Atividade cerebral desconhecida

Atividade cerebral desconhecida

Carlo Cezar Manesco

As páginas a seguir foram encontradas no fundo de uma gaveta, num quarto do terceiro andar no hotel K. em Boca Raton, Flórida, tendo sido entregues a nós por um engenheiro aposentado, homem insuspeito, funcionário exemplar de multinacional reconhecida mundialmente.

Esse engenheiro, viúvo e pai de dois filhos, se encontrava em meio a um passeio por algumas cidades históricas e balneários de grande fluxo turístico, no sudeste americano, quando deparou com os “documentos”, se é que podemos usar tal palavra.

Será difícil denominar corretamente esses papéis devido ao mistério sobre o caso, haja vista a ausência total de provas materiais definitivas, informação ou reconhecimento por testemunhas. As polícias continuam trabalhando na expectativa de encontrar pistas que levem a um possível esclarecimento. Até o momento da primeira edição deste relato, porém, o mistério não havia sido solucionado. A seguir.

“Senhor editor,

"Estando eu a gozar a tranquilidade de uma merecida aposentadoria, sendo viúvo e com dois filhos no exterior, agora, em vez de visitá-los como fiz em outras ocasiões, decidi conhecer algumas cidades importantes nas quais ainda não havia estado. Então, chegando em Boca Raton, resolvi dormir ali. O plano era permanecer na cidade por uns dias e depois continuar a viagem.

“Na manhã seguinte a gerente do hotel, muito simpática, elegante e charmosa, quis saber se eu estava sendo atendido a contento, se havia alguma reclamação a fazer, se eu estava gostando das panquecas, omelete com bacon, torradas com mel, waffles com calda de chocolate, frutas etc, no café da manha. Entabulamos uma conversa agradável e logo descobri que, assim como eu, aquela bonita e atraente mulher era também apreciadora de uma boa leitura, um bom texto literário, pois havíamos comentado que seria ótimo ler um livro depois de um passeio matinal pelos pontos interessantes da cidade.

“Falamos sobre alguns autores e livros. Perguntei se havia algo no hotel sobre escritores locais discorrendo sobre a fama do lugar e seus pontos mais conhecidos e visitados. Ela hesitou por instantes, abaixou a cabeça, alisando o queixo delicado com o polegar e pareceu profundamente concentrada em alguma coisa, não exatamente sobre o que eu havia perguntado, mas sobre algo mais interessante e misterioso do que pretendia minha inocente pergunta.

“Algumas pessoas já disseram que meu rosto, minhas expressões faciais, talvez, ou até meu modo de conversar e gesticular discretamente, parecem ter alguma força, no bom sentido, para levar o interlocutor a confiar em mim e a não duvidar de minhas palavras e intenções. Que assim seja. Sinto-me feliz em poder despertar esses sentimentos, ou alguma confiança, naqueles que entram em contato comigo.

“Pois bem. A gerente se mostrou empolgada com aquela conversa e me chamou à parte. Alguns hóspedes, em outras mesas, nos observavam. Ela disse, num cochicho, conhecer um estranho caso que tinha alguma semelhança com o que estávamos falando. Eu fiquei satisfeito com aquela repentina intimidade, embora já estivesse considerando que nosso interesse pelo mesmo assunto deveria autorizar pessoas civilizadas a terem o desejo de compartilhar ideias e trocar impressões sobre isso ou aquilo.

“Então aconteceu algo que me deixou bastante surpreso. Minha nova amiga me contou, como se revelando segredos a um velho conhecido, a seguinte história.

“Um hóspede havia abandonado a mala e alguns papéis num quarto do hotel, no terceiro andar. Ela disse 'terceiro andar' com olhares desconfiados e reverentes ao mesmo tempo, como se aquilo tivesse um significado maior além do fato em si, parecendo se lembrar de algo incomum, ou, ainda, como se o fato de um quarto estar no terceiro andar pudesse agregar algo importante ao que seria dito.

“Ela disse que o hóspede tinha desaparecido misteriosamente depois de sair de manhã para um passeio ao redor do hotel. Aí surgiu a brincadeira, entre os hóspedes, que ‘o desconhecido havia sido abduzido’.

“O ‘desconhecido’ era um norte-americano de 33 anos.

