Depois do fim

Quando a "Tempesta-IV" estabilizou-se sobre seus trens de pouso, Danilo D'Aversa e Oriana Nastri encararam Basileo Volpe, que através do visor do capacete do traje espacial que os três usavam, exibia um sorriso triunfante. Vendo que seus passageiros não se manifestavam, ele perguntou pelo rádio:

- Então?

- Pousamos em algum lugar - admitiu finalmente Oriana.

- Estamos na Terra - afirmou Basileo. - Ou no que sobrou dela, depois de bilhões de anos enfrentando o Sol transformado em gigante vermelha. Acreditam agora?

Danilo suspirou dentro do capacete.

- A Terra não poderia ter resistido à expansão solar, Basileo - redarguiu. - Devemos ter pousado noutro lugar, apenas isso.

- Simplesmente, não havia como a Terra ter sobrevivido - acrescentou Oriana, abrindo o cinto de segurança que a prendia ao assento da crononave. - A vida na superfície deve ter sido destruída quando os mares ferveram e todo o vapor d'água perdeu-se no espaço. Se os seus instrumentos estão corretos, isso deve ter acontecido há 3 bilhões de anos atrás.

- Onde vai? - Questionou Danilo.

- Lá fora, fazer uma avaliação do céu noturno. Se realmente estamos na época certa, Andrômeda deve estar ocupando boa parte da abóbada celeste.

- Isso nos daria uma boa ideia do "quando", mas não de "onde" - ponderou Danilo.

- Eu deveria estar ofendido pelas dúvidas que estão levantando, - replicou Basileo, também abrindo o cinto de segurança - mas, afinal de contas, todos somos cientistas treinados para não aceitar hipóteses sem provas; quanto antes formos lá fora, mais rápido ficarão convencidos das minhas afirmações.

- Assim esperamos - assentiu Danilo, também abrindo o cinto de segurança.

Uma escada retrátil estendeu-se do corpo da crononave até tocar no solo avermelhado sobre o qual o veículo temporal pousara. Por ela, desceram em sequência Basileo, Oriana e Danilo, que ainda à sombra da "Tempesta-IV", olharam para a paisagem alienígena ao redor com desconfiança.

- Isso aqui mais parece Marte - ponderou Danilo.

- A gravidade é de 0,98 g - verificou Oriana nos instrumentos montados no antebraço esquerdo do traje espacial. - Ligeiramente menor do que a da Terra que deixamos no passado, mas mais de 60% superior à do nosso Marte.

- Olhem para cima - sugeriu Basileo.

Os dois convidados saíram da sombra da crononave e ergueram os olhos para o céu sobre eles. Não havia luz do sol nem de estrelas, mas uma irradiação leitosa que preenchia toda a abóbada celeste, como um nevoeiro luminoso.

- A colisão com a galáxia de Andrômeda já ocorreu ou estamos nos estágios finais dela - avaliou Danilo, boquiaberto.

- Acreditam agora? - Questionou Basileo, mãos enluvadas nas cadeiras.

- Qual a sua teoria para a sobrevivência da Terra? - Replicou Oriana, dando-se por vencida.

- Nossos descendentes conseguiram movê-la gradualmente para longe do Sol, à medida em que ele ia se expandindo, e depois fizeram o movimento inverso quando este começou a colapsar. Não vamos ficar para ver o nascer do dia, a radiação seria perigosa para a crononave, mas podem ter certeza de que estamos muito mais perto do que restou do Sol do que a antiga órbita de Mercúrio.

Danilo apanhou uma rocha no solo, a qual parecia ter sido fundida e solidificada várias vezes.

- Basileo está certo, Oriana. Melhor admitirmos que ele tem razão e voltarmos ao nosso tempo; o Diretório saberá o que fazer com essa informação.

- Eu gostaria de poder avançar apenas um bilhão de anos além do nosso tempo e registrar como isso foi feito - comentou Oriana, preparando-se para voltar para a segurança da crononave.

- Infelizmente, a "Tempesta-IV" necessita de uma grande quantidade de matéria escura para operar - desculpou-se Basileo. - O que nos leva precisamente até o momento em que a Via Láctea e Andrômeda se chocam e se fundem.

Os três crononautas retornaram ao interior do veículo e Basileo iniciou a sequência de comandos que os levariam de volta ao passado remoto.

- Essa limitação prática das crononaves também nos impede de querer colonizar este futuro - ponderou Danilo. - seria inviável querer viver nessa Terra sem atmosfera e incinerada por um Sol agonizante.

- Acho que agora entendo o teu ponto de vista, Basileo - redarguiu Oriana. - Essa Terra é um ponto de partida para o que quer que o Universo tenha se tornado, depois que a espécie humana - e toda a vida no planeta - foi extinta.

- A ideia de partida está correta - ponderou Basileo. - Mas engana-se ao afirmar que a espécie humana foi extinta; afinal, alguém teve que mover o planeta para além do Sol quando este entrou em expansão.

Oriana voltou-se para ele e indagou:

- E quem lhe garante que foram nossos descendentes que fizeram isso?

Basileo sabia que jamais poderia provar esse ponto. Acionou então os motores, para a longa viagem de volta...

- [03-09-2022]