinha que repousar e proteger os pés. A menina estudante olhou para o médico com uma lágrima nos olhos e disse que João estava dormindo nas ruas.

O médico também se comoveu e sentou ao lado de João e depois de ouvir um pouco de sua história, deixou escorrer uma lágrima também.

João ficou um pouco deslumbrado quando melhorou de vida e isso contribuiu para que perdesse o que tinha. Mas essas experiências melhoraram quem ele era. Ele sempre teve bom coração e sempre foi resignado, resiliente. E vendo as lágrimas do médico e da jovem estudante, ele soltou sorrindo:

-Nao fiquem assim. É temporário. A miséria te faz enxergar coisas das quais não precisa.

O médico voltou a tarde e ofereceu um trabalho na sua chácara para João como zelador. Ele moraria lá e teria um salário mínimo. João aceitou muito feliz e com o pensamento que isso também seria temporário.

Dez anos depois João estava casado novamente, com uma pessoa de valores iguais aos seus, pés no chão, montou uma imobiliária e tinha uma vida extremamente confortável. Aliás, ele tinha levado para a cidade um loteamento novo e isso lhe garantiu ainda mais tranquilidade.

O médico que o ajudou era agora seu amigo, e João fez um agradável churrasco com uma.boa cerveja gelada para o médico e sua esposa, assim como para a nova companheira de João.

Seu novo amigo muito feliz com os resultados do ex morador de rua, não pode deixar de se emocionar novamente:

-Meu amigo João, você me disse uma vez o que se aprende com a pobreza. E com a riqueza, o que aprendeu?

João, depois de tazer a mente algumas lembranças, respondeu:

-Te faz enxergar as coisas das quais não precisa!

O churrasco seguiu agradável.