“A gerente do hotel deduziu que ninguém sentiria a falta dos documentos apresentados pelo enigmático hóspede. Imediatamente após o desaparecimento, a polícia foi notificada e iniciou as investigações. Nada de muito relevante surgiu daí.

“Ela havia confiado inteiramente em mim. Disse que havia alguma coisa estranha no comportamento daquele hóspede. E confirmou ter entregado tudo à polícia, menos aquilo. E o que era aquilo?

“Aparentemente ela sentiu que havia em mim um cúmplice e, após o almoço, em torno das 13h00, me arrastou de novo para um canto e me entregou um monte de folhas com um texto em inglês. Queria minha opinião a respeito. Isso, sem mencionar de que eu ia ‘contribuir para aumentar o lucro do hotel’, já que teria de permanecer por mais algum tempo ali. Rimos os dois sob o efeito daquela piadinha e, então... estive embasbacado ao tomar conhecimento do conteúdo dos tais papéis.”

A história segue como foi encontrada nos originais, então traduzidos para nosso idioma.

Pode me chamar de Ismael, por enquanto, afinal, meu nome verdadeiro pouco interessa agora, pelo menos a você, prestes a entrar em contato com uma história sem precedentes.

O nome de alguns lugares e hospitais podem ser fictícios, mas o caso é real.

Sou repórter, ou melhor, fui repórter até pouco tempo atrás, num grande jornal em Nova York. As histórias, qualquer história, sempre me interessam bastante, e esta, precisamente esta, me caiu em mãos através de minha falecida esposa, Natalie, enfermeira-chefe na UTI de um grande hospital em Portland, no Oregon.

Ela foi contando tudo que sabia, aos poucos, sem exageros, dizendo unicamente a verdade, agora sei, (ela me ligava várias vezes durante o trabalho para me pôr a par de tudo) porque havia descoberto estar sendo seguida e vigiada, dia a dia, minuto a minuto, pelos serviços secretos dos Estados Unidos. Quando ela chegou ao fim da história, isto é, a um fim manipulado por altas autoridades americanas, foram com tudo pra cima dela. Aliás, tudo muito bem preparado e apresentado como um acidente de trânsito numa noite chuvosa em Portland.

Naquela mesma noite, uma colega dela me ligou dizendo que desconfiava seriamente do modo como a coisa havia acontecido, não acreditando na versão da polícia - ‘morte acidental’.

Ela não acreditava justamente por estar a par dos segredos guardados por Nat, afinal, além de colegas de trabalho, eram amigas próximas.

Graças a essa amiga eu estou vivo... ainda. Conhecemos a eficácia dos serviços secretos americanos. Logo chegarão a mim e não haverá como escapar. Querem me pegar, estão com a faca entre os dentes... porque eu (além daquele grupo reduzido que trabalhou intensamente por algumas semanas no 3° andar da UTI com pacientes terminais), apenas eu, por enquanto, sou o guardião de um dos segredos mais bem guardados de todos os tempos.

A amiga de Nat também foi assassinada alguns dias depois, dizem, por uma ‘dupla de marginais à cata de alguns trocados’. Portanto, devo trabalhar rapidamente e me ater somente ao que interessa, exclusivamente aos fatos, sem enrolação, numa tentativa de mostrar a verdade ao mundo.

A história é sobre Oliver Osmunt.

Ele seguia em baixa velocidade, fazendo zigue-zague na autoestrada, em direção à Portland, Oregon, depois de três ou quatro latas de cerveja, imagino. Estava meio zonzo, ainda não embriagado, mas Emily, sua namorada, tinha a intenção, àquela altura, de não permitir que ele continuasse bebendo, pois sabia dos perigos emboscados num motorista alcoolizado por trás de um volante.

Ele fazia os zigue-zagues (menos por estar zonzo e mais para se divertir) querendo brincar com Emily; sabia que ela não apreciava altas velocidades ou brincadeiras numa pista. O organismo de Oliver, na verdade, tinha baixa tolerância ao álcool, portanto, não era preciso ingerir muita bebida para se sentir meio mole ou zonzo. Emily sabia disso também. Estavam juntos há alguns meses e iam se conhecendo bem um ao outro.

Eu investiguei a vida particular e profissional de Oliver, aliando minha natural curiosidade de repórter a algum poder investigativo, orientações e dicas que herdei de meu pai, um excelente detetive com várias condecorações na polícia de Nova York.

