O Atravessador de Paredes

O ATRAVESSADOR DE PAREDES

O ciclo eterno

A vida nos aproxima dos abismos, como em um espelho, ela contempla vitoriosa a nossa face cansada, ali quieta, imóvel, escondida, imbatível, espreita sorrateira, tão perigosamente perto que não nos damos conta, e ainda que acendamos todas as luzes da alma todos os refletores do espírito, acostumados que estamos com a escuridão e o lusco fusco da vida que nos persegue, ainda assim, continuaremos ofuscados esbarrando nas coisas e armadilhas desse intrincado labirinto sem saída em que se transformaram os caminhos.

Nada parece fácil, tudo é deveras complicado e difícil, tornar as coisas aceitáveis ou mesmo suportáveis deve ser a nossa missão. Talvez essa desarrumada inquietação, seja o que nos impele, o os ajuda a clarear os sentidos. Dá para sentir que tudo era como se um precipício se abrisse a minha frente, me habitasse naquelas horas, inexplicáveis, em tudo havia um desejo enorme de pular nesse profundo abismo e resumir de uma só vez, num extremo e impensado salto.

Meu pensamento transita lentamente entre os escombros do viver, assume um ritmo matemático, milimétrico, fora das cercaninhas do bom senso e que ainda se permite medir, comparar e entender que, o que não é essencial inevitavelmente deverá ser posto de lado.

Primeiramente, aproximo-me das coisas sem me deixar envolver, às vezes não consigo, quase sempre nunca consigo e entro de cabeça sem medir as consequências desastrosas que sempre advém desse ato involuntário, mas vejamos, o ideal seria não se envolver com nada inicialmente até que estejamos seguros do que pode dar e suas consequências, ou não. Sem precisar desgastar a verdade, gosto de brincar com o silêncio dos segredos que me confundem. Guardo o sorriso de todas as horas e ofereço a quem não conheço, aos que como eu caminham sempre do outro lado da rua na contramão, descalços, nus, ofereço meu ohar àquela pobre menina que segue na companhia da sua sombrinha vermelha, tinha que ser vermelha outra cor não faria o efeito necessário para quem olhasse, ela segue como meu olhar, sempre em frente sempre, então já retorno como outro, aquele que nunca partiu, mas por hoje, escutaremos a chuva de olhos fechados para as revelações descobertas assim, de pronto, de surpresa, e que surgirão como um raio de luz inesperado e sem defesa, escondidos dos olhares conservadores.

Sobreviver ao colapso das palavras, quando falar se transforma em uma vertigem e os sons ainda são desconhecidos para os ouvidos, indecifráveis marcas ruprestes que se modificam em outras que também soam desafinadas, sentimentais demais porque ferem ou acariciam nossos ouvidos como o fluir das águas através da terra, leve serpente roçando os nossos pés.

Certeza nunca teremos, até quem já havia esperado por aquilo se surpreendeu ao pensar que coisas do tipo que envolvem o coração só aconteçam lá no fim da vida, quando já maduros libertos de qualquer tipo de censura ridícula só acreditamos na nossa verdade. A plenitude da existência e do amadurecimento, consiste em tentar recuperar o que poderíamos ter feito de melhor e não fizemos, então, façamos agora pois daí prá a frente não haverá arrependimentos só ganhos.

Se alguma vez você ouvir alguém dizer: “Eu te amo” não naquela explosão brusca de adolescente, mas de forma madura, calmamente, para te incomodar mesmo, criar constrangimento, com a voz engasgada da hora do parto, frente a frente, coisas compartilhadas, sem perder o sentido. Ora! Aceite, sem titubear, retribua sem limites, o sofrimento que pode vir depois é muito menor do que tudo que aconteceu naquele instante mágico, indescritível e talvez único, que outro dia haverá para isso acontecer de novo.

Os olhos terrivelmente abertos para todos os ângulos possíveis captam todos os movimentos, um pressentimento de não poder conter o corpo por muito tempo, uma vontade terrível de voar, de ver a vida e tudo o mais, lá de cima, do alto, como um colorido balão, que se deixa levar pelo vento, induzi-lo em qualquer direção seria um atentado contra o acaso que borda nas nuvens o destino dos homens. Boa sensação, como gostaria que durasse mais tempo, como desejei que fosse eterna. Uma certeza: O infinito não é para sempre. Esses momentos ensinam a ver as coisas como devem ser, alegres ou tristes mas reais.

Desprendo-me das coisas, em um mergulho cego, esse vôo livre com asas de destino eu chamo de vida. Invado as minhas praias longínquas e solitárias, para encontrar quem sobreviveu do sonho ou da realidade?

Tudo isso me consome muito, busco refúgio em uma inconstante paz interior, onde os meus fantasmas, em uma possível trégua sem acordo ou diálogo, descansam quietos. Essas transformações alteram constantemente a minha relação com o mundo, tudo o que eu vejo desde então, acho que falta um pouco de criatividade e de vida. Buscar um sentido para as coisas talvez seja o mínimo que se possa fazer sem constituir nenhum esforço penoso.

Subitamente olho para trás, e me pergunto: O que realmente construí, as oportunidades foram dadas, será que as aproveitei? Imagino-as acontecendo independentes da minha vontade, difícil afirmar alguma coisa, entretanto, tenho a sensação triste de que elas foram chegando a cada vez e não tive a oportunidade de escolhê-las, obedeciam a um roteiro misterioso, aquilo tudo que é sabido e também desconhecido e difícil de ser entendido, sem querer me deixei envolver por uma onda gigante. Agora molhado, com frio, e o que é pior, sem nenhuma força ou vontade de nadar sou arrastado.

Aventurar-me, ter consciência de que a partir dali, não poderia mais haver escolha, seria o que decidi. Minha alma atravessa os acontecimentos, contrário ao que é lógico, busco forças em uma vida morna e adocicada. A poucos fora dada a vantagem de um caminho límpido e único, sem erros e sem tropeços. O bom mesmo é aproveitar apenas aquele ilusório cansaço para admirar a paisagem em seus coloridos detalhes, imaginando o que vem depois de cada curva.

Acordava com o sol invadindo o quarto e clareando todas as coisas, a fria brisa matutina ventilava e organizava as ideias na minha cabeça, isso antecipava um novo dia, claro quepoderia sim, ser um novo dia.

