O Biomecânico

Sinopse: Em busca de desenterrar o passado, uma velha detetive encontra um biomecânico nos confins do sistema solar. Ou então seria por vingança? Espero que o tamanho não assuste!

//Aviso: todos os textos por aqui estão em construção e são exercícios. Achou um erro, acha que uma frase poderia estar mais fluída, um excesso podado? Não hesite em comentar! Boa leitura!//

O Biomecânico

O Porto de Tritão, daqueles tempos de um entreposto comercial e parada final para os navios solares, só manteve o nome e o certo ar citadino decadente que qualquer cidade portuária na história mantinha.

Apesar das décadas vivendo aqui, nunca me senti confortável. Nem mesmo no auge da exploração dos planetas anões, quando os navios traziam centenas de potenciais clientes, daqueles tipos desesperados que me pagavam qualquer preço por uma prótese meia-boca.

Mesmo assim, uma bebida, um boteco, e uma vista decente de Netuno. Às vezes, podia valer a pena.

— Tahr Silva — uma voz me chamou.

Não era sequer uma pergunta. Virei-me. A mulher na porta do bar parecia idosa, muito acima da expectativa de vida para alguém local. Examinei sua postura ereta, o olhar afiado, o movimento duro dos braços. Movia-se como um militar, um corpo treinado a carregar e controlar trajes de guerra pesados. Bastaria saber: policial ou exército?

— Pois não? — Encarei-a.

— Tahar Silva, o biomecânico — Ela continuou dizendo enquanto se aproximava, como uma antiga conhecida saudosa. Odiava essa falsa intimidade.

A minha profissão não era mistério. Eu fazia questão de todos conheceram minhas habilidades, com implantes e próteses mecânicas. Todos sabiam qual bar eu fazia de escritório. O nome do lugar, “O Homem do Futuro”, era apenas uma das ironias e sutilezas que me agradava na vida.

Mas ela saber o meu nome, o meu verdadeiro nome, não poderia era um bom sinal.

— O que você quer? — Fui ríspido. Nunca gostei de militares.

— Calma, meu amigo — Seu falso sorriso era evidente. Ela sentou-se à minha frente e postou uma pistola antiga classe 3B sobre a mesa. Muito potente para ser de uso policial, muito antiga para ser do exército. Deveria ser uma daquelas armas utilizada durante a Guerra Terrestres—Gasosos, de décadas atrás, de quando o centurião de Kuiper circulava o inferno.

Ainda se acomodando na cadeira, ela continuou:

— Meu nome é Joana Hya, investigadora particular — Ela projetou um cartão holográfico, como se um aparato facilmente falsificável provasse algo. Mas eu sabia que não era mentira, a sua áurea esnobe bastava de prova. Um saco de detetive.

— Essa sua arma é fudidamente ilegal — Eu disse com asco.

— É mesmo? Pensei que você gostaria de ver uma lembrança da sua guerra.

— E por que eu deveria? Quando a guerra estourou, eu já estava atolado aqui. Os planetas anões não tomaram partido. Estávamos passando fome, desabastecidos enquanto vocês brincavam de se matarem.

A mulher parecia velha, e esse papo de guerra não fazia sentido algum para mim. Tive pena ao pensar que ela poderia estar enlouquecida, ou então viajado até o limite da civilização por uma pista falsa.

Ou talvez...

— Algum cliente insatisfeito mandou você? Podemos fazer um acordo, tenho certeza. Não posso devolver nenhuma grana. Como pode ver não estou nadando em dinheiro. Mas posso fazer novos serviços, sem cobrar mão de obra. Que tal?

— Acontece que não estou preocupada com as merdas mecânicas que você enfia em peões e criminosos. Estou aqui por causa de Ali Al’zar.

Ali Al’zar. O famoso insurgente. Ele foi o responsável pelo primeiro ataque ao Governo Central em Marte, ainda como líder rico e engomadinho de uma colônia na lua Europa. O estopim para uma guerra inevitável.

