Contos da agenda Max - conto 3/ O gabinete do primeiro ministro.

Heitor estava de pé, movendo freneticamente diversas formulas em um holograma, de mais ou menos 40 polegadas à sua frente. Ele era um homem de estatura média, a pele negra retinta, olhos negros e seguindo a lei, também não tinha cabelos. Heitor era um engenheiro ambiental, trabalhava com cenários que ajudavam o governo a bloquear a radiação solar e assim manterem uma agricultura saudável e água minimamente potável.

A semana estava movimentada mais que o normal, seus novos cenários alertavam para um novo afinamento na camada de ozônio, que envolvia a região pertencente ao tropico de capricórnio; seus sensores de radiação, mostravam um agravamento absurdo de raios ultravioletas adentrando a atmosfera, por mais que Heitor fosse familiarizado com essas situações, ele nunca deixava de se impressionar.

Os dedos teclavam com velocidade, seus olhos moviam-se da tela holográfica para o teclado de cristal. Ele esticava o braço para mover dados que apareciam na tela, seus olhos carregados de preocupação, se manifestavam involuntariamente.

“Não é normal isso”.

Pensou, olhando os dados obtidos dos cenários rodados. Heitor estava ansioso, precisava agir rapidamente, deu dois cliques na tela desligando seus hologramas. Pegou um chip que estava inserido no seu teclado e o colocou no bolso, saindo logo em seguida. Não tinha outra opção, precisava falar com o primeiro ministro e pedir dinheiro. Não era algo que ele gostava, mas era necessário.

Heitor agora se encontrava em um grande centro de pesquisas, com diversos andares circulares. No meio, um abismo de trinta andares subterrâneos, que acabavam num hangar com maquinas gigantes e geradores de energia. Acima de sua sala, mais trinta andares superiores formavam os gabinetes executivos do governo, isso tudo era chamado de “Centro máximo do poder” sendo a ala de Heitor o de pesquisas atuais, onde engenheiros e físicos trabalhavam em pesquisas para manter a vida na região. Os andares eram iluminados e com um fluxo moderado de pessoas transitando, todas preocupadas com suas pesquisas e suas atribuições; era um ambiente bem frio, onde a interação parecia ser exclusiva para assuntos profissionais.

Heitor ainda absorto em seus pensamentos catastróficos, ficou ansiosamente esperando o numero de seu andar aparecer no marcador do elevador. Seus pés dançavam no chão, começou a estralar os dedos inconscientemente, parando em seguida quando se deu conta que não gostava desse costume. Tentava não olhar fixamente para o marcador para não evidenciar sua ansiedade, mas o impulso de olhar era mais forte que ele.

Finalmente o som característico da chegada do elevador soou, um som harmônico de teclas de piano, tocando dó, ré, mi de maneira crescente, marcando a abertura da porta. Heitor entrou rapidamente e percebeu que estava acompanhado. A porta do elevador se fechou, agora com o som das teclas do piano em ordem decrescente.

— Topo. – Disse Heitor para a inteligência artificial, mantendo sua postura ereta e formal.

O homem que estava no elevador, era da área de desenvolvimento urbano, seu nome era Francisco, um homem de uns sessenta e cinco anos, rosto enrugado, olhos fundos e cheios de bolsas escuras em volta, era mais corpulento que o normal, quase beirando o sobrepeso, o que era proibido pelo governo, todos os humanos com sobrepeso eram jogados em um campo de testes, usados para pesquisas e experiências cientificas. Aparentemente Francisco não ligava muito para as consequências, pois sempre que Heitor o via, ele estava maior. Ele deu um sorriso debochado ao ouvir a frase de Heitor para o A.I do elevador.

— Topo é?

Heitor decidiu não responder, continuou parado, olhando fixamente para os números que cresciam para os andares superiores.

— Desculpe a intromissão amigo. – Insistiu Francisco, mantendo o sorriso de deboche. – Mas eu temo quando um cientista climatológico vai a sala do primeiro ministro.