Difícil entender que a maior parte do tempo passamos desejando algo quase sempre distantede nós, quando percebemos já se foi uma grande parte das nossas vidas. Da nossa janela, nunca saberemos que também somos observados, não se pensa muito nisso é como se estivéssemos andando em uma grande planície durante uma tempestado sem se dar conta do perigo dos raios.

Por ter refletindo bastante imagino que algo tenha florescido desses pensamentos desesperados, eram essas sensações que me alimentavam.

Certamente quando nos isolamos, em vez de nos afastarmos da vida é justamente nessa hora que ela mais se aproxima, os caminhos se abrem como em uma fuga, um encontro consigo mesmo. Estar consciente disso talvez fosse a tarefa mais difícil.

As luzes já iluminavam o interior da maioria das casas, era como um sinal de vida de que as pessoas existiam pois retornavam, cá da minha janela contemplava quieto, no escuro, imaginando o que cada uma delas fazia, como se ocupavam diariamente, como faziam para sobreviver. Na intimidade não somos de todo normais, dentro do que nos permitimos, longe do olhar crítico, quem poderia nos repriminar, quando estamos sós somos as pessoas mais permissivas do planeta, ou não?

Ali da minha janela-mundo, imaginava o que faziam aqueles, nas suas quatro paredes, e sabia que isso não era um limite para nada, apenas uma das inúmeras possibilidades enquanto a imaginação corre livre e solta.

Para essas pessoas, que habitavam o lado frontal da minha janela, eu criava falas, situações, premeditava ações e atitudes, como se considerasse a possibilidade de uma verdade concreta e que fosse permitida por essa intimidade visual, mas sabia também que isso tudo não passava de uma criação fictícia da minha cabeça, ninguém estava autorizando essa parceria rotineira com aqueles que eu via, e que também me viam do outro lado do mundo depois da minha janela, e se as encontrasse por acaso nas ruas, comentava comigo mesmo, sei quem é você e o que faz, e continuava criando tantas outras baboseiras nesses momentos lúdicos, descompromissados.

Tinha consciência de que isso não era lá muito criativo ou estimulante, entretanto, não me preocupava já que tomavam um bom tempo do meu “que fazer”.

Gostava de aventuras e sempre arrumava uma programação, uma folga ou brecha na minha vida corrida e então, embrenhava-me pelas trilhas, era uma das facetas da minha personalidade, essa calmaria seguida de furiosa tempestade, inesperada, selvagem, inquieta.

Nessas incursões, uma em especial que nunca tive condições de seguir, algo me fazia retornar, e recomeçava algum tempo depois do mesmo ponto, sem nenhum progresso na finalização e ela é que sempre me atraia, não somente pela dificuldade de acesso, como também por certa aura de mistério, por ser uma trilha desconhecida, e a curiosidade de saber onde ia dar, ou como seria essa aventura e principalmente, qual seria o premio dessa chegada, dessa descoberta, isso tudo não tinha preço, navegar sem rumo ao desconhecido, e dessa vez não tinha como desistir.

E nesse dia, foi quando resolvi continuar sem nenhum empecilho, cheguei seguindo uma antiga trilha, aquela que eu lembrava desde menino quando perambulava por ali imaginando descobrir coisas inesperadas, imaginação essa, que me perseguia talvez por conta de muita leitura de ficção, pensava nas minhas reações, imaginando de verdade qual seria a minha reação, diante de uma inusitada descoberta, ficava por ali no meio do mato montado em alguma árvore só olhando, na espreita, matando o tempo, mas agora isso tudo passou, era uma “brincadeira” de gente pequena, não representava nenhum perigo. Meu amigo de aventura era o Vhelmo, companheiro de tantas, falara-me a respeito daquele local, muito detalhadamente, como um dos seus pontos favoritos, mas ainda não explorado, já se aventurara uma vez, foi sozinho e confessou não ter tido coragem de avançar, não por medo, mas por precaução. Resolveu falar-me desse local intocado e selvagem, por considerar-me um dos seus aliados, e partilhador das minhas vivências, essa poderia se constituir uma diferenciada característica, em tom de brincadeira chamava-me de mestre, referindo-se a uma pessoa que para ele sabia de tudo um pouco.

Participamos algum tempo atrás, de alguns rituais de purificação praticado religiosamente em uma vila local, aquele povo conhecia as regras, as folhas, as palavras, o tempo certo de oração isso estava entranhado neles desde então, e não respassavam a ninguém fora da vila pois assim estava escrito em seus livros sagrados, era a confiança que buscavam em nós para partilharem esses segredos, esses caminhos em busca de “verdades”, sabíamos que alguns as detinham, nós os encontramos, agora fazer com que eles se dispusessem a repassar esses conhecimentos, essas vivências, era uma batalha dificílima, mas não impossível, haveriamos de resistir aos testes de paciência, perseverança e total desapego ao tempo.

Nada comentei com Vhelmo, mas aquilo tudo que ele dissera sobre aquel local, mexeu comigo, ficou martelando na minha mente, não esqueci aquele brilho nos seus olhos, e isso não tinha mais presenciado por um bom tempo, só agora vi no meu amigo. Decidi encarar mais essa caminhada, sem ter combinado previmente com o amigo, preparei-me para essa aventura sozinho, no outro dia bem cedo estava na estrada. Caminhava sem pressa, com um rumo certo, toda energia armazenada seria de grande valia para o esforço que se vislumbrava. Descia por ali, subia por aqui, atravessava montes, montanhas, vales, escarpas, pontes feitas de árvores caídas, mas todo o empenho valera pena, do alto, entre nuvens, um vulto embaçado e distante tomara forma, tão logo o sol foi aparecendo, podia vislumbrar o restante do percurso, ainda faltava um longo e sinuoso caminho até onde pretendia ir, e tinha a certeza de que isso não seria assim tão fácil e rápido, já que não contava com um acerto de sorte, mas estar no local certo e na hora exata foram de grande valia, de outra forma não fosse assim não a veria, foi dessa forma que a vila se preservou durante tanto tempo longe dos olhos dos aventureiros, fora construída dessa forma, para não ser vista de qualquer ângulo, progresso da tecnologia, engenharia e da arquitetura daquele povo, quem a construiu sabia desse artifício, não era a toa que estava assim situada, e que somente em determinados horários e tais condições atmosféricas poderia ser vista daquela posição no alto, eu mesmo nunca tinha sabido ou tomado conhecimento da sua existência, era provável que o difícil acesso a tivesse preservado do consumismo industrializado e destruidor, mas desconfio e posso afirmar que ela sempre estivera ali encravada no verde vale, circundada pela mata fechada cortada por um riacho cristalino. Fora dada a mim a possibilidade de poder vislumbrar o que estava oculto de mim, por algum motivo, e que agora se desvendara, de outra forma, que ainda não sei, mas que descobrirei com o devido tempo.