De modo que, ao cabo de um ano, aproximadamente, depois de conversar com os colegas, amigos, ex-namoradas e até mesmo com uma tia de Oliver em Las Vegas, sua terra natal, fiquei a par de uma enorme quantidade de informações sobre a vida dele, infância, o colégio, as inclinações profissionais, relações com familiares e amigos, possíveis doenças congênitas ou hereditárias, tratamentos médicos a que havia se submetido e um quadro geral sobre seu estado de saúde.

Eu saí de Nova York, onde trabalhava, no leste dos Estados Unidos, chegando até Las Vegas, Nevada, e depois ao Oregon, atravessando praticamente todo o território americano, movido por uma curiosidade acima do normal, porque meu faro me dizia haver algo grandioso por trás do drama de Oliver. Eu não sabia o que era, mas intuía uma grande história ali.

Enquanto o sol sumia no horizonte, naquela pesada atmosfera de um dia sinistro em Portland, a fraca claridade no início da noite impunha que se acendesse os faróis do carro, pelo menos em luz baixa.

Emily, a namorada de Oliver, a todo momento ia apertando levemente o braço dele, provavelmente insistindo para que ele deixasse de ‘ser criança’ e se comportasse ‘como adulto’. Ela pensava em evitar alguma tragédia? Sim, devido à quase embriaguez do namorado, que teimosamente seguia fazendo estripulias sobre o asfalto sombrio e liso devido ao início de um chuvisqueiro se precipitando na noite. No oeste do Oregon, as chuvas vêm num piscar de olhos, surpreendendo os viajantes.

Oliver Osmunt tinha 26 anos. Conseguira um emprego numa companhia de Seguros em Las Vegas, e um ano depois havia sido transferido para Portland, onde chegara a seis meses. Agora voltava de uma festa de aniversário de um sobrinho da namorada, numa cidade vizinha a Portland.

Aquele era um início de noite especialmente frio; sendo a última semana do outono no Hemisfério Norte, a temperatura caíra bastante e existia a possibilidade de geadas antecipadas nas próximas madrugadas. O chuvisqueiro ia se tornando mais intenso e Oliver passou a usar luz alta para se orientar melhor na estrada. Isso é o que todos nós fazemos.

De repente, num gesto inesperado para Emily, que acreditava estar vencendo aquela briga e impondo sua vontade, ele abriu o porta-luvas e apanhou uma lata de cerveja que havia lá (acredito que tenha sido assim que tudo aconteceu). Ela deve ter estremecido ao ver aquilo, tentou impedir mas hesitou, demonstrando preocupação com a atitude de Oliver. E sorriu ironicamente (as meninas usam esse artifício numa tentativa de impor limites aos namorados) ao ouvir o estalido chiante do lacre da cerveja.

Oliver bebeu metade da lata numa só vez, em grandes goles, parando em seguida para respirar depois de um estalar da língua. Lambeu os lábios e deve ter gemido de um modo prazeroso, como fazem os bons bebedores de cerveja. Talvez tenha olhado maliciosamente para Emily, bebendo e acabando com tudo antes que ela pudesse impedi-lo. Continuava brincando com a namorada, sem dar atenção aos pedidos dela, não por maldade, ao contrário, queria estabelecer um clima tranquilo e zombeteiro, despreocupado, no interior do veículo naquela noite escura, fria e chuvosa.

Até onde pude verificar, Oliver era um cara inteligente e bem-humorado. Naquele momento, com o cérebro embotado pela cerveja, teria sido incapaz de perceber que ia deixando Emily verdadeiramente preocupada e com medo debaixo daquela pancada de chuva na escuridão frouxamente rompida pela luz dos faróis; um bom pé d’água era já denso e pesado, permitindo escassa visibilidade ao longo da estrada.

Oliver parou num posto de combustível para abastecer; estavam a 10 milhas de Portland, a cidade mais ‘verde’ dos Estados Unidos da América. Ali há muitas florestas e matas, muita chuva, também muito frio e nevascas. Ele encheu o tanque e, ao pagar, pegou um buquê de rosas vermelhas para entregar à namorada, colhidas mesmo nos viçosos roseirais de Portland cultivados nas estações apropriadas.