— Sou engenheiro ambiental. – Respondeu de prontidão, mostrando impaciência.

Francisco meneou a cabeça, o som das notas do piano tocaram novamente mostrando a chegada do seu andar. Ao sair ele parou a porta com a mão, se virou para Heitor e falou.

— Engenheiro, cientista, tanto faz amigo, aqui você vale menos que as maquinas de café. – Francisco soltou a porta e se virou para ir embora.

Heitor olhou para aquele homem sumindo ao fechar da porta e nem teve tempo de absorver a frase arrogante e negativa de Francisco, só pensava em terminar logo aquele dia com algum sucesso.

Conforme o elevador subia, Heitor ensaiava a melhor maneira de pedir investimentos para as suas pesquisas. Seus pensamentos giravam em torno da melhor abordagem, “Será que abro falando dos dados? Ou já escancaro dizendo que não terá comida para os próximos anos? Posso dizer que todos vão morrer em no máximo dez anos; sim, é isso que tenho que dizer”. Enfim o marcador apontava a palavra “TOPO”. As notas musicais anunciaram e a porta se abriu.

O elevador abria direto para um salão de decoração mais rustica, carpetes vermelhos revestindo o chão. As paredes eram de pintura lisa, de cor marrom clara, alguns detalhes desenhados davam um aspecto mais selvagem, como se as paredes fossem de madeira de lei.

Ao sair do elevador, dois homens armados que vestiam terno preto e óculos escuros, barraram a passagem de Heitor, sem perguntar nada começaram a revista-lo. Ao ser liberado, dirigiu-se até a mesa da recepcionista. Uma mulher jovem de uns vinte e oito anos, pele negra, olhos castanhos e cabelos raspados. Os negros tinham um tratamento mais rígido, por algum motivo desconhecido. As mulheres eram obrigadas a cortarem, ou careca, ou deixar apenas uma pequena camada para tampar o couro cabeludo. A recepcionista se chamava Vanda, olhou para Heitor com desdém; ele, ficou imóvel, esperando enquanto ela baixava os olhos para uma lista e com o dedo, verificava os nomes. Ergueu os olhos em sua direção.

— Seu nome não está na lista.

— Vanda, é urgente, não tive como marcar...

— Sem nome não posso anuncia-lo. – Ela o interrompeu fechando a lista.

Heitor se aproximou da mesa, apoiou uma das mãos nela, ato que Vanda observou com censura.

— O assunto é sério.

Ela o encarou com uma certa fúria, avançou um pouco o rosto e falou pausadamente.

— Sem nome, sem anuncio.

Heitor suspirou vencido, quando uma voz apareceu atrás de Vanda.

— Pode deixa-lo entrar Vanda. – A voz era do próprio primeiro ministro Dario.

O primeiro ministro surgiu sorridente, era um homem de uns quarenta e seis anos, magro, pele clara, olhos castanhos, suas sobrancelhas grudavam uma na outra e o rosto era fino, os cabelos eram curtos que mal davam para diferenciar de que tipo eram, apenas percebia-se o tom escuro deles.

— Pode deixa-lo entrar. – Dario fez sinal para Heitor avançar.

Heitor passou e deu uma olhadela debochada para Vanda, que o observava impassível.

Entrando no salão, diversas pessoas trabalhavam em suas mesas, todas caladas, movendo seus dedos em telas de dados holográficas. No fundo uma sala maior, os dois cruzaram o caminho quietos, Heitor sentiu que não era a hora de puxar papo, já que o primeiro ministro não dera nenhuma abertura. Os dois entraram na sala e com um estalar de dedos de Dario uma porta de ferro se fechou, assustando Heitor.

A sala do primeiro ministro mantinha a mesma decoração de carpete e pintura de parede do salão, porem a mesa era realmente de madeira de lei. Dario caminhou para trás dela e sentou-se, fez sinal para Heitor se sentar.