Como já anoitecia, automaticamente o instinto de preservação e sobrevivência se pronuncia coerente e convidou-me a acampar ali mesmo, ficar por ali era sábio e bom para esperar o dia amanhecer, na verdade, nunca é produtivo explorar nenhum lugar durante a noite no escuro não se observa muitas coisas, somente se ouve. A hora pedia um merecido descanso para o aventureiro, se perde as cores e os detalhes e além do mais, como esperava conhecer os habitantes daquele local. Presumi serem caseiros, dado estarem tão afastados da cidade grande, eu só iria atrapalhá-los, embora ansioso, preferi aguardar, achei mais coerente.

A caminhada havia me deixado bastante cansado, presumo ter logo adormecido enquanto pensava nos acontecimentos que me levaram até ali. O céu, confesso estava menos estrelado que as minhas idéias.

Deitado ali, quieto podia conversar comigo mesmo pensar nas coisas que me incomodavam e tentar resolvê-las, mesmo que demorasse um bom tempo.

Sinto correndo por dentro do corpo a certeza de estar vivendo, percebo isso tudo no silêncio que me cerca, não há melhor maneira de se ver e ouvir, ele é quem espera pacientemente tudo o que temos a dizer.

Sei que há muitas coisas que ainda desconheço, considero que esse seja um bom motivo para aventurar-me, para atravessar a nado esse lago gelado que me desafia e demorar pode ser o fim, precipitar-se também, a bem da verdade, nunca sabemos ao certo o que fazer nem o momento exato da travessia, os que foram chamam a isso de intuição outros de voz interior e ainda pode ser conhecida como tomada de consciência.

Seja lá qual for o batismo, por ser a minha vez, nada ouço, por me sentir sozinho e intocado desespero-me, acho que de alguma forma, deveria por obrigação receber algum aviso, um sinal dos tempos, um indício que a vida criava, até para os insignificantes como eu, alguma espécie de parceria, ainda que distante das palavras ou longe dos gestos, uma cumplicidade brotando dos minadouros, das entranhas, das profundezas como água límpida, de uma fonte que nunca bebemos antes.

Estava de novo a caminho, desci a pequena encosta que dava acesso à vila, era muito cedo e uma brisa fresca “incomodava” as minhas narinas, era normal essa sensação para quem estava acostumado com o ar pesado da indústria e dos automóveis, o local de tão despoluído transformava a respiração nas minhas narinas em punhais que pareciam ferir-me literalmente ali se respirava outros ares.

Cheguei ao que parecia a entrada da vila, logo me deparei com um imenso portal de mármore, uma imensa parede branca, iluminada pelo sol, isso ofuscava os meus olhos, e nele havia a seguinte inscrição:

“Sem hora, sem data, sem tempo e sem medo”

Contrário ao que pensei, imaginava que seria recebido pelos moradores do local, alguns curiosos ou defensores dos bons costumes, que decepção para mim acostumado com as grandes recepções, ninguém chegou para me ver, anônimo fiquei sequer fui notado, e quato mãos adentrava percebia que todos permaneram normalmente em suas rotinas em seus afazeres, quem sabe até já soubessem quem eu era, como cheguei e o que me levara até lá.

Fui percorrendo a pequena vila, caminhando em frente, sem um rumo determinado pela única estrada central, observava as casas tão artesanais sem nenhum luxo aparente, madeira tosca e barro de cores claras, não eram mais altas que um sobrado, todas iguais, não havia grandes prédios, eram simetricamente espaçados, havia uma divisão quase matematicamente equilibrada nas distâncias.

Atravessei sem muita demora praticamente toda a vila, as casas só iam até o fim da rua que continuava por uma estrada de fina areia rodeada por uma grama muito verde, cheguei ao final, havia ali destacadamente, como pude ver, um imenso salão, aproximei-me mais e pude observar que o chão era bastante liso, limpo e brilhante, estrategicamente banhado pela luz do sol que sem economizar, e mostrava e fazia bonito naquela manhã, no calendário marcava quinta-feira, como sempre, estava vestido de verde nesse dia como um presságio confesso, todas as coisas boas que já me aconteceram, foram em uma quinta-feira.

Não era um fato que eu considerasse imediatamente compreensível ao entendimento, mas, as pessoas naquele salão pareciam que flutuavam ou deslizavam sobre o chão, todas alegres e sorridentes, conscientes da felicidade de estarem ali. No centro do grande salão uma enorme fonte de água tão límpida, mas que não se via o fundo, que talvez não houvesse ou fosse impossível mesurar.

Crianças mergulhavam e pareciam se comunicar de alguma forma porque nunca se batiam, faziam movimentos nunca repetidos, sem coreografia definida ou determinada sempre crescente, estavam nuas, e quem já muito nadou assim, livre e natural, sabe das sensações que estou falando. Ao longe em uma redoma envidraçada havia algo como se fossem pessoas juntas formando um pequeno grupo, apesar de olhar atentamente para eles não conseguia definir precisamente um forma física, pareciam hologravuras, seriam formas especiais de vida estranhas a mim, pela maneira reverente como eram cumprimentadas pelos que ali passavam, dava prá ver que seus corpos eram de uma textura semelhante ao um aço inox disolvido, não mantinham cor fixa, variando constantemente como se fossem arco-íris humanos. Novamente fiquei intrigado pela forma como se movimentavam, nenhum som de pés arrastando ou nenhum esforço aparente, flutuavam ao meu modo de ver, pois como eram longas as suas vestes tipo mortalha não era possível conseguir visualizar os seus pés, pareciam andar em uma esteira invisível tal a forma graciosa como se moviam, sem pressa, tranquilamente, determinados. Não pude me aproximar da redoma era o que os separava do resto das pessoas.

No centro do grande salão perto da fonte um homem de cabelos grisalhos “falava” com um outro grupo, conseguia ouvi-lo perfeitamente somente ao aproximar-me notei que o mesmo não movia os lábios, interessante, não havia nenhum som, ele não usava a voz, entretanto, pudia ouvi-lo perfeitamente. .

