Os que vêm com a noite

Foi Sreten, de plantão no posto de observação de Kilibarda, quem identificou corretamente o módulo de desembarque que acabara de entrar em nossa atmosfera.

- Já vi esse modelo antes... são os nóshni.

- Por que não foram para o lado diurno do planeta? - Questionei. - Querem nos pegar desprevenidos?

Sreten fez um aceno negativo.

- Não estão tentando se esconder; os nóshni têm um problema com a luz do dia. Algo a ver com o seu metabolismo.

Os visitantes entraram em contato pouco depois, pelo rádio. Informaram que estavam descendo em Kilibarda para comprar suprimentos para sua astronave interestelar, que estava em órbita de Sheda.

- Do que precisam? - Indagou Sreten, que assumira o console de comunicações no lugar da oficial que normalmente faria este trabalho.

Os nóshni fizeram referência a vários tipos de alimentos concentrados para humanos. E também, alguns medicamentos.

- Isso poderá ser providenciado - replicou Sreten.

E após desligar o microfone:

- Não estão comprando estes suprimentos para eles, mas para a carga que transportam - observou.

Jova, a oficial de comunicações, o encarou apreensiva.

- Que espécie de carga transportam? - Perguntou.

- Seres humanos, podem apostar - replicou Sreten. - Os nóshni nos usam como usamos vacas... mas em vez de leite, extraem o nosso sangue. Tomam cuidado para não matar seus prisioneiros, ao menos não de imediato; ouvi dizer que uma pessoa pode durar vários anos, servindo de gado para eles.

- E não vamos fazer nada? - Questionou Jova indignada.

Sreten suspirou.

- Sheda é só um posto avançado, não temos como abordar aquela imensa nave interestelar em órbita. E também não acho que vá adiantar alertar o Diretório de Defesa, esses prisioneiros devem ser escória da sociedade, gente indesejável. Os nóshni certamente não os sequestraram, mas os compraram de alguém.

- Estamos vendendo nosso próprio povo para ser devorado por criaturas alienígenas? - Jova estava ficando realmente irritada.

Sreten deu de ombros.

- Sejam lá quem forem, só deviam dar prejuízo.

* * *

Na manhã seguinte, depois que os nóshni já haviam partido, encontrei Jova no refeitório do posto de observação. Sentei-me à frente dela, que me encarou com frieza.

- Você não se manifestou diante daquela situação absurda - foi seu primeiro comentário.

- Sreten é nosso chefe; o que eu poderia fazer? - Questionei.

E diante do silêncio dela, acrescentei:

- Ah, mas eu fiz uma coisa sim.

Inclinei o corpo para a frente e sussurrei:

- Mandei duas dúzias de granadas de fusão, misturadas com os suprimentos médicos.

Jova arregalou os olhos.

- Com um pouco de sorte, dá pra provocar um motim e tomar o controle da nave - observei. - Se você já foi considerado morto, não custa nada arriscar...

Jova apenas balançou a cabeça, em concordância; mas pela sua expressão, vi que estava menos zangada comigo.

- [07-11-2021]