— Vai negar que o conhecia? — ela complementou.

Não, eu não negaria. Mas não queria facilitar as coisas.

— O que faz você achar que eu o conheci?

— Rastreei todos os voos dele, mesmo os mais mascarados. Soube que ele foi até você, e alguns dias depois você foi para a Europa. Coencidência? Simples assim. O sistema de segurança portuária desses planetas por aqui não são muito difíceis de hacker, sabe. Uma câmera nitidamente mostrou a nave favorita de Ali, mesmo que disfarçada, aportando em Éris, onde você tinha uma clínica.

— Hacker voos pessoais e sistemas portuários. Mais uma coisa fudidamente ilegal. E de qualquer modo, uma associação muito frágil.

— Sim, mas não é só isso. Vamos chegar lá, calma. — Ela parecia orgulhosa de sua obstinação por ter assistido infinitas horas de filmagens de câmeras de segurança.

— Me diga, o que você sabe sobre Ali Al’zar? — Suas perguntas soavam como afirmações.

— O que todo mundo sabe. Um empresário rico, e depois um líder militar de uma colônia rebelde, hoje reduzida a pó. Também é de conhecimento de todos que quando ele percebeu que seu lado estava perdendo, se enfiou em uma nave extra-solar e sumiu como um covarde. Provavelmente quando ele pousar em qualquer rocha pela galáxia — se pousar — já teremos virados pó.

— Eu sei. Não estou atrás dele.

Estava me cansando desse jogo.

— Vamos logo com isso. Ou me prenda, ou atire em mim.

— Você não está sendo acusado de nada, não ainda. Quero apenas sua colaboração. Apenas conversar, é razoável?

— Sobre o que? — Não pude negar minha curiosidade. O nome de Ali era suficiente para me manter na conversa. O maldito sumiu me devendo grana. E de qualquer modo eu não tinha nada a ver com a guerra dele, assunto que ela parecia tanto se interessar.

— Sei que o conheceu pessoalmente pois você fez algo para ele. Mais do que você mesmo deve saber. Mas me diga, como conheceu um milioário?

...

Naquela época eu estava em Éris, a última fronteira humana no espaço. Por mais que a ciência evoluisse, a viagem na velocidade da luz e a consequente relatividade temporal ainda eram entraves à sonhada exploração extra-solar. Pelo menos em larga escala. Havia uns ricos ou lunáticos aventureiros.

Eu havia sido expulso de uma universidade em Saturno, teoricamente por ferir algum código de ética, e fui instigado à auto reclusão. Veja bem, outra sonhada conquista humana havia se mostrado também impossível. A Inteligência Artificial existia, mas não como pensávamos. Poderíamos criar uma Inteligência Artificial, mas não uma boa em multitarefas com variáveis aleatórias. Há muito poderíamos ter um computador imbatível no xadrez, mas um símio bem treinado qualquer ganharia em uma partida de póquer contra esse mesmo supercomputador.

A solução encontrada para explorar e se expandir para o sistema solar foi adaptar o corpo humano, com implantes e melhorias biomecânicas. Mesmo assim o corpo tinha um limite. Se o modificasse muito, o cérebro humano colapsaria. O sistema nervoso simplesmente não comportava mais de duas ou três adaptações radicais. Poucos tinham a coragem e disposição de testar novos limites. Era isso que chamavam isso de ética.

Desde então eu tinha uma pequena clínica, vivendo de obscuros contratos com empresas mineradoras de metano pela região dos planetas anões.

Foi quando um homem rico entrou na minha sala.

— Bom dia. Você é o famoso biomecânico de Éris?

— Não só de Éris, mas de todos os planetas gelados. Me chamam de Max, e o senhor seria...?

— Ali Al’zar. Possuo alguns prósperos negócios na Europa e outros satélites. Mas temo que não sou famoso em lugar nenhum.