A fonte límpida, estava se agitando muito diferente de quando eu cheguei ali, agora se tornou-se um imenso redemoinho em um tom azulado. Como estava mais no centro do salão, percebi rapidamente que tudo acontecia e se movimentava à sua volta, de forma que, ela se constituía sempre, o centro de todos os acontecimentos e movimentação, um turbilhão efervescente onde as pessoas mergulhavam e misturavam-se a grande massa, seus rostos não expressavam nenhuma agonia, ou ansiedade, já faziam parte do grande caldeirão, impossível não estar lá, só haviam duas opções: Entrar ou permanecer fora!

Qualquer indecisão ou dúvida os excluiria dessa transformação, estar fora do grande ciclo, estar eternamente fora do ciclo, o grande prêmio para os que optavam passar por esta transformação era o “Ciclo Eterno”.

As pessoas ali já pareciam me conhecer, esses pressentimentos, “te conheço de algum lugar” “você não me é estranho”, talvez por isso, me cumprimentassem por educação ou respeito, algumas ofereceram frutas, outras me cumprimentavam educadamente, eu não entendia, pareciam conhecer a minha alma até. Nunca me preocupei em explicar a minha desenvoltura naquele local diferente onde me encontrava sempre muitas perguntas sem respostas e pude perceber que agi assim durante toda a minha vida, sempre questionando, sempre perguntando...uma grande lição: Não faria mais, tantas perguntas, nem esperaria por tantas respostas, quem sabe já não as tivesse sempre.

Continuei andando, nem percebi que já era noite e era como se aquilo tivesse durado uma eternidade em minha vida, só que naquele local, a sensação era de que não havia tempo, era essa a sensação... parecia que o tempo não passava ou não havia esse tempo conhecido. Consultei meu relógio de pulso e verifique que estava parado, marcava exatamente o horário em que entrei na vila, guardei-o na mochila. Para que eu precisava consultar as horas?

Cheguei a outro salão, tive a impressão que eles observavam muito a cultura do encontro com o outro, daí a explicação para a arquitetura tão bela e aconchegante, tinha que ser um local agradável, já que acredito que eles passavam a maior parte tempo neles.

Havia muitas pessoas, praticavam exercícios corporais, semelhantes a Yoga, monitorados por uma mulher morena, com características físicas de uma índia, que tranquilamente se dirigiu a mim e com um gesto delicado e decidido, sem me perguntar nada, quem eu era, de onde vinha, o que queria ali, convidou-me para que também participasse dos referidos exercícios. Não ofereci resistência e comecei a fazê-los copiando a maioria mecanicamente, sem nenhuma orientação, após um pequeno tempo, ela pediu-me que ficasse de pé, encostou-me junto à parede, de rosto colado, fez uma pequena pressão, soltando-me em seguida, onde permaneci.

Comecei a sentir-me parte da parede, como se estivesse sendo engolidp ou dissolvido, era como se o meu corpo fosse sendo sugado para dentro da matéria que compunha a parede despedaçando-me, e ainda assim - era um todo fragmentado e fragmentos de um todo – hesitei se continuaria ou não, por um breve momento, afastei-me da parede, comecei a chorar copiosamente e sem explicação, nunca soube o que ocorrera ali, talvez por medo da imensidão desconhecida que se descortinou depois da parede, ou na parede, não sei ao certo, ou em qualquer outro lugar que certamente fosse atirado, eu interrompi tudo o que fora iniciado ali, e me dei conta; de que, durante toda a minha vida, sempre o tempo todo agi assim! Avançando e parando com medo do novo.

Nunca admiti que houvesse um “eu” isolado, que estava dentro de um processo, esses movimentos crescem e aparecem, assim se aprende a perceber a diferença.

Não posso dizer que sempre andei em círculo, entretanto, acho que a vida gira sempre em torno de acontecimentos tão familiares que parecem repetidos, tenho essa impressão para determinados fatos, e me pego pensando: Será que isto já não aconteceu antes? Aquilo ali fazia parte de um movimento, tudo era revivido. A mulher morena acolheu-me perguntando o que havia sentido naquele momento, respondi ainda trêmulo, que não pude continuar me senti desaparecendo. Todos se aproximaram surpresos, ao que, a mulher comentou, alguns estão aqui há muito e demoram para chegar nesse nível, não conseguem tanto, você foi além, muito rapidamente! Não se assuste este é um efeito raro, entretanto, se for continuar, não será o único que você experimentará, e se decidir continuar descobrirá muito mais em seu percurso e no devido tempo.

A mulher foi extremamente cuidadosa comigo, por certo era hábito manter esse tratamento com os que ali se aventuraram, ficamos ali imóveis, quando me recobrei me dei conta de que pessoas já tinham saído do salão apenas eu e a mulher permanecemos, levantando pediu-me que a acompanhasse, conversar um pouco ia me refazer. Sem nada dizer, compreendi silenciosamente, que tudo era muito comum e familiar, ela sabia o que tinha se passado naquele instante “dentro de mim” e, quanta energia havia liberado naquele experimento.Tomamos chá, conversamos sobre várias coisas, mas, em nenhum momento tocou no processo ocorrido nem trocou nenhuma palavra sobre o fato, de estar ali, naquele local distante e perdido, isso me deixou bastante à vontade.

Quando percebeu que eu estava mais tranqüilo, perguntou qual o meu nome ao que respondi: Meu nome é Aaron, escolhido por meu pai. Ela disse, meu nome é Vasta, assim como a amplitude, assim como a liberdade. Conforme seu pedido, permaneci na casa dela, em um quarto nos fundos, grande e arejado.

Nenhum habitante daquele local demonstrou visualmente qualquer sinal de preocupação com a minha chegada, nem qualquer tipo de manifestação ou emoção na minha presença, mas com certeza sabia que estava sendo examinado o tempo todo, que eu não constituía nenhuma ameaça, apenas observavam de longe deixando a vida prosseguir em seu curso.

Notei algumas crianças que se divertiam, quando se reúnem apenas brincam sem ter nenhum conhecimento prévio um do outro, elas não se perguntam nome, endereço, ocupação o que fazem ou deixam de fazer, apenas brincam, não se despedem deixando números, certamente se verão outra vez, e quando isso acontecer, novamente brincarão.

