Totem 02- Elton Gallaro

O dia havia sido maravilhoso. Ana estava rindo de alguma coisa que Sofia havia contado no banco de trás do carro. Talita e Sofia eram irmãs, Talita tinha doze anos e Sophia tinha nove.

O sol ainda estava forte e o dia estava lindo naquele fim de tarde na rodovia. Elton colocou uma música country pra tocar e todos começaram a cantar.

Então algo aconteceu. “O Pneu estourou” pensou Elton. O carro perdeu o controle e invadiu a pista contrária. Elton não lembrou de mais nada.

Houve vezes que parecia ouvir vozes. Lhe vinham lembranças do acidente na cabeça. As vezes parecia ouvir a voz de Ana, mas então se desligava novamente. Sonhava com suas filhas. Elton sentia saudades, não entendia o que estava acontecendo. Parecia estar preso em sua mente. Só queria poder abraçar sua mulher e suas filhas.

Houve uma vez em que parecia estar acordando de um sonho. Ouviu a voz de Beto, seu irmão mais velho. Diferença de dois anos entre eles. Beto dizia “Já faz dois anos irmão, você tem que reagir”. Elton tinha certeza de que havia escutado claramente aquela frase. “Será que estou em coma”. Mas no momento seguinte se viu em sonho novamente.

Elton sonhava com vários momentos em sua vida, desde a infância até o momento do acidente, mas nada fazia sentido pra ele. Pois sonhos pareciam reais e as vozes que escutava também.

Elton até chegou a cogitar que estivesse mesmo em coma e que deveria acordar. Mas logo em seguida era inundado de sonhos.

Outra vez que se sentiu quase acordado foi quando ouviu a voz de Ana, mas apenas uma parte de uma conversa. “...por isso eu decidi, você é a minha metade! Em breve estaremos juntos!...”

Depois disso foi tudo sonhos, até que então sentiu algo diferente, uma fisgada forte na nuca. A dor foi só aumentando. Elton pode ver luzes azuis piscantes, quanto mais dor, mais intensa era a luz. Então aconteceu.

Elton pode enxergar novamente. Percebeu que agora era real. Mas algo estava diferente. Ele conseguia enxergar sua casa inteira ao mesmo tempo. Não conseguiu entender. Podia escutar o sons da rua e também podia ver a rua de sua casa.

Então notou a figura parada no meio da sala. “Ana!!” Pensou!

- Ana - disse ele. Não sentiu sua boca mexer, mas sabia que havia dito.

- Elton? - respondeu Ana - você está bem?

- Estou! - Elton estava com muita saudade. Mas estava confuso também. Não sentia seu corpo, não podia caminhar em direção à Ana e nem abraçá-la. - Estou estranho. O que está acontecendo?

- Não sei nem por onde explicar - começou Ana - você ficou muito tempo em coma e os médicos constataram que você não voltaria. - fez uma pausa e continuou - mas ofereceram uma saída, uma oportunidade de ter você comigo. Me apresentaram o projeto Totem, onde sua mente é transferida para um aparelho que pode ser usado com o sistema de casa inteligente. Ao invés de usar uma inteligência artificial, se usa o Totem com a mente de alguém no lugar.

Ana explicou tudo que sabia sobre o projeto Totem. Contou também sobre as suas filhas que não sobreviveram ao acidente. Elton então sentiu uma dor imensa, uma tristeza tal qual como se estivesse vivo. Até mesmo sendo um Totem, Elton podia chorar, sentir. De certa forma podia viver.

Elton notou também que suas lembranças eram muito mais reais, mais detalhista do que quando estava com seu corpo. Se lembrava de coisas com muito mais facilidade.

- Quanto tempo fiquei em coma? - perguntou Elton.

- Quase cinco anos - respondeu Ana.

- Minha nossa - disse ele - e agora o que eu posso fazer além de estar preso nesse lugar?

- Bom, eu instalei o lançamento do novo receptor e da casa inteligente - coçou a cabeça e continuou - você pode ver que estou chegando e abrir a garagem automaticamente. Pode ligar e desligar as televisões. Ter acesso indireto na internet fazendo compras de supermercado através da geladeira dentre outras coisas.

