Contos da agenda Max - conto 1 / A rua fechada.

As sete horas da noite, quando o sol já descera totalmente no Oeste. A polícia do governo começava seu trabalho de toque de recolher. Os furgões cruzavam as barricadas em alta velocidade, paravam deslizando os pneus no asfalto, alardeando um ensurdecedor barulho de pastilha de freio. As portas se abriam e policiais desciam dos furgões com armas empunhadas. Um após o outro, formavam linhas nas barricadas. Usavam roupas militares, que cobriam todo o corpo, na cabeça usavam um capacete como de um motociclista, com um botão num dos cantos, que aparentava ser um comunicador com outros grupos.

Um deles parou olhando ao redor, colocou uma das mãos no ouvido apertando o botão comunicador. Sua voz era robótica.

— Em posição na rua 14 capitão.

Aquele era o inicio da jornada noturna, os policiais buscavam coibir qualquer pessoa que furasse o toque de recolher. Apressavam os últimos transeuntes com muita rigidez, apontavam as armas para eles e gritavam para correrem. Essa ação diária tomava mais ou menos uma hora, os últimos recebiam tiros de fogo no chão para correrem e se caso ainda estivessem em circulação depois de meia hora de tolerância, os policiais recebiam a permissão de atirar para matar. Os passantes demonstravam tanto respeito que não davam margem para a ação dos policiais. Muitos achavam isso um tédio, adorariam atirar em alguém para terem o que falar.

Depois de um longo tempo as ruas estavam desertas. A luz dos postes iluminava apenas o necessário para o grupo trabalhar e nesse momento muitos nem sequer trabalhavam, apenas como de costume mantinham guarda, em grupos de duas ou até quatro pessoas.

Dois soldados estavam em pé em frente a um prédio com um enorme letreiro na entrada, que dizia, “Predio do comercio central”. Eles conversavam em voz baixa para não serem ouvidos pelo tenente que comandava a ação e aproveitavam para afastar o tédio.

— Ele voltou para lá? – Perguntou o soldado da direita, mantendo o olhar na entrada do prédio.

— Não porque ele quis, foi porque mandaram né? – Respondeu o da esquerda, se esforçando para manter a postura ereta e não demonstrar que estava entediado e com preguiça.

— Seu irmão é maluco Mauricio. – Disse, dando um sorrisinho debochado.

— Mas não foi culpa dele, o capitão que mandou. Você iria ficar contra se te mandassem para lá? – Perguntou Mauricio.

— Mas não estou falando que seu irmão é doido por isso! – Desviou rapidamente o olhar para Mauricio e depois voltou para a olhar para o prédio. - Eu falo que ele é doido pelas atitudes, se é para fazer merda, que faça para dar merda para eles e não pra gente.

— Ah! Mas aí é fácil falar né Jeff? Queria ver você na pele dele.

Jefferson e Mauricio eram amigos de pelotão, os dois sempre optavam por ficar em frente ao comercio mais a noite, porque conseguiam conversar reservadamente. Mauricio continuou a falar.

— Não vou julgar, ele é bem crescidinho, eu que não vou passar pano.

Mauricio cansou de fingir e desfez a pose de vigília que mantinha e se encostou no poste que estava ao seu lado.

Jefferson se virou para ele, tirou o visor que cobria os olhos e revelou seu olhar de reprovação.

— Se o tenente ver você assim vai te colocar na primeira rua.

Jefferson percebeu que Mauricio não escutava mais o que dizia e mantinha um olhar fixo num ponto a frente deles. Virou a cabeça rapidamente e do outro lado, próximo a calçada percebeu algo se movendo. Demorou para entender o que estava acontecendo, mas aparentemente alguma coisa se movia, saindo do bueiro. Colocou o visor para acionar a visão de calor, guiada pelos movimentos. Mauricio se endireitou e segurou firme a ponta de sua arma.

— Devemos chamar o tenente? – Perguntou Mauricio.

— Que porra é essa?

Jefferson demorou para entender que não se tratava de um humano. Não era comum pessoas furarem o bloqueio para entrarem na zona central protegida, porém pelas formas quadradas de seu corpo, o tom metálico e a forma nada comum de se mover, demonstravam que não era humano, se tratava de algum androide desregulado.

— O que um metalzinho está fazendo aqui a essa hora? – Jefferson não demonstrava medo.