Sobre o asfalto bastante liso e escorregadio (como pude verificar consultando as condições climáticas e de tráfego à hora do acidente), o aguaceiro, entre relâmpagos e trovões, ia inundando alguns trechos e arrastando uma mistura de areia e terra sobre a estrada. O ressoar dos estralos entre as nuvens cortadas pela energia violenta das descargas criava uma cena assustadora na escuridão.

Houve em seguida um estrondo violento, abafado em parte pelos trovões. As luzes artificiais se apagaram entre o ruído de vidros estilhaçados e aço se retorcendo num choque brutal.

O motorista do caminhão frigorífico vindo em sentido contrário nada pôde fazer; o carro de Oliver havia deslizado de modo incontrolável sobre a pista e rodopiado várias vezes antes de se chocar violentamente, frontalmente, contra o caminhão. Em seguida houve silêncio por instantes, rompido apenas pelo som das gotas da chuva e de algum líquido escoando. Uma lata de cerveja rolava lentamente sobre a pista ao lado do carro. As unidades de atendimento de Portland chegaram 7 minutos depois.

Além de várias latas de cerveja, encontraram a cabeça de Emily no banco traseiro do veículo; o resto do corpo permanecia preso ao cinto de segurança no banco da frente. Paramédicos e bombeiros se concentraram numa tentativa de reanimação de Oliver, em meio ao forte cheiro de combustível, enquanto o condutor do caminhão se mantinha desolado, assistindo a tudo sem nada poder fazer, de acordo com o relatório da Polícia Estadual de Trânsito.

A chuva havia diminuído agora, se transformando em chuvisqueiro outra vez, produzindo pequenas riscas de um líquido viscoso rosado escorrendo das laterais do carro, que mudava às vezes para um vermelho mais vivo, sanguíneo, rebrilhante sob a forte iluminação das ambulâncias e de outros carros.

Johnny Lessinole, chefe da equipe de paramédicos, constatou em seguida a parada cardiorrespiratória do motorista.

A roupa de Oliver, principalmente sua camisa branca, estava tingida de sangue; havia hematomas em seu rosto e braços. Seus cabelos claros, pendendo para o castanho, também estavam manchados de sangue, emplastados em algumas partes devido aos ferimentos na cabeça. Após o procedimento imediato e certeiro dos socorristas, ele foi capaz de recuperar os sinais vitais, sendo transportado em seguida para um dos maiores hospitais de Portland, o Oregon Healt & Science University (OHSU).

Vou acrescentar, neste relato, alguma coisa por conta própria, afinal, não posso saber exatamente como tudo ocorreu, pois não fui testemunha ocular dos fatos, tal condição cabendo à Nat, minha falecida esposa e enfermeira-chefe na UTI onde Oliver esteve agonizando.

Embora eu não tenha sido testemunha ocular, fui muito bem informado a respeito. Vou colocar alguma coisa por conta mas não irei exagerar, serei explícito nos pontos mais importantes e bastante rigoroso na tentativa de mostrar de maneira fiel os acontecimentos como me foram relatados.

Nat já não suportava guardar apenas para si o que acontecia. Eu sei que ela não estava mentindo nem teria motivos para faltar à verdade; não havia interesse de sua parte em deturpar ou corromper a história. Ao contrário. Ela precisava falar com alguém de fora, desabafar, encontrar uma válvula de escape para não se sentir soterrada por tudo, tamanho era o peso que sentia sobre os ombros. Mas teve de pagar um preço altíssimo por isso, ou seja, entregou a própria vida para se ver livre de um terror mental, também dominada por uma vontade de trazer à tona a verdade.

‘Entregar a própria vida’ é só uma maneira menos chocante de dizer o que aconteceu, porque, na verdade, ela não entregou a vida; eles a tiraram de um modo brutal e criminoso. Talvez ela continue viva em algum lugar, numa outra dimensão, ou noutra galáxia, após o ocorrido. Depois de toda essa tremenda história, não duvido de mais nada. Tudo pode acontecer, tudo pode mudar de uma hora para outra; nossas verdades pretensamente indestrutíveis podem ruir de repente... ao indício de uma outra verdade mais poderosa sendo revelada.