Com certeza dava para ver que o homem tinha dinheiro. Ele possuia apenas um implante aparente, sua própria pele. Era algo sutil e raro, imperceptível para qualquer um menos treinado. Apenas alguém corajoso arriscaria ser adaptado assim.

— Interessante sua pele.

Ele apenas sorriu irônico e assentiu, como se eu houvesse respondido alguma pergunta.

— O que você faz aqui, Max? Aqui é para tolos. Pessoas que já morreram, mas esqueceram-se disso. — Sua pergunta mantinha o sorriso irônico.

Eu obviamente me senti ofendido. Talvez pela verdade daquilo. Antes que pudesse revidar ele continuou.

— E você tampouco deveria estar aqui, Max. Ou devo dizer Tahr?

— Como me conhece?

— Eu li os seus trabalhos acadêmicos.

— Nenhum deles foi publicado.

— Não. De fato. Mas a comissão de ética que lhe expurgou dos meios científicos manteve alguns trechos sobraram nos autos. Consegui obtê-los. Infelizmente, muita coisa havia sido apagada por censura. É por isso que estou aqui. Saber o que apagaram.

Não sabia como ele teve acesso a documentos antigos e teoricamente sigilosos, mas não me importei. Era a primeira vez que alguém mostrava interesse em minha pesquisa.

— A pesquisa foi proibida. Eu nunca consegui terminar. Aliás, falar dela já seria considerado um crime.

— Para o Governo Central sim. Mas por que devemos nos preocupar com seus tentáculos aqui, ou mesmo em qualquer outra colônia? Por que nos sujeitamos a esse controle?

— Não me importo com política.

— Mas com sua pesquisa sim. Eu posso financiar e proteger você. O que acha?

Refleti por um instante. O homem parecia sincero e excêntrico o bastante para algo assim.

— Precisaríamos de cobaias, cobaias humanas. Estaria disposto a dar esse passo?

— Posso arranjar.

— E precisaríamos de muito, muito dinheiro.

— Posso arranjar.

Era uma regra interna de qualquer biomecânico não perguntar para que certas adaptações serviriam. Geralmente, era melhor não saber. Mas nesse caso, não pude evitar. Sua resposta foi direta e me pareceu verdadeira: "pra me libertar".

Antes dele sair, ele deixou um chip com muito, muito dinheiro. Era apenas um primeiro pagamento, do total prometido que nunca veio. Ao lado do chip, um cartão aos moldes antigos, de papel, com um código de acesso para a lua Europa.

...

Após eu terminar minha história, Joana projetou outro cartão holográfico. Dessa vez, mostrando uma foto multidimensional dela mais jovem, perto dos cinquenta anos. Vestia os trajes de guerra comuns da aliança Terra—Marte, mas com um capacete que indicava ser alta patente. Sua identificação era de coronel, aposentada. Havia um "link" para um laudo médico público, que ela não abriu. Por que ela estava me mostrando sua ID?

Não era raro militares aposentados virarem detetives, seguranças ou mercenários. Geralmente as três coisas juntas.

— Você acreditou nele, em Ali? — Ela me encarava.

— Sim, por que não? Ao chegar na lua Europa, eu percebi que havia muitos bons engenheiros em um projeto de uma nave extra-solar. Pude até vê-la, nunca havia visto uma tão grande. Pensei que minha pesquisa era uma forma complementar, uma forma dele se adaptar a viagem. Quem sabe, até viver flutuando e morando no vácuo do espaço. Um corpo totalmente mecânizado poderia viver sem ar, sem comida, sem dormir. O potencial da minha pesquisa para um explorador extra-solar era incalculável.

— Mas você nunca viu a adaptação final dele, não é mesmo? O resultado do seu trabalho?