A noite chegou tão depressa como tudo que estava acontecendo em minha vida, a escuridão cobriu a casa, o som das águas misturava-se com o ruído dos animais noturnos. Da varanda podia ver a mata fechada, tudo era um breu, nada se via adiante, permaneci sentado, pensando em como nunca tinha tido conhecimento daquele local e tantas vezes passei por aquela trilha sem perceber o paraíso, lembrei-me de Vhelmo perguntando-me se não gostaria de conhecer outras trilhas da existência, cheias de novidades, aventurei-me, aquilo não era um pedido, mas um chamado, quem sabe uma ordem.

Sabia que fazia parte daquele lugar, somente agora estava retornando, por minha única vontade, já que, de outra forma não era possível. Aquilo era tão calmo e misterioso, distante do meu ansioso desespero.

Com o olhar perdido na mata escura, devo ter permanecido ali durante quase toda a noite, não lembro em que pensava ou talvez não pensasse em nada.

Percebi alguns pontos luminosos que se movimentavam, uns juntos, outros isolados, talvez estivessem longe, não tinha capacidade de saber a que distância se situavam, não tinha ideia de que horas eram, sem falar nada com Vasta, silenciosamente desci e caminhei em direção a mata, era grande a curiosidade que sentia, adiantei os passos, as luzes pareciam crescer e agora tinha certeza que eram grandes e finas como lâmpadas fluorescentes verticais, só que em diversos tons, sempre claros, não sabia exatamente onde estava pisando, entregue à sorte para não cair em algum buraco, pisar em algum bicho, ou espinhos, nada me impediria de continuar o caminho, tinha um objetivo que era saber o que eram aquelas luzes brilhantes.

De repente, uma mão segurou-me o ombro, era Vasta, assustei-me com a sua aparição não havia percebido que ela tinha me seguido até ali, estava a uma boa distância da casa, ela disse para que deixasse o dia clarear para poder entrar na mata, agora poderia perder-me.

A sua mão não imprimia nenhuma força, entretanto, em seu toque havia tanta determinação para que eu voltasse, para que eu não seguisse adiante, pressenti em seu olhar que seria prudente essa alternativa, talvez não fosse aquela a hora certa de estar ali, decidi atendê-la, certamente naquela vila não cabia a mim resistir ou forçar nada para antecipar ou conhecer algumas coisas, se ainda não me fora permitido entender, precisaria de mais tempo, agora era necessário descansar e absorver o clima daquela vila, necessário saber os seus costumes as suas regras e normas, aquela era uma delas possivelmente, não sair sem permissão.

Vasta não perguntou por quanto tempo eu ficaria ali e se a minha estadia seria breve, na verdade nunca me perguntou nada nem por que estava ali, por isso, conscientemente fui ficando, ficando, como quem não quer nada, colaborava em todas as atividades ajudava no que podia, entendendo que ela me aceitara como uma pessoa bem vinda e desejável ou a pior das hipóteses, me despejaria sem mais nem menos, coisa que eu achava um pouco difícil face o tratamento que me dava e o seu desapego por coisas materiais, ela estava mais preocupada com assuntos espirituais, ajudar pessoas a se descobrirem e na minha aceitação espiritual, que pela sua experiência e vivencia não passariam despercebidas Se ela não visse nada disso em mim, não apostaria tanto.

Aquele era um dia muito diferente, pessoas reunidas, largos sorrisos, algo muito bom se anunciava, algo estava para acontecer, provavelmente uma festa, que eu ainda não sabia, estavam todos bem vestidos, seguiam na mesma direção até entrarem em um cercado de mármore, cheios de lápides, que sinalizavam túmulos, bem cuidadas e todas do mesmo tamanho, cercadas por pequenas pedras coloridas.

O local tinha a aparência de um cemitério, não havia muros. Só então me dei conta que percorrera aquele mesmo caminho à noite, quando tentei entrar na mata seguindo as luzes, era o mesmo lugar, a noite tem a capacidade de modificar as coisas, ontem senti medo e curiosidade, hoje estava calmo e tranqüilo, tudo ao seu tempo.

Vasta, antes das comemorações levou-me a outro salão, conduzindo-me, explicou-me que os rituais que estavam prestes a acontecer necessitavam de uma purificação plena, e os moradores dali já tinham neles esse procedimento, como eu era um visitante, precisa passar por isso, pois todos ali cumpriram essa obrigação, para que com isso adquirisse a permissão espiritual de poder adentrar àquele local sagrado, entretanto, só era necessário fazê-la apenas uma única vez em toda a sua existência.

O amplo salão, semelhante a um imenso parque, era decorado por imagens de argila, trabalhados à mão, cântaros, quartinhas, pequenos pratos, adereços de ferro semelhantes a tridentes, restos coloridos de velas e um cheiro forte de azeite perfumado misturado a incenso, era um odor agradável e pacificador, calmante.

Três homens estavam agachados em um canto, vestidos de branco, com grandes colares de cores diversas, pareciam extremamente concentrados não se espantaram com a minha chegada. Um deles levantou-se e me observou atentamente, o seu olhar ia além da minha forma, pediu-me que tirasse a camisa aproximando a sua mão direita do meu tórax, sem tocar-me, e ainda assim afastado, podia sentir os seus dedos na minha pele, crescendo como fachos de luz, transpassando-me.

Naturalmente, outros pontos, os quais não lembro, foram tocados, eu já não estava ali, tudo via, nada sentia, tomado por um torpor profundo, flutuando em pensamentos, por medo, desejava que tudo acabasse rapidamente, queria sair dali e não sentia o meu corpo, não exercia nenhum comando sobre mim mesmo.

O outro homem tinha nas mãos uma tesoura enrolada com fitas verdes, aproximou-se e começou a cortar meu cabelo, enquanto girava o meu corpo por todo o salão de forma que não permanecesse parado, sentia meus pés extremamente quentes em contato com o chão, o corte de cabelo era irregular, em um único golpe de tesoura as mechas caiam.

Até então não havia dado conta da participação do terceiro homem ele continuava agachado, entretanto, percebi nitidamente, uma luz que emanava dos seus olhos, fazendo-me flutuar, assim... Simplesmente olhando. Para este atentado brusco e inesperado contra o meu corpo, e o porquê de tudo aquilo, apontaram em um canto, lá estava uma imagem de mulher, que nos parâmetros católicos, presumi ser uma santa, vi nela uma aura, tal maneira angelical foi retratada, aproximei-me.