— Devemos chamar a porra do tenente ou não Jeff? – Já Mauricio temia e muito pelo que poderia acontecer, desviava o olhar insistentemente entre Jefferson e o Androide. – Que se foda eu vou chamar. – Mauricio levou sua mão ao ponto próximo ao seu capacete, prestes a apertar o botão comunicador, mas Jefferson segurou sua mão.

— Calma! – Falou num tom mais ríspido, porem quase cochichando para não ser ouvido. – Parece estar quebrado, eu acho que sei o que é,

Mauricio balançou os braços demonstrando incomodo.

— E eu com isso? Se esse Metalzinho fizer merda, nós estamos fudidos.

— Calma cara. – Jefferson parecia um pouco ansioso, mantinha o olhar fixo no androide.

Mauricio percebeu que talvez, Jefferson não quisesse agir, talvez esperasse algo acontecer, olhou novamente para o Androide e percebeu que seus movimentos eram falhos, como se estivesse quebrado. Após sair totalmente do bueiro, começou a se colocar de pé, essa tarefa parecia ainda mais difícil, conseguiram ouvir um som de circuitos falharem, Mauricio extremamente desconfortável, sentindo a ansiedade dominar seu corpo, agiu de forma impulsiva, para não dar tempo de ser impedido por Jefferson.

— Equipe 3, falcão, Androide suspeito na rua 14. – Mauricio tirou o visor e falou. – Desculpa cara, não dava para esperar...

Sua fala foi interrompida por um tiro de Jefferson que atingiu os olhos de Mauricio, que ao ser atingido, caiu no chão se debatendo com a vida se esvaindo. Jefferson sem demonstrar remorsos saiu correndo dali e ouviu diversos sinais que saiam dos comunicadores.

“Tiros na rua 14, equipe 3, falcão.”

“Androide avistado”

“Soldado Mauricio responda”

“Soldado Mauricio sem sinais vitais”

“Soldado Jefferson responde agora”

“Equipe 3, permissão para atirar”

O Androide estava em pé e já não parecia cambalear tanto, Jefferson correu para um prédio desativado, pegou um controle que levava dentro de sua roupa militar, apertou um botão e um campo o envolveu totalmente. Não podendo entrar no prédio trancado ele ficou escondido atrás de uma lata de lixo, depois agiu como se lembrasse de algo, pois olhava insistentemente a sua volta, procurando por alguma coisa.

Os soldados começaram a atirar no androide, Jefferson observava tudo com um sorrisinho no canto dos lábios. Os tiros estraçalhavam os metais já danificados do androide e ele já não demonstrava resistência, não demorou muito para cair em pedaços no chão.

— Mais perto! – Balbuciou Jefferson.

“Soldado Jefferson, pode executar a pena nove, cinco, zero”

Mais um sorriso de Jefferson ao ouvir seu nome, junto ao comando para matar, mas ainda não o tinham encontrado.

“Retirem o Androide da rua”

“Tenente analisando avarias no Androide”

Os soldados agora pegavam os pedaços do androide, os circuitos falhando e analisavam com calma.

“Androide tipo 2, metal antigo”

“Soldado Jefferson localizado tenente.”

Jefferson olhou ao redor, buscando quem o havia encontrado e uma rajada de tiros o atingia, as balas pareciam vir do alto, o sangue começou a escorrer pelos buracos no uniforme e o campo que antes o envolvia havia sumido. Ele estava morrendo, mas seu olhar se mantinha fixo na cena com o androide.

Na rua, um soldado se abaixou para analisar uma das partes do androide, que ainda reluzia no chão, percebeu um circuito intacto, sua atenção primeiramente curiosa se transformou em desespero ao ver o contador decrescente apontar o numero 5.

— Porra, vamos sair daqui. – Apertou o comunicador. – Equipe 3, saiam...

Suas palavras foram cortadas por um forte estampido e um clarão crescente que envolveram a rua, a bomba magnética era poderosa e usava o ferro e o aço local para atrair todas as coisas próximas e fundirem-se numa força extraordinária. Jefferson que estava quase sem vida, fora puxado com tanta força, que sua espinha dorsal quebrou, seu pescoço deslocou e sua vida fora embora em dois segundos, o tempo que durou para se juntar a massa de coisas e pessoas se comprimindo em volta do androide.

Os soldados agora jaziam aglutinados como se fosse uma bola amassada e queimada, juntamente com seus fuzis e roupas, a cena era aterrorizante e o cheiro de podridão infestavam a rua, que sofrera com esse ataque rebelde.