— Não. Nunca vi. Assim que considerei a pesquisa avançada, a tensão política nos planetas gasosos cresceu. A colônia de Ali particularmente recebia muita atenção do Governo Central. Para minha segurança, ele pediu para que eu voltasse os planetas anões. Acho que os interesses dele foram mudando mais para a guerra do que para a exploração do universo. O dinheiro eu vi acabando, mas tudo bem, minha pesquisa avançou e isso me era o bastante.

Ela pareceu um pouco pensativa, e me olhou de forma diferente do que havia feito até então. Ainda como se fosse uma velha amiga minha, fez um sinal para o bar e pediu duas doses. Iria beber comigo.

— Você falou do seu passado. Deixe-me falar do meu.

...

Houve um ataque coordenado contra várias bases em Marte. Não era a primeira tentativa de revolta de alguma colônia menor.

Mas o sucesso do ataque foi impressionante. Na época eu era Oficial de Inteligência, e os relatos dos sobreviventes eram quase sempre os mesmos: androides, robôs inteligentes, máquinas pensantes.

No primeiro, segundo e terceiro relato achamos que fosse alguma confusão dos sobreviventes, algum trauma ou engano. Até mesmo um ardil proposital do inimigo era uma hipótese.

Mas então os ataques não cessaram, e nossas baixas eram desnorteantes. A guerra havia se alastrado por todos os lugares, colônias até então submissas aproveitaram nossa fragilidade. O mais incrível era que nunca conseguíamos realmente entender o que estava acontecendo.

Fui finalmente ordenada a investigar a tecnologia inimiga, e precisei pensar em uma manobra para tanto.

— General Hya irá explicar a missão — anunciou um marechal de alta patente em uma Sala de Guerra da Inteligência.

— O objetivo é capturar a tecnologia inimiga — Iniciei a explicação. — Iremos montar uma armadilha em Phobos. Simularemos um falso estaleiro lá, com carcaças falsas de naves inexistentes, induzindo o inimigo a pensar que temos uma nova tecnologia naval. Deixaremos escapar o suficiente para deixá-los curiosos. O satélite está muito perto de Marte, impedindo uma aproximação da escassa frota inimiga, então eles provavelmente irão enviar naves de transportes, pequenas e ágeis o suficiente para mandar um pequeno grupo de solo e levar ao chão o combate.

Um outro coronel levantou a mão, sinalizando que desejava fazer uma intervenção.

— General Hya, sim, eles fariam isso pois combates de solo é justamente nossa fragilidade atual. O melhor seria manter o combate em nível naval. Talvez interceptar a nave de transporte deles, antes do pouso.

— Na verdade, tentamos algo parecido antes, e eles se autodestruíram.

Percebi um silêncio afiado na sala. Pensar em soldados suicidas era difícil. Estávamos lidando com colônias revoltadas, não lunáticos. Talvez no fundo todos achavam possível estarmos mesmo em guerra contra androides. Eu não acreditava nisso.

— Percebam que Phobos é totalmente inabitável. Não tem atmosfera, quase não tem gravidade. O que acredito: os inimigos desenvolveram algum traje de guerra moderno, compacto e altamente eficiente. O problema dos trajes é o seu tamanho, o gasto de energia. Eles de algum modo superaram isso. Mas trajes são trajes. Sem eles, em uma rocha espacial sem ar, o inimigo sufocará. E um inimigo sufocado não pode se auto destruir, nem os fanáticos.

Eu percebia uma atenção esperançosa sobre mim.

— Iremos lançar de Marte os mísseis de pulsos, o bastante para queimar qualquer equipamento que dependa de energia, qualquer equipamento em que um elétron passe. Quanto mais moderno um traje, mais ele depende de energia. Bom, essa é a teoria. Até mesmo as pernas e braços dos trajes modernos tem auxílio eletrônico para aliviar o peso.

— E esse pulso não irá paralisar os trajes de nossos soldados também? — alguém fez a pergunta óbvia que eu aguardava.

— Não, se forem trajes mecânicos.

— Escafandro espaciais, você diz?