Heitor estava incomodado, mas consentiu, sua ansiedade misturada com um certo medo era tanta, que nem percebeu a presença de um homem parado em pé, num canto da sala. O homem se aproximou, puxou uma cadeira e sentou-se ao seu lado.

Esse homem era o general Oiticica, aparência mais velha, forte, pele clara, expressão sisuda. Ele era responsável pelo gabinete de defesa do governo. Heitor sentiu um frio na espinha subir.

— Porque queria me ver com tanta urgência Heitor? – Dario falava com um tom um tanto condescendente, que não ajudava em nada a tensão.

— Senhor. – Heitor falou para Dario, mas sentiu que deveria se dirigir ao general também, olhou para ele e o cumprimentou com um aceno de cabeça. – Senhor general. – Virou-se novamente para Dario. – Meus estudos dizem que ocorreu um novo afinamento na camada de ozônio que circunda São Paulo. Se meus estudos estiverem corretos, haverá uma nova crise de alimentos e água nos próximos anos.

Dario deixou o medo transparecer em seu rosto, seus olhos se moviam procurando algumas respostas, olhou para o general, que devolveu um olhar preocupado.

— E isso não é o pior senhor. – Continuou Heitor. – Com esse fato, temo que nos próximos meses a incidência dos infra vermelhos na superfície, irá trazer doenças ainda maiores.

— Seja mais direto Heitor.

— Teremos que melhorar as roupas e os protetores solares, ou então aumentar o toque de recolher para quase o dia todo.

— E aposto que para isso você queira mais dinheiro? – Interrompeu o general, de forma zombeteira.

— Temo que sim general. Não conseguirei jogar os dados sem alimentar os computadores. – Heitor encarou o primeiro ministro de forma urgente. – Temos que avançar os estudos com o enxerto de melanina.

— Você precisa de dinheiro para os computadores analisarem dados? Ou enxertar química de negro no genoma de todos? – Perguntou o general de maneira debochada e grosseira, depois se virou para Dario. – Veja primeiro ministro, o que eu trouxe aqui é sério, se não alocar os recursos que peço e destina-los para os engenheiros de solo, pode dar adeus ao seu governo.

— Senhor general. – Heitor falou calmamente. – Não é apenas para analisar dados, ou enxertar melanina em homens ou roupas; são estudos profundos de solo, agricultura, roupas e remédios. Se a camada não retroceder, não teremos mais comida, é necessário recursos para proteger a todos da radiação, senão...

— Senão o que? – Perguntou o general bruscamente.

— Corre o risco de a zona que moramos, virar uma zona morta, como a Europa, Asia e África.

O general riu.

— Você quer impor medo para conseguir recursos. – O general se virou para Dario, com uma expressão séria no rosto. – Volto a dizer, precisamos de recursos, senão, os rebeldes que transformarão isso em zona morta. Ele fala em pesquisas com melanina, mas os africanos morreram todos. – Terminou com um sorriso irônico.

— Senhor, os africanos morreram por falta de recursos para avançar as pesquisas. – Respondeu corajosamente, mesmo sabendo que isso era um perigo extremo. – A roupa e o pigmento não salvam, apenas protegem contra a morte precoce por radiação severa, o que vai nos salvar agora é trabalhar para retroceder o afinamento e a pesquisa com os protetores da agricultura.

— Primeiro ministro, se deixar os rebeldes agirem agora, adeus tudo o que lutamos para conseguir.

— Mas senhor...

Heitor foi interrompido com um aceno de mão de Dario.

— Heitor eu entendo a sua preocupação, mas hoje nossos espiões acharam informações que nos preocupam um pouco mais.

— Mais que a morte por radiação?

A ousadia de Heitor, recebeu de Dario um olhar fulminante, logo Heitor percebeu que se excedeu, e desviou o olhar acanhado.

— Desculpe senhor. – Heitor se recompôs. – Mas quero que entenda a urgência...

