As tempestades eternas

Já de volta à cabine de comando do rebocador, capacete do traje espacial sob o braço, Uxue Yharrassary foi informada que a paciência do chefe de operações da UC-4 estava se esgotando.

- O bandido do Parmenion Lasterra reclamou que estamos demorando muito para fazer o retorno - disse Iuliu Nistor.

- E o que você falou? - Questionou Uxue, instalando-se no assento de pilotagem.

- Problemas mecânicos, o de sempre. Que você estava trabalhando nisso, e não podia atender.

Uxue fez um aceno de cabeça, enquanto avaliava um novo curso descendente para a nave.

- Bom. Mas, da próxima vez em que ele ligar... e ele vai ligar... diga algo mais específico: o problema é na blindagem gravitacional. Até porque, devem estar nos rastreando e vão desconfiar quando começarmos a mergulhar; um defeito no gerador da blindagem vai nos dar a justificativa perfeita.

- Nós vamos mergulhar? - Iuliu piscou os olhos, desconcertado. - Uxue, tenho que recordar: o "Lur Berria" é uma nave espacial, não um submarino; foi projetado para operar no vácuo a maior parte do tempo, não vamos sobreviver a mais do que algumas atmosferas de pressão no casco!

Uxue fez um gesto depreciativo.

- Iuliu, conheço bem os limites de tolerância do casco; nós só vamos descer até o nível das nuvens de água, onde a pressão não é maior que 4 ou 5 bar, e a temperatura exterior está acima de 0ºC. A ideia é que Euterpe Marquelain possa sair da câmara de controle sem o risco de morrer congelada, usando apenas uma máscara de oxigênio que ela já localizou. Quando estivermos aqui dentro, poderemos finalmente voltar ao curso e terminar essa entrega!

- Vocês vão ter que ser rápidas... nem preciso lhe dizer o quanto aquela região é perigosa - ponderou o imediato. - Tempestades violentas formam-se em questão de minutos e arrastam tudo o que estiver pela frente. E nós estamos muito pesados para conseguir manobrar rapidamente.

- Sim, eu sei - Uxue empunhou os controles, embicando o rebocador para dentro da atmosfera de Júpiter. - E lá vamos nós...

* * *

Era como voar à noite, num nevoeiro, com as luzes apagadas.

A escuridão ao redor do "Lur Berria", atravessando uma camada de nuvens de água e gelo com dezenas de quilômetros de profundidade, só não era absoluta porque os relâmpagos iluminavam continuamente o entorno. A escala da cena dificilmente poderia ser apreendida por mera observação, já que não havia nenhum ponto de referência conhecido; apenas os instrumentos de bordo possibilitavam mensurar o tamanho dos imensos cúmulos de tempestade próximos.

- Espero não ter que fazer esse trajeto debaixo de chuva - comentou Uxue, erguendo-se do assento.

- Se fosse só a chuva... - ponderou Iulius. - Há também o granizo, e eu espero que o campo defletor consiga desviar a maioria dos impactos, mesmo não tendo sido projetado para isso. Fora da nossa blindagem, os 2,5 g de gravidade de Júpiter continuam valendo.

- Fique atento ao radar e desvie se houver muito gelo à frente - minimizou Uxue, recolocando o capacete do traje espacial.

De volta à câmara de descompressão, prendeu um cabo ao cinturão do traje e pegou um cinturão reserva, onde a clandestina seria atada após deixar o esconderijo. Acendeu a lanterna do capacete e saiu para a escuridão tempestuosa, sentindo um certo alívio por não ser capaz de enxergar mais do que o círculo luminoso à sua frente.

Quando gotas pesadas de chuva começaram a se chocar contra o visor do capacete, percebeu que para Euterpe Marquelain, o trajeto até a segurança no interior da nave seria bem mais acidentado do que o desejável...

- [Continua]

- [31-01-2021]