— Precisamente.

Eu sabia que o plano era arriscado. Não tínhamos certeza que o pulso poderia queimar aqueles trajes inimigos. A tecnologia moderna poderia permitir alguma certa blindagem, nós mesmo possuíamos pesquisas nessa linha. Era uma verdadeira loteria. E eu não forçaria nenhum soldado a arriscar usar trajes antigos e obsoletos, contra inimigos definitivamente mais modernos. Apenas eu e mais cinco soldados de elite nos voluntariamos.

Estávamos na órbita de Phobos, enfurnados em crateras, como arcaicos soldados das guerras de trincheira na Terra, com vestes que basicamente dependiam basicamente de cilindros de oxigênio. Sabíamos que assim que o inimigo passasse a defesa orbital e fosse ao solo, Marte nos bombardearia com os mísseis de pulso. Qualquer comunicação, qualquer equipamento eletrônico que estivesse funcionando naquele momento cessaria.

Assim que vimos um pequeno transportador pairar não muito adiante de nós, e soldados inimigos pularem deles, despreocupados com a pouca bateria antiaérea que simulávamos, um míssil em velocidade incalculável explodiu entre nós. Silencioso, apagado. Sabíamos do impacto ao sentir o chão tremar, uma onda de energia passar por nós como um arrepio, desligando nossos comunicadores, computadores de pulso, e até mesmo lanternas. Uma enorme poeira, com areia, seixos e rochas, flutuava entre nós e os inimigos, pairando pela baixa gravidade. Contávamos apenas como nossa visão. Eu sentia-me cega sem o auxílio do infravermelho acoplados nos visores dos trajes modernos, sem o computador de mira auxiliar ou o sonar.

Ligamos algumas lanternas reservas em nosso capacete que até então estavam desligadas, e fomos até o inimigo, portando armas que víamos apenas em museus, baseadas em pólvora. A ideia era atirar em qualquer soldado inimigo que sobrevivesse, rezando para que suas armas modernas não funcionassem e que a bala perfurasse qualquer blindagem.

De certo modo o míssil funcionou, e o inimigo parecia imóvel na maioria das suas funções. Mas não totalmente. O que vi parecia impossível.

Alguns inimigos estavam agachados, segurando suas cabeças, outros estavam desnorteados, socando-se. Eu conseguia ver em suas faces de metal, que agora de perto dificilmente me pareciam capacetes, mas sim um rostos fundidos de metal, numa tentativa de expressão de horror. Se houvesse atmosfera, eu teria certeza que poderia ouvir gritos e desperos.

Aqueles que tinham mais mobilidade, aqueles que tinham alguma arma funcionando, suicidaram. Androides não se matam dessa forma. Não como uma libertação.

...

Depois do relato, a detetive me encarava como uma acusação, mal percebendo que a bebida que havia pedido já tinha chegado. Tive que lhe perguntar.

— Conseguiram capturar alguém?

— Sim. Meus colegas pareciam assustados, inertes. Apenas eu tive a força de matar aqueles que não tinham a mobilidade para se matarem sozinhos. Não pensei nisso como massacre, mas como misericórdia. Depois o reforço chegou. Não sei o que aconteceu desde então.

— Deixe-me adivinhar, você foi expulsa do exército?

Ela assentiu.

— Eu havia dito aos superiores que os inimigos não eram androides com inteligência artificial, muito menos usavam um traje super moderno. Eram pessoas, transformadas em máquinas, foram fundidas com o próprio traje. Com a captura meus superiores já deveriam saber por si só. Mas apenas agradeceram meus anos serviços e um laudo psicológico me aposentou. Aparentemente, traumas de guerra me induzem a criar alucinações.

O estranho era que, apesar de tudo, eu não sentia como se ela quisesse se vingar de mim. Sentia raiva, asco, mas também uma curiosidade por respostas.

