Chamariz

Foram as luzes no lado noturno de Geometra que nos atraíram até ele, embora não houvesse nenhum sinal de que ali houvesse vida inteligente. Da ponte de comando da fragata de pesquisa "Wolpertinger", observávamos o espetáculo na superfície, 400 km abaixo de nós, enquanto circundávamos o planeta a cada 90 minutos.

- Nenhum sinal de rádio, micro-ondas ou transmissão por laser? - Indagou o comandante Steffen, de pé à frente da tela principal da ponte.

- Se estão transmitindo, ou usam cabos ou adotaram alguma tecnologia que desconhecemos - redarguiu do seu posto Theres, a primeira-oficial.

- Nada nos canais subespaciais - acrescentou o tenente Kai, responsável pelas comunicações.

Na tela central, abaixo das nuvens que cobriam a superfície, surgiam aqui e ali padrões geométricos luminosos, principalmente círculos concêntricos compostos por pontos que teriam cada um mais de 10 km de diâmetro. Impossível não pensar naquilo como as luzes noturnas em megacidades alienígenas.

- As luzes estão acesas, mas não há ninguém em casa - filosofou o comandante. - E do lado diurno, algum sinal de atividade tecnológica?

- Os mesmos padrões geométricos, mas também não detectamos fontes de força para abastecer essa iluminação noturna em larga escala - redarguiu Theres.

- Poderíamos estar diante de algum fenômeno natural bizarro? - Ponderou Steffen.

- Se for, é algo nunca visto - replicou Theres. - Seria bom mandar um grupo de desembarque dar uma olhada.

* * *

Uma vedeta da "Wolpertinger", conduzindo a primeira-oficial, um exobiólogo e um astroarqueólogo desembarcou numa planície à beira-mar, próximo ao terminador de Geometra. O sol daquele sistema solar, uma anã alaranjada denominada Lepidoptera, estava a poucos graus acima do horizonte; acima deles, nuvens esgarçadas cruzavam um céu descorado.

- A atmosfera não é adequada para humanos, mas há vida animal e vegetal aqui - relatou Theres pelo rádio do traje espacial, pouco depois de desembarcar da nave de ligação.

- Algo sobre as cidades que vimos aqui de cima? - Indagou o comandante.

- Podemos ver grandes estruturas próximas, lembrando torres escuras, algumas com centenas de metros - narrou Theres. - Mas, por ora, sem qualquer sinal de atividade tecnológica que justifique as luzes que vimos.

- A noite já vai cair - replicou Steffen. - Aguardem para ver o que vai acontecer.

E, sem se afastar da vedeta, o grupo de desembarque esperou pacientemente pelo escurecer. Quando as primeiras estrelas surgiram no céu, finalmente tiveram sua curiosidade recompensada.

- Comandante... a base das torres está se iluminando.

Era como se ondas de luz monocromática estivessem sendo liberadas sob a superfície e subissem pelo corpo das torres. Ao atingirem o topo, este se abria como um enorme guarda-sol. E este guarda-sol então, irradiava a luz que haviam visto do espaço.

- O que isso lhe parece? - Indagou Theres para o exobiólogo.

- Cogumelos - respondeu o cientista. - Cogumelos fluorescentes com píleos de dezenas de metros de diâmetro.

Nuvens de aves ou insetos alados revoavam em torno dos "chapéus" luminosos. Se estavam sendo consumidos como alimento ou se cumpriam alguma outra função na ecologia local, isso ainda teria que ser determinado posteriormente.

- Parece que vimos padrões onde, realmente, não há nenhum - comentou Theres para seus companheiros, ao embarcarem de volta na vedeta. - Decepcionados?

- De forma alguma - replicou o exobiólogo. - Creio que há trabalho aqui para gerações de exobotânicos e exobiólogos.

- Concordo com o colega, embora fosse ficar muito feliz se estivéssemos diante de estruturas deixadas pelos gurmari - admitiu o astroarqueólogo.

- Talvez tenhamos sido traídos pela nossa necessidade de dar algum sentido ao universo, - ponderou Theres, decolando para o céu pálido - mas afinal, é isso o que empurra a humanidade para a frente.

E abaixo da vedeta, que subia para seu encontro com a nave estelar em órbita, uma onda de luzes varria a superfície do planeta num balé perfeitamente sincronizado.

- [17-11-2021]