Perguntei quem era aquela imagem, o que tinha uma tesoura na mão disse que era a dona do meu espírito que eu não me preocupasse pois, o meu cabelo cresceria, e o que foi com ele não voltaria jamais, pelo menos, na mesma forma.

Não sei o que foi com ele, mas o “não-dito” deu-me a certeza de acreditar, que até aquele dia, se havia em mim alguma espécie de energia negativa ou seja lá o que fosse, já não estava lá, nem me acompanhava, me senti mais tranqüilo e aliviado, o que quer que fosse já não estava comigo. Muitas perguntas não tiveram respostas, e eu não precisava delas, (nem das perguntas, nem das respostas) os três homens retomaram serenamente as mesmas posições no salão, conscientes da conclusão de sua parte naquele ritual.

Vasta apareceu repentinamente como se já soubesse o tempo exato daquele processo de purificação, e retornamos ao local onde aconteciam as manifestações e homenagens.

Cantavam músicas alegres e se cumprimentavam, à medida que as comemorações aconteciam, fui percebendo que o local estava ficando repleto de pessoas, espantado por não entender essa matemática, já que, a proporção de pessoas era muito maior que toda a comunidade da vila imaginei que outras comunidades, ali habitavam, eu é que não sabia que aquele era um momento de festa, portanto, de encontros e diversão.

Juntavam-se estrategicamente em grupos distintos como se uma marca ou sinal os classificasse. Um olhar mais atento me fez lembrar as luzes na mata, na noite anterior, elas estavam ali agora, eram as luzes da noite anterior.

Alguns tinham uma aura brilhante, e as tonalidades variavam ligeiramente de um grupo para outro, em nuances imperceptíveis de cores que um olhar desatento confundiria, de longe, formavam um imenso arco-íris, eram famílias inteiras, pessoas que haviam partido dessa vida material, que depois de muito tempo, se reintegravam, se revisitavam para festejar a graça do reencontro, brincadeiras, carícias, abraços, muitos toques e pouca conversa.

Podia-se ver nos semblantes que não havia saudade, nem sentimentos do que não fizeram enquanto juntos, estava claro que suas vidas tinham que ser assim, desse jeito, não havia o que reparar, não era para consertar, tudo continuava de alguma forma, cada qual na sua.

Fez-se um silêncio profundo e até os animais silenciaram, cada pedra, cada árvore, até as águas emudeceram, o homem de cabelos grisalhos, aquele que falava sem mexer os lábios, ajoelhou-se, todos fecharam os olhos, inclusive eu, por que abri-los, naquele momento, não havia a menor vontade de trair a confiança que depositavam em mim, era uma sensação de paz e tranqüilidade, um calor aconchegante invadiu meu corpo, começando pelas solas dos pés, percebi sem olhar, a beleza de tudo quanto tínhamos, quanto podíamos; a tarde cedeu seu lugar à escuridão, tudo voltou na sua normalidade habitual.

Vasta tocou-me o braço, no local agora restavam poucas pessoas, silenciosos fomos saindo dali. Estava curioso e não pude deixar de perguntar de onde viera toda aquela gente, Vasta tranqüilamente respondera que eles já estavam lá só nos fora concedido visualizar confirmar com a visão, quis saber se poderíamos presenciar aquilo outras vezes, ela disse que seríamos comunicados caso houvesse outras celebrações, já que não dependia exclusivamente de nós. Quis saber quem eram eles, disse que eram pessoas de outras épocas e que haviam partido no grande caldeirão.

Claro que lembrava o caldeirão, era uma imagem clara em minha cabeça, a experiência do ciclo eterno, da transformação, então seria possível rever todos os que se foram.... Vasta interrompeu-me dizendo que havíamos chegado.

Considerei que essa forma de interrupção era para ganhar tempo, uma vitória inútil de Vasta, pois voltaria com outras perguntas certamente, em algum momento não me escaparia.

Tinha certeza de que ela sabia o que estava pensando, por isso preferiu interromper meus pensamentos, entendi que teria muito tempo para resolver essa dúvida, era só esperar, a hora certa viria.

Às vezes fico pensando que determinadas atitudes não me levaram a nenhum lugar, penso também, que o que há é simplesmente ilusão, mas é tão forte a realidade. Outro dia imaginei que era um triângulo, três linhas, flexíveis e finas, sem qualquer preenchimento extra, elas eram tão completas e soberanas, base e topo ao mesmo tempo.

Vasta era de pouca conversa, estava sempre ocupada com alguma coisa, acho que era um jeito de evitar aprofundamentos. Quando tinha oportunidade, perguntava disfarçadamente, se ela tinha família, onde viviam, porque ela estava ali sozinha, ela simplesmente olhava para mim, e falava, para não me preocupar com essas coisas ainda falaríamos sobre isso.

Nos arredores da vila havia um parque natural, digo; sem nenhuma interferência humana na arquitetura, frente à natureza, um pequeno lago servia de piscina para algumas crianças que brincavam alegremente, em suas águas límpidas, nadavam livremente, mergulhavam e faziam todas as brincadeiras permitidas para a alegria delas.

De repente ouvi um abalo semelhante a um pequeno tremor em escala ínfima, as águas do pequeno lago ficaram revoltas e cheias de ondas as crianças retiraram-se, não com medo, pois pareciam saber que aquilo era passageiro, apenas aguardavam o transcorrer dos acontecimentos.

As águas ficaram calmas, nessa abstração, não me dei conta de que um homem alto e calvo estava a minha frente, parecia um soldado romano, usava uma armadura de metal cobrindo o tórax, um saiote de couro da cintura até os joelhos, uma espada brilhante, (talvez a única arma que vira naquele local), autenticava a sua autoridade, sem necessariamente precisar utilizá-la, atrás dele estavam quatro homens, todos de boa estatura e, pareciam hierarquicamente subordinados a ele, seus olhares eram determinados sem serem ameaçadores, apresentou-se como Vinton e viera buscar-me para uma pequena viagem, Vasta aproximou-se de mim, como para tranqüilizar-me, outras mulheres traziam um grande tacho que depositaram aos meus pés, havia uma espécie de caldo verde como se diversas ervas fossem trituradas exalando um aroma muito agradável, uma pequena porção me foi dada por Vasta o que logo após senti-me desfalecer, provavelmente as mulheres que já se encontravam perto de mim ampararam-me conduzindo-me até a um portão que dava acesso à mata, ainda assim tinha a consciência para ver e ouvir o que me acontecia, entretanto os muros já não eram os mesmos de quando cheguei, e o portão mais largo e alto agora tinha um brilho diferente, dourado.