- Como acesso indireto? - Elton não entendeu essa parte.

- Eu não compreendi direito essa parte - disse Ana - parece que como você tem controle da geladeira, também tem controle apenas naquilo que ela acessa, como a categoria de compras. Ou seja, a geladeira que está conectada na internet e não você. Assim como as televisões, para assistir filmes, você pode acessar através da televisão e escolher os filmes, mas não pode se conectar na internet diretamente. - fez uma pausa e continuou - é considerado crime com pena máxima. Isso Hermes, o responsável pelos Totens, havia me explicado no dia que decidi te ter como Totem.

- Tudo bem, não vejo o porquê de eu ter um acesso à internet - As dúvidas só aumentavam pra Elton - Mas como vamos nos relacionar?

- Elton, eu não pensei nisso! - falou ela um pouco nervosa - pensei em te ter comigo.

- E o meu corpo morreu? - Perguntou.

- Ainda não - respondeu ela - mas como o seu Totem funcionou muito bem, não vejo motivo pra você continuar sofrendo.

- Ahhh tá bom! - disse Elton um pouco alterado - então quer dizer que agora tem dois de mim, o verdadeiro e essa versão minha! - fez uma pausa e continuou - e quer dizer que você prefere essa!

- Não se trata de preferir essa ou não - gritou Ana - você não vai mais voltar!

- Como você sabe? - perguntou furioso - Esteve no meu lugar? Teve momentos que eu conseguia ouvir o que você e o Beto diziam! Eu escutava!

- Ah é? - gritou Ana - e as horas que o Lúcio ficava conversando contigo durante semanas seguidas? Isso você não lembra? - pausou, limpou uma lágrima do olho e continuou - e as madrugadas durante anos que o teu outro irmão, o Luís passava contigo lendo as noticias de dois jornal, por que vivia dizendo que era pra você ficar atualizado!?

Elton realmente não lembrava de nada que Ana disse. Mas pensou em tudo. E se ele reagisse? E se saísse do coma? “Como eu, o Elton desse tal Totem vai ficar?” Percebeu que ele não teria mais como sair dali. De nada adiantaria o Elton em coma acordar, seria aquele Elton que ficaria com a esposa e não ele. Pensou no que Ana teve de fazer, uma escolha difícil. Ela queria ele de alguma forma e essa havia sido a forma que ela havia escolhido. Ele teria que conviver com isso.

- Você tem razão Ana - desculpou-se - me desculpe. É tudo tão novo pra mim. Mas dentro do possível vou viver buscando uma boa relação entre nós, embora essa grande diferença.

Ana aceitou as desculpas e foi para o quarto. Deitou-se. Todas as peças da casa e na rua ao redor da casa havia uma faixa fixada ao longo das paredes ao alto que servia como uma espécie de câmera que para Elton faziam a função de seus olhos. Ele ficou confuso no início enxergar tudo ao mesmo tempo, mas em pouco tempo ele havia se acostumado a enxergar tudo de uma vez só. Agora aquilo era seu corpo.

Elton começou a explorar seus sentimentos e sentia coisas que nunca havia sentido antes. Uma hora percebeu que um desses sentimentos era na verdade ele buscando automaticamente acessar bluetooth de dispositivos da casa. Alguns ele conseguira acessar, outros não, talvez precisassem de permissão, pensava ele.

Então Elton ligou a TV e conseguiu trocar o canal, ouviu algumas notícias. Conseguiu ligar o som de casa. Abriu e fechou a porta da garagem. Ligou e desligou as luzes.

Então Elton descobriu que podia se ausentar. E escolhia se as horas passavam mais rápido ou não. Duas horas pra ele se passaram como um minuto e ele estava ciente do tempo que estivera “hibernando” até Ana o chamar.

- Elton - chamou ela - você está aí?

- Oi querida - disse ele - estava descansando.

- Não sabia que precisava disso - disse ela - e por que a TV está ligada.

- Estava vendo o noticiário - disse ele.

- Querido - disse ela - vou dar uma saída - volto logo. Vou na Ângela.