— Sinceramente, eu não sabia que minha pesquisa teria esse fim. Não sei se ajuda a eximir dos meus crimes. Mesmo as cobaias que usamos, eram apenas pessoas terminais, como com morte terminal. Nunca poderiam ser usadas para virarem soldados.

Enquanto eu dizia isso percebia. Quem então havia sido usado? O quão longe Ali havia ido?

— Sim, eu acredito em você. Antes eu não sabia o quanto você estava consciente do uso da sua pesquisa. Mas acredito mesmo. Eu sabia que alguém havia ajudado Ali, e sabia que ele veio aqui atrás de um biomecânico. Eu fui atrás de outros registros seu, mas não encontrei muita coisa. Até mesmo os dados de sua expulsão, o julgamento do caso nselgo de ética, foi deletado.

— O Governo Central deve ter apagado — inferi.

— Acredito que tenha sido o próprio Ali. Ou o Governo Central já teria vindo atrás de você, para apagá-lo também. Na verdade, segui o rastro do Ali e ele deletou tudo sobre a pesquisa. Nem seus aliados suspeitam do que ele foi capaz. Acredite, fui atrás de vários.

— Bom, você deveria estar feliz. Agora o seu exército tem a tecnologia. Estranho é não terem usado ainda.

— Não sabemos. A Guerra deu uma invertida após minha missão. Mas não me sinto orgulhosa. Não importa que lado tenha a tecnologia, o terror daquele dia me assombra. Sonho às vezes que me transformam em um rôbo sem consciência. Até hoje não sei o que aconteceu realmente.

Então era isso. Décadas atrás do meu rastro, por uma resposta simples.

— Eu usei travas mentais, uma forma de implante até que simples, que reduz o cérebro e inibe a consciência sobre si mesmo, mesmo que a complexidade do pensamento seja ainda mantida. Mas é por isso que a pesquisa nunca foi viável, ela sempre terminava em retirar o livro arbítrio do paciente. Quem aceitaria fazer isso a si mesmo? Não imaginei que esse vão aberto poderia ser preenchido com ordens militares. O pulso do míssil deve ter apagado essas travas, e alguma mobilidade corporal se manteve possível pois parte do sistema nervoso e músculos originais dos membros não foram totalmente substituídos. — esperei ela absorver a explicação um pouco. — Bom, agora que sabe, acredito que você me entregará para o Governo Central.

— Você foi um pária, sua pesquisa foi hedionda e resultou em mais terror ainda. Mas a única forma de isso não ser usado novamente, é vir a público. Não posso deixar o Governo Central encontrar você antes de conseguirmos divulgar isso. Você seria morto.

— Você quer que eu exponha minha pesquisa à público?

— Sim, de certo modo, será o reconhecimento que você nunca teve. Você poderá provar que estava certo, afinal. É capaz até que o Governo Central faça acordos com você, meu Deus, já que não precisarão esconder a verdade.

Eu a examinei. Não sabia se ela queria mostrar algo ao exército que a chutou, ou apenas encerrar um ciclo de pesadelos. Mas de uma coisa eu tinha certeza, independente de sua vingança contra o Governo Central, ela seria famosa

— Será um reconhecimento para você também, detetive. Imagino que expor um crime dessa magnitude irá aumentar o seu número de clientes. Uma detetive idosa, com um registro psiquiátrico negativo na ID, não deve ter uma fila de clientes.

— Vamos, há um jornalista nos esperando em outro bar — Ela guardou sua arma e se levantou.

Ela havia pensado em tudo, afinal. E de certo modo, todos saberem que o Governo Central escondia algo assim apenas o fragilizaria mais ainda. O maldito Ali teria outra vitórias.

Eu e a detetive saímos juntos do Homem do Futuro, como velhos amigos que compartilhavam um mesmo segredo.

Thomas J S
Enviado por Thomas J S em 26/04/2021
Reeditado em 21/07/2021
Código do texto: T7241999
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