Oliver Osmunt deu entrada no OHSU às 21h35 do dia 17 de dezembro, em coma, embora tenham sido preservados seus sinais vitais. Às 15h14 de 18 de dezembro ele parou de respirar. Entraram em ação os tubos e as máquinas mantendo em funcionamento os órgãos essenciais (para possíveis doações), à espera de uma decisão do hospital sobre o direito de desligar ou não os aparelhos que mantinham Oliver vivo.

Há uma fila de pacientes à espera de rins, fígado, tecidos, córneas, coração, pulmões etc, na América. Às vezes existem batalhas judiciais envolvendo a questão, mas a equipe especializada do OHSU começou a trabalhar imediatamente após a constatação da morte do paciente, com o intuito de localizar o mais rápido possível algum parente próximo para o caso de autorização de transplantes.

A ética está sempre presente nesses casos; é um assunto extremamente delicado. Mas são raros os diagnósticos errados sobre morte declarada. Em Nova York, meu estado natal, os hospitais têm de entrar em contato com a família antes de decidir como vão proceder. Mas não há essa exigência por parte da lei no Oregon; é o comitê de ética hospitalar que decide se irá desligar ou não os aparelhos. Aliás, a Lei da Morte com Dignidade, pioneira nos Estados Unidos da América, surgiu no Oregon em 1997, criando jurisprudência para esse tipo de morte.

Há histórias famosas sobre isso, como a situação de Karen Ann Quinlan, que permaneceu num estado vegetativo por nove anos ainda depois de ter sido desconectada de um respirador mecânico. Terri Schiavo continuou em estado vegetativo por quinze anos, vindo a morrer treze dias depois de ter sido desconectada de um tubo de alimentação. Nesses casos não havia morte cerebral constatada, mas um estado vegetativo persistente.

A morte é declarada quando há danos cerebrais irreversíveis. O coração continua a bater, ainda que impulsionado por máquinas. Era o caso de Oliver Osmunt.

Então aconteceu algo surpreendente. O diretor de Neurociências do OHSU, Dr. Robert J. Hurtmaticci, pôde constatar, ao lado de outros especialistas, um sinal evidente e inequívoco na mão direita de Oliver Osmunt, isto é, um breve estremecimento em dois dedos da mão do paciente.

Poderia ter sido um espasmo pós-morte, algo involuntário, porém aqueles pequenos movimentos persistiram por vários minutos. Logo depois todos os dedos da mão direita de Oliver, inclusive o polegar, passaram a se mover, lentamente, como numa espécie de movimento rítmico, quase como se estivessem simulando uma digitação improvisada, ali mesmo, sobre o lençol do leito na UTI. Todos ficaram espantados diante daquilo. Foram feitos os exames necessários para a declaração da morte cerebral, mas o paciente... parecia estar vivo!

O Dr. Hurtmaticci imediatamente determinou que fossem realizados novos testes, incluindo angiograma e eletroencefalograma, além do toque na córnea e o teste de apneia. Se o paciente não piscar ou não tentar respirar quando da elevação gradual do nível de dióxido de carbono no sangue, então não há mais nenhuma vida.

Seis horas mais tarde os testes foram refeitos, para eliminar a mínima dúvida, se houvesse.

Mas os dedos da mão de Oliver Osmunt seguiam numa dança misteriosa e cheia de presságios àquela altura, pois não havia dúvida de que seu cérebro perdera todas as funções neurológicas.

Ao lado de minha esposa um enfermeiro disse que parecia um ‘bailado fúnebre’ a dança dos dedos de Oliver. Ninguém riu. Ele tentou corrigir, ‘um balé em miniatura’, com os cinco dedos da mão coadunados em movimentos harmoniosos como se estivessem executando primorosos passos de uma ‘nova dança’ ao tamborilarem aleatoriamente sobre o lençol. Esse enfermeiro estava certo e errado ao mesmo tempo. Estava certo ao se referir a uma ‘nova dança’ diante daqueles movimentos aparentemente involuntários; estava errado ao considerar a ‘dança dos dedos’ de Oliver alguma coisa aleatória.

