Peça de reposição

Henry morrera há dois anos, mas por uma estranha razão, eu o conhecera justamente quando estava averiguando a causa de sua morte. Ou, mais precisamente, conheci o holograma do sistema de emergência da nave, que o próprio Henry havia programado para que parecesse e se comportasse como ele.

- Seu criador está morto, Henry - informei ao holograma, tão logo consegui fazer com que o sistema de emergência voltasse a funcionar nos destroços da nave.

O holograma balançou a cabeça, ar pesaroso.

- Pude imaginar, pelo estado em que estão as coisas aqui dentro.

- O que aconteceu, exatamente? - Inquiri.

- Penso que foi culpa de Ralph. Ele insistiu para que encurtássemos caminho, fazendo um salto através do Aglomerado de Chiranny.

- Esse tipo de manobra é sempre perigoso, principalmente quando não se está com plena carga nos defletores - assenti.

- Ralph era teimoso - prosseguiu Henry. - Aliás, o que foi feito dele?

- Morto, no assento do co-piloto. Nenhum sinal do seu criador - redargui.

- Não poderia ter escapado num dos botes salva-vidas? - Questionou.

- Nenhum salva-vidas foi ejetado - informei. - Creio que não houve tempo para fuga. Todavia, o corpo não está a bordo.

O holograma deu de ombros.

- Pela quantidade de rombos no casco pode ter sido sugado para o espaço, quando a nave sofreu descompressão explosiva.

- Sim, essa é uma possibilidade que vamos levar em conta. Localizar o corpo não vai ser tarefa fácil, pelo tempo decorrido.

Henry balançou a cabeça, em concordância.

- Eu lamento, gostaria de poder ajudar mais. Os pais de Henry certamente iriam querer o corpo de volta.

- Foi por isso que voltamos aos destroços, ver se conseguiria nos dar alguma ajuda sobre os últimos momentos de Henry.

- Meus registros estão incompletos, mas Henry havia manifestado anteriormente o desejo de que minha consciência fosse transplantada para um androide. Sei que não posso substituí-lo, mas algo do que meu criador foi, ainda existe em mim.

- Se houver alguma comprovação material deste último desejo, não creio que a Companhia se oporá a ele - ponderei. - Embora, você saiba, androides não podem herdar bens de humanos.

- Não me oponho - Henry pareceu conformar-se. - Mas acha que poderia ter de volta o cargo do meu criador? Afinal, sou tão bom piloto quanto ele.

- Isso poderá ser avaliado pela Companhia - comentei para não me comprometer.

- Esse desastre não teria ocorrido sem a interferência estúpida de Ralph - prosseguiu Henry. - Com um corpo androide, não precisarei de co-piloto.

Ergui os sobrolhos.

- Acha mesmo que tem capacidade para substituir um piloto humano? - Questionei.

- Com muita vantagem - assegurou Henry. - Leve meu módulo de dados para a Companhia e me implantem num corpo androide. Provarei o que digo.

Prometi que assim o faria.

A Companhia contudo, preferiu não assumir o risco. O módulo de dados de Henry foi engavetado e jamais foi baixado num androide.

O corpo de Henry nunca foi encontrado.

- [11-03-2023]