— Estou lhe dizendo, eu entendo a urgência, mas você precisa entender. – Ele se endireitou na cadeira, pegou um maço de folhas e as colocou na frente de Heitor. – Sabe o que é isso?

Heitor olhou para os papeis que começavam com o título, A agenda Max. Ele não entendeu e fez sinal negativo com a cabeça.

— Rebeldes Heitor. – Disse Dario.

— Pessoas com planos para derrubar o nosso sistema. – Completou o general. – Eles têm acesso a muitas coisas, querem realizar diversas ações para tomar o centro máximo, pouco importam o que podem destruir, eles não ligam para a sua pesquisa.

— Pelo que dizem os espiões. – Começou Dario. – Tem dedo de agentes imigrantes de regiões ameaçadas. Parece que tem planos para ações a bomba no centro. Receio que o pedido do general é razoável e acho que você pode ajudar nisso.

— Eu senhor? – Heitor não entendeu nada.

— Eu posso te dar dinheiro para investimentos, mas não para pesquisas de ozônio, ou melanina.

— Mas senhor, o assunto da radiação é muito urgente.

— Heitor. – Disse o general. – Você entendeu que existem rebeldes querendo destruir o governo? Acha que acontecerá o que, quando eles destruírem o prédio máximo do poder. – O general apontou para os papeis. – É isso que eles querem. – Ele se exaltou. – Se conseguirem, adeus pesquisa, adeus roupas, camada, negro, e tudo o que luta nessa vida.

— O general tem razão. – Disse Dario. – Não estou dizendo que não voltaremos as pesquisas, mas agora, devido a escassez de recursos, preciso prestar mais atenção a essa tal agenda Max dos rebeldes. E por isso eu peço que se junte aos engenheiros físicos.

— O que eu faria lá?

— Segundo os espiões, os rebeldes querem usar bombas magnéticas no centro, querem começar destruindo as tropas que se reúnem para o bloqueio.

— Nós já localizamos o cientista que trabalha para eles. – Disse o general com um sorrisinho. – Deveríamos tortura-lo para falar a verdade, mas o meu plano é outro.

— Queremos que você se junte aos outros engenheiros e desenvolva algo que carregue a bomba até o centro e a detone.

Heitor ficou perdido, tentou agrupar as ideias para ver se entendeu corretamente.

— Quer ajuda para detonar a bomba deles no centro?

— Uma espia nossa, irá passar as coordenadas para eles, segundo constam eles estão travados nisso, faça os cálculos e descubra o que poderá transportar a bomba sem detona-la antes.

— Mas senhor. – Heitor estava perplexo, aparentemente eles estavam planejando a morte de seus soldados e destruição da cidade. – Porque detonar uma bomba no centro?

— Nossa espia. – Disse Dario. - Irá ajuda-los com um transfer localizador, ela desenvolveu um código por microchip na bomba, que espalha um vírus para os ips ligados ao material que usaram para desenvolver. Na hora que a bomba explodir, teremos todas as localizações e acessos deles sem que desconfiem de nada.

Heitor entendeu perfeitamente o plano, mas ainda parecia desumano. Ele desconhecia as aspirações rebeldes, mas uma certeza ele tinha; o medo de ver os rebeldes explodindo o governo e por consequência os centros de pesquisas, que constituíam o único elo de sobrevivência, era algo assustador.

— Sei que tudo isso é algo maluco na sua cabeça Heitor. – Disse Dario. – Mas entenda, não temos escolha, ajude-nos a desenvolver esse condutor, que transporte a bomba sem detonar antes e passamos a ideia para a nossa espiã. Segundo ela, eles não estão nem perto de chegar à resposta, porém, se demorarmos muito, uma hora chegarão. Posso contar com você?

Heitor analisou profundamente, mas logo a realidade veio à tona, como ele poderia negar um pedido para o primeiro ministro e seu ministro da defesa, com certeza ao negar qualquer coisa, estaria assinando sua sentença de morte, portanto a resposta era mais simples do que imaginava.

— Pode contar comigo.