A morte encefálica do paciente na UTI do OHSU estava se tornando um caso raro, singular. Um impasse. Algo que nenhum especialista consegue explicar ou traduzir em palavras simples, sem academicismo, ao cidadão comum que lê jornais e revistas, vê um telejornal ou acessa a net. Em situações como essa, boatos proliferam numa velocidade espantosa. Ninguém sabe o que acontece exatamente, mas todos querem opinar e emitir uma ideia a respeito, embora a maioria nem saiba do que se trata. Muito diz que diz traz em seu rabo de cometa deduções estapafúrdias, como algumas que começaram a surgir no 3° andar do OHSU.

Sem que ninguém soubesse dizer claramente ‘como’ ou ‘porque’, ou o que significava aquilo, ali se instalou uma tensão inexplicável, ‘uma energia poderosa’, desconhecida, de acordo com as palavras de Nat repercutindo os comentários dos médicos e de outros especialistas.

Eu preciso dizer que havia também algo misterioso por trás de tudo. Todo mundo sabia como, e porque, havia se instalado uma tensão inexplicável: era devido à dança dos dedos da mão de um corpo com morte encefálica e expressão cadavérica. Qual seria a origem daquilo?

Em algum momento, num daqueles corredores, alguém disse algo que se aproximava de uma ideia alucinada, até apontando uma possibilidade sobrenatural sobre os reflexos de uma vida além-morte exprimindo um palavreado, buscando um contato... ou a mensagem de um ET manipulando a massa morta na intenção de se comunicar com os humanos.

A direção do OHSU se esforçou para evitar o vazamento de informações relacionadas ao caso, mas alguns repórteres foram se infiltrando astuciosamente pelos corredores do 3º andar do hospital, se aproximando da UTI ou tentando ‘seduzir’ alguma enfermeira com a intenção de obter informações e encontrar respostas para aquele mistério.

Claramente era algo que fugia aos padrões da constatação de uma morte cerebral, ou mesmo de um coma profundo, de modo que os repórteres mais espertos haviam farejado ali uma boa história para seus jornais e leitores.

Pessoas de outras categorias e grupos profissionais também assomaram ao OHSU, convidadas pela direção para darem apoio aos médicos que iam cuidando do misterioso paciente do 3° andar, como por exemplo o famoso neurocirurgião de origem italiana Dino Sppiati, e a conhecida cosmóloga de origem hispânica naturalizada americana Dionila Santorres.

Àquela altura, os profissionais da imprensa estavam dando pulinhos de alegria e ansiedade para entrevistar os doutores ligados ao caso, mas foram barrados em seu propósito e, pior, impedidos de se aproximarem da UTI. Até que alguém decidiu pôr seguranças à porta da UTI e em outras áreas, praticamente isolando o terceiro andar do OHSU. Assim, repórteres, curiosos e outros penetras foram impedidos de circular livremente na área vigiada, um sinal claro de algo tremendo acontecendo nos domínios daquele hospital.

Novas cintilografias e outros exames foram realizados, mas o diagnóstico não mudou: morte cerebral. E também não cessou a esquisita dança dos dedos da mão direita de Oliver Osmunt.

Os especialistas se mostravam cada vez mais surpresos e literalmente de boca aberta diante daquele estranho caso que ia configurando uma atividade cerebral desconhecida até então, pois não havia dúvida de que a ordem para aqueles movimentos aparentemente sincronizados partiam do cérebro do paciente, embora tal cérebro estivesse ‘apagado’.

A curiosidade e o impasse aumentaram. Muitas perguntas sem resposta. Um cérebro morto pode enviar ordens? Como era possível àqueles dedos se movimentarem? A mente de Oliver Osmunt seria a responsável por aquilo ou havia algo mais por trás? Os especialistas do OHSU e seus colegas de outros hospitais se viam perplexos e impotentes. O neurocirurgião Dino Sppiati, do Johns Hopkins Hospital, de Baltimore, levantou outra possibilidade.”

Nota do editor.

Aqui a narração foi interrompida. Encontramos em outras páginas o que seria um resumo da sequência deste relato. A saber.

Novos especialistas chegam ao hospital, no terceiro andar, agora isolado devido à preocupação e intensa curiosidade jornalístico/científica sobre a tal atividade cerebral desconhecida.

Há a suspeita de que pode estar acontecendo uma comunicação alienígena. Cientistas são convidados a participarem dos estudos. Chegam astrofísicos de vários países. Os serviços secretos do primeiro mundo e a NASA tornam mais rigoroso o isolamento do terceiro andar do hospital.