Consegui manter-me de pé mas ainda atordoado, fui com eles na direção que me conduziam. A mata era fechada só havia uma pequena trilha, olhei adiante e vi uma imensa cobra atravessando junto a outras menores e coloridas que acompanhavam o movimento das pessoas como se fossem cães de guarda, Vasta me disse que não tivesse nenhum medo elas não me fariam nada, continuei andando firmemente, em algumas horas chegamos a uma clareira onde havia uma velha casa abandonada toda avarandada.

Pareciam restos de uma ruínas, tijolos aparentes, determinava uma excelente arquitetura em tempos anteriores, e que hoje, não passava de destroços velhos de um passado, dentro da casa, um telhado colonial resistia bravamente o peso das telhas cerâmicas, cujas frestas, convidavam sem cerimônia a luz do sol. Pequenas gotas se firmaram no chão mal cuidado de peroba rosa, um cheiro de mofo impregnava o ar, ao canto um velho sofá abóbora compunha os restos do que outrora, certamente, fora uma aconchegante sala.

Sentado ao chão, um senhor cujo olhar, encontrou o meu sem alarde, imaginei, que não causaria espanto, a alguém aparentemente tão vivido e brigado com o tempo e a solidão, o fato de eu estar ali, no meio do mato, como uma aparição, aquilo visto assim dessa forma, confirmava a minha antiga suspeita de que eu já era esperado, desde a minha chegada na aldeia.

O senhor levou-me até um canto da velha casa e pediu-me que me encostasse à parede, essa parte da casa, semelhante a um oratório, era conservada e limpa, e a parede continha algumas inscrições que eu não reconhecia, (lembrei-me da outra vez quando atravessei a matéria que compunha a parede), premeditadamente pedi-lhe para deitar-me no sofá, por alguns instantes, pois, sentia-me muito cansado.

Já deitado, depois de alguns instantes, senti-me saindo do meu corpo, fechei os olhos, quando os abri, espantei-me, tudo estava diferente, embora a casa fosse a mesma, não eram mais as ruínas que encontrei, não havia ninguém nela, corri para a porta da rua, o caminho, a frente da casa, também não era o mesmo de quando cheguei, mas uma coisa eu tinha certeza, estava no mesmo lugar, só que parecia em uma época diferente.

Ouvi alguém cantando, era uma voz infantil, entoando uma cantiga de roda, procurei a fonte do som, pois precisava saber o que fazer agora, não tinha medo, estava tranqüilo, apenas ansioso. Uma menina brincava no fundo da casa dentro de um velho jipe, seu riso havia me atraído, aproximei-me sem falar com, apenas esboçou um sorriso que entendi ser o ínio da ossa conversa, também nada falei.

Nenhuma curiosidade ou medo havia em seu olhar, entrei no carro, sinceramente, não estava preocupado com a criança, meu real objetivo talvez fosse descobrir para que estava ali, ela nada disse, apenas acomodou-se colocando o cinto, parecendo antecipar as minhas ações.

Liguei o jipe e sinceramente não sabia nem por onde começar, qual rumo tomar, de alguma forma tinha que demonstrar segurança, fingir que sabia o que fazer.

Iniciei o percurso contando exclusivamente com a sorte, sempre preferi ir pela esquerda, e foi o que fiz, como a menina não manifestou nenhuma insatisfação quanto a minha preferência, imaginei estar no caminho certo para retornar a aldeia, se era o objetivo chegar à aldeia, pelo memo passei a acreditar que aquele caminho me levaria de volta, no final das contas, daria em algum lugar independente de saber ou não, não podia ficar era parado sem buscar as respostas para aquel encontro, só precisava saber o que teria que fazer agora, qual seria a minha missão, se é que tinha alguma.

A garotinha ao meu lado sem dar uma palavra, brincava com um pedaço de papel dobrado, não tinha me dado conta de que ela, em sua inocente forma de brincar, estava me mostrando aquele pedaço de papel, o tempo todo, preocupado que estava em sair dali eu não dei importância ao velho papel amarelado, pensando que não era nada apenas tratar-se de uma distração ou brincadeiras de criança.

O papel na verdade era um velho mapa, constatei quando pedi a ela, depois de andar a esmo parecendo fazer círculos e mais círculos, sem sair do lugar, resolvi parar e estendendo o mapa no chão só agora aberto, pude ver que havia um ponto marcado e pela indicação, era um pequeno morro à frente, a garotinha sorriu e me disse mostrando com o indicador o ponto no mapa. Moro aqui, pode me levar para casa?

Assenti com a cabeça, o problema da garota estava resolvido, ela voltaria para sua casa, e eu? Retornamos ao carro seguindo pela trilha, a garotinha conhecia o percurso, chamava-se Valana nome bonito e diferente dado por seus pais, contou-me que o seu nome foi sussurrado quando nascera, lembrava-se disto como se fosse hoje, todos os pais fazem assim naquela aldeia, seus nomes, era o primeiro som que ouviam ao nascerem era um costume entre eles, os nomes eram sonhados e mesmo que coincidissem uns com outros, entretanto, o chamado de cada pai era particular e especial, e mesmo em grupos, com nomes iguais, sabiam distinguir quem os chamava e atendiam conscientes aquelas vozes especiais dos seus entes queridos

Perguntei-lhe o que fazia tão distante de sua casa naquelas ruínas onde a encontrei, olhando para mim disse que teria que estar lá pois de outra forma não me entregaria o mapa, que para ela era aquele papel amarelado que agora estava na minha mão.Tratava-se do velho mapa, exatamente como os piratas faziam para determinar a exata localização dos seus tesouros.

Não quis perguntar mais nada, talvez dali surgisse o que seria uma longa história, com muitas perguntas e que eu sinceramente levava fé que aquela garotinha sabia sim, responder, o problema era se eu entenderia as suas respostas, não estava ainda, preparado para decodificar, além do mais, exausto e doido para chegar a casa.