- Ok - respondeu Elton.

Os dias passaram e Elton de certa forma se acostumou com aquela vida. Elton fez Ana prometer adiar o desligamento dos equipamentos que mantinha vivo seu corpo.

Até que um dia, numa das saídas de Ana, alguém bateu na porta.

- Bruno? - ficou surpreso com a visita de seu sobrinho, filho de Beto. Então abriu a porta.

Bruno, como toda a família, era loiro, cabelo curto, olhos azuis, magro e usava uma calça jeans, uns All Stars preto e uma camiseta de uma banda de rock. Tinha um notebook embaixo do braço.

- Oi Tio - disse ele - primeira vez em anos!

- Oi Bruno! - Elton estava confuso a respeito da visita dele - Tudo bem? Quais as novidades?

- Estou seguindo o caminho do tio Luís, estou no último semestre de robótica.

- Coisa boa - Elton queria saber o motivo por trás disso tudo. Mas deixou que Bruno falasse.

- Tio, soube que você está “preso”, digamos assim, nesse lugar - disse ele - descobri com uns amigos um jeito de enriquecer.

- Não entendi Bruno - Elton estava curioso - me explique melhor.

- Olha só, eu te liberto - disse ele - e você pode me ajudar em resposta.

- Me libertar como? - Elton ficou empolgado com essa ideia.

- Te tiro desse lugar, você poderá ir onde quiser - disse ele. - você topa?

- Claro que topo! - Elton não queria nem saber, contanto que ele ficasse livre.

Bruno então se aproximou do receptor, abriu seu notebook, colocou ao lado do receptor, tirou do bolso o que parecia ser outro Totem, colocou do lado do receptor, depois tirou do bolso o que pareça ser uma chave de fenda fina.

- Tio, você será desligado por alguns segundos.

- Ok - disse Elton - cuidado com o que está fazendo. - Elton estava um pouco nervoso.

Elton sentiu como se estivesse se desligado e ligado novamente no mesmo segundo.

- Pronto? - Perguntou Elton.

- Ainda não. - disse Bruno emendando um fui no outro.

O Totem estava aberto. Elton lembrou que Ana havia falado um dia desses que a Corporação Vita iria inspecionar esporadicamente os Totens para a segurança deles.

- Você violou o Totem - alertou Elton - isso não vai dar certo. A Corporação Vita vem de tempos em tempos inspecioná-lo.

- Estou ciente disso, Tio - disse Bruno, que já havia acabado de emendar os fios e agora estava mexendo no notebook - por isso trouxe outro totem que será soldado por fora desse depois.

- O que você está fazendo, Bruno - Elton queria uma explicação mais coerente.

- Estou te libert...

- Não - interrompeu ele - sua tia daqui a pouco deve estar chegando, seja rápido e me explique - disse Elton.

- Tudo bem - disse Bruno - estou lhe acesso à internet!

Elton lembrou de que era crime fazer isso.

- Isso é crime! - disse Elton - para com isso! Vai complicar sua tia!

- Fica tranquilo Tio - disse Bruno sorrindo - agora já estou fazendo - pegou um cabo enrolado que estava no outro bolso e plugou não parede.

- Você está errado! - gritou Elton. Mas ao mesmo tempo tinha curiosidade pra ver como seria.

- Imagine Tio Elton, você podendo ir à qualquer lugar e sua mente não ficar presa só aqui - respirou fundo e continuou - é crime por que você não poderá ser mais destruído, pois não estará só nesse lugar.

- Mas e a Ana? - Elton tinha preocupação com sua esposa.

- Relaxa tio, eu sei fazer bem feito - então olhou pra cima nas faixas de câmera e continuou - está pronto pra sentir?

Se Elton tivesse rosto naquele momento, seria possível vê-lo sorrir.

- Manda ver! - disse Elton.

Bruno então plugou no interior do Totem e tudo mudou.

Continua...

J P Berwaldt
Enviado por J P Berwaldt em 02/12/2020
Reeditado em 02/12/2020
Código do texto: T7125960
Classificação de conteúdo: seguro