Neurocirurgiões e astrofísicos se debruçam vinte e quatro horas por dia sobre o paciente.

Começa a surgir o consenso de que é algo completamente diferente do que se viu até hoje.

Máquinas e aparelhos de última geração são postos a trabalhar sobre o cérebro do enigmático ocupante do terceiro andar.

Ganha o noticiário a lenda sobre “segredos de estado” no hospital.

As pessoas se mostram perplexas, assustadas. As Forças Armadas dos Estados Unidos da América assumem, primeiro, a segurança do terceiro andar; depois sobre toda a área em que fica o hospital.

Há uma remota possibilidade de que o ser humano esteja, pela primeira vez, nalgum tipo de contato com alienígenas.

Há o impasse. Neurocirurgiões não acreditam na possibilidade de uma suposta comunicação extraterrestre. Astrofísicos se mostram empolgados com tal possibilidade.

Depois de muita discussão e estudos sobre o paciente, neurocirurgiões cedem e se mostram dispostos a colaborar com a tese de que há uma interferência alienígena no caso, assim como os religiosos acreditam que há interferência divina em algumas recuperações de doentes, como os milagres, por exemplo.

Os estudos são intensificados. Tudo parece caminhar para uma só direção. O paciente do terceiro andar seria o instrumento de algum tipo de vida além-terra procurando se comunicar com os terrestres.

Tradutores de muitas línguas e estudiosos dos antigos ramos linguísticos comparecem.

Depois de várias semanas de estudo e pesquisa, infindáveis exames e testes; depois de um teclado digital colocado sob os dedos dançarinos de Oliver Osmunt; após intenso debate entre todos os envolvidos naqueles estudos, o alto comando das Forças Armadas tem a espantosa revelação de que o ocupante do terceiro andar recebe mensagens de um ser desconhecido, de um tipo de vida muito além da nossa imaginação.

Novos ajustes são feitos no sentido de impedir que tal descoberta chegue ao conhecimento de todas as pessoas, enfim, do mundo inteiro. Há muita coisa em jogo.

Após infindáveis tentativas para descobrir as mensagens do alienígena, os astrofísicos, assessorados por tradutores, especialistas em línguas antigas e decifradores de caracteres e símbolos, debruçados sobre os cálculos e arranjos de computadores superpotentes, chegam à alarmante revelação contida naquelas tentativas de comunicação: há uma possibilidade de que o alienígena esteja muito além do que possa supor nossa limitada mente terrestre. É possível que estejamos recebendo uma mensagem de algum tipo de vida a muitos bilhões de anos da Terra.

Estarrecidos, todos aqueles estudiosos preveem e compreendem, depois de verificar incontáveis vezes seus cálculos, que as mensagens têm viajado através do espaço por trinta bilhões de anos aproximadamente. Tudo aquilo parece uma grande loucura diante dum simples e imediato exercício de compensação: uma vida inteligente existe num mundo desconhecido num universo com o dobro da idade do nosso!

O que é o universo estudado até aqui? Uma porcentagem mínima, talvez, e também essa parcela não seria ao pé da letra, pois existe a possibilidade de que ele seja infinito, aí não seria possível medir nada. A própria eternidade do universo é autodeclarada em suas vastidões sem fim, em seus abismos inconcebíveis que jamais serão estudados.

Desânimo. Desespero. Muitos compreendem o que isso pode significar: que nada significam os dez mil anos de história do ser humano; que nada significam os 4,7 bilhões de anos de vida da Terra; que nada significam os quinze bilhões de anos do “nosso” universo.

Seria o caos. As religiões, a filosofia e a ética seriam consideradas inúteis, afinal, o que significam quinze bilhões de anos quando outro tipo de vida longínqua, remota, com o dobro da idade do nosso universo, tenta se comunicar com a gente? Seria destruída a maior parte das teorias, até o BigBang. Teríamos de rever todos os conceitos.

As Forças Armadas articulam um plano para eliminar o paciente comatoso do terceiro andar. Os neurocirurgiões prestam assessoria. Os astrofísicos se revoltam contra o plano. Mas, numa rápida operação secreta, Oliver Osmunt é finalmente desligado dos aparelhos.

Carlo Manesco
Enviado por Carlo Manesco em 19/07/2021
Código do texto: T7302518
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