Alguns adultos têm essa mania, de não levar crianças a sério, não sabem que elas estão conectadas e espertas para o que não podemos ver, destituídas de tantas defesas que nós adultos temos, reconhecem os sinais que para nós passam despercebidos. Enfim, chegamos ao ponto procurado, havia uma pequena gruta de pedra parecendo a entrada de uma caverna a garotinha pediu que aguardasse ali, pois me daria um objeto para que eu levasse para o outro lado, sumiu na gruta.

Que outro lado seria esse que ela falou? Eu não sabia, entretanto aguardei. Enquanto esperava observava o por do sol de uma tonalidade rosa-amarelada caindo no horizonte, o silêncio transformava a solidão em medo, o vento remexia as folhas das árvores e ao longe pude observar os mesmos pontos luminosos, que agora ao anoitecer ficavam mais visíveis dentro da floresta, eram os mesmos que vira antes, semelhantes a lâmpadas fluorescentes, de tonalidade azulada. A direção era aquela, lá é aonde eu iria.

Alguém tocou suavemente o meu ombro, voltei-me devagar, era Vasta, pude perceber que estava de volta ao velho sofá abóbora, nas velhas ruínas, na minha mão uma pequena caixa de madeira, retomamos pela mesma trilha das cobras, calado apalpei aquela caixa que me foi dada pela garotinha Valana. Quem realmente era? Onde estaria agora?

Certamente brincando com velhos mapas em sua casa, mas se estava feliz, era o que mais importava.

Tinha certeza que já a conhecia de algum lugar, ela me olhava como uma pessoa familiar, não demonstrava nenhum medo ou curiosidade, era como se estivesse ali cumprindo apenas uma missão, como se fosse uma atenção que eu merecia, um agradecimento por algo que talvez eu tivesse feito em outra ocasião que não lembrava agora. Dentro da caixa deixada por ela encontrei uma corrente prateada.

Embora Vasta em momento algum se manifestasse ou falasse algo, percebia que já estava mais que na hora de tomar um rumo deixá-la sozinha em seu canto e procurar um local para morar, qualquer lugar, já que não tinha mesmo nada. Na aldeia, as pessoas costumam se reunir em mutirão, para construir os seus lares, não pagavam impostos ou taxas sobre as áreas, desde que fosse usada em benefício da comunidade, você podia construir a sua morada onde desejasse obedecendo sempre os padrões estabelecidos, não extrapolando a altura de um sobrado, em áreas distantes de rios e nascentes, e com as suas frentes precisamente voltadas para o norte magnético, a madeira poderia ser retirada da floresta somente de determinadas árvores plantadas unicamente com esse objetivo, árvores derrubadas pelo tempo, preferencialmente, tudo muito artesanal e cuidadosamente projetado, como sabiam fazer isso bem! E por muitas gerações respeitaram essas lições de convivência com o meio ambiente.

A casa tomou forma rapidamente e os utensílios mais necessários foram doados por alguns moradores como era costume.

Interessante era: Estava ali porque me impacientei com a vida parada que levava na cidade grande, do trabalho para casa e agora, a construção da casa determinava o sedentarismo, o fincar raízes, com a construção de uma nova moradia, quer dizer então! Eu só troquei de lugar para continuar a fazer as mesmas coisas, de forma diferente.

Esse era o meu pensamento nas reflexões diárias, eu pensava assim, e já fiquei muito preocupado. Mas parecia que ali naquela aldeia eu estava em todos os lugares do Universo, era essa a sensação. Estava explicado o porquê de sermos sozinhos na multidão, sedentários não são os que têm casa mas, os que não criam asas.

Ninguém chega àquela aldeia para ficar, há sim um espaço provisório que oferece abrigo e proteção. As pessoas são tolerantes, pois sabem que a lei aqui não é a de onde se vem e sim, a de onde estamos e o que queremos.

O tempo passava e eu não tinha a exata noção do quanto convivi alí, e cada vez mais me surpreendia com coisas e pessoas que sabia já terem feito parte da minha vida, mas que, de alguma forma encontravam-se afastadas ou, tomei um susto quando constatei rebuscando em um esforço maior nas minhas lembranças, que algumas pessoas sumiram repentinamente, outras eu nem dei por conta e, eram como velhos colegas de infancia, alguns, não lembramos porque não foram constantes em nossas vidas, e que mesmo assim, no momento que os vimos, depois de tantos anos? A memória volta limpa e clara como em um filme acelerado. Como é que podia?

Pensei naquela ida ao campo de comemorações onde Vasta, não demonstrou nenhum estranhamento, atitude que interpretei como se ela considerasse tudo muito normal, quando lhe perguntei de onde vinham todas aquelas pessoas, se a vila era muito menor em população? Uma dúvida dentre tantas outras, que precisava esclarecer urgentemente.

Fui à casa de Vasta, e como sempre, cada coisa devidamente em seu lugar, nenhuma marca de poeira, cores sóbrias, um bom gosto acima do normal para o restante das casas da vila, inclusive, parecia que garimpava cada objeto antes de colocá-los lá, encontrei-a na sala sentada no chão, polindo algumas pedras, geometricamente redondas, e cada uma tinha uma marca diferente como um jogo de cartas, não sabia do que se tratava, entretanto antecipando qualquer movimento especulativo da minha parte, interpelou-me perguntando o que eu tinha curiosidade de saber, que as pedras poderiam me ajudar a responder.

Aquela sua visão antecipada das coisas era uma constante, saber que eu estava ali com muitas dúvidas e respondê-las mesmo antes de perguntá-las já não me surpreendia tanto na amiga Vasta, só que agora não sairia dali sem as respostas, nem que a nossa amizade ficasse balançada, estava decidido a resolver de uma vez aqueles assuntos e mistérios.

Ela olhou para mim, como nunca havia olhado antes, com todas as respostas estampadas, pude perceber ali, o que é um olhar consciente, todas as respostas, tudo o que ela iria me dizer sabia antecipadamente como a mais pura verdade, com a calma dos que sabem, seus olhos encontraram os meus que nunca souberam nada.

Aproximei-me das pedras e peguei uma delas, a mais polida e cinzenta e troquei de lugar, meu estado interior indicaria a posição correta, cada posição decidiria uma orientação a seguir, quando a sua energia está boa em qualquer posição você perceberá a harmonia, esse jogo das pedras exige certos procedimentos básicos e movimentos certos. Vasta respirava e executava certos movimentos, resolvi acompanhá-la e comecei a imitar os seus gestos relaxei e deixei a energia fluir. Meu corpo começou a ganhar um