Black Friday

Encontrei o Professor na seção de frios do supermercado, e ele me contou a sua última aventura com a máquina do tempo.

- Imagine que viajei trezentos anos para o futuro e tudo me pareceu idílico e avançado, pessoas saudáveis e simpáticas vivendo em torres de metal com centenas de andares, em meio a grandes parques arborizados. Quando me identifiquei como um viajante do tempo, perguntaram se não gostaria de assistir uma de suas maiores festividades, a Black Friday.

- Então, daqui a três séculos, a Black Friday existirá como um evento para ser assistido, tipo um desfile de carnaval ou algo assim? - Indaguei curioso.

- Mais ou menos - redarguiu o Professor, recebendo do atendente um pacote com 500 g de queijo Gruyère. - Meus anfitriões informaram que pessoas de bom nível social não participavam do evento, apenas o viam pela TV holográfica... e faziam apostas.

Peguei meus 300 g de presunto e questionei:

- Apostam em quem vai conseguir pegar um item de consumo primeiro, suponho?

- Na verdade, - o Professor baixou a voz - apostam em quem vai conseguir sair com vida dos centros de distribuição de bugigangas para as classes baixas. Esses itens não são vendidos, mas você tem que disputá-los com todos os demais interessados...

E enquanto seguíamos para o açougue, complementou com expressão tensa:

- A Black Friday futura lembra mais uma arena de gladiadores. Gente pisoteada, esfaqueada, sangue para todo lado...

Voltei-me para o Professor.

- Ninguém poderá dizer que não imaginou esse desfecho.

- Os governantes do futuro dizem que, desta forma, controlam a violência das massas: ela só pode ser exercida nestes ambientes fechados, em datas estabelecidas - prosseguiu o Professor. - Alegam que, graças à esta iniciativa, conseguiram acabar com as guerras.

Ergui os sobrolhos.

- Imagino que também seja um espetáculo excitante para quem acompanha de longe.

- A audiência é tremenda - confirmou o Professor, acabrunhado.

- Vidas humanas em liquidação - concluí.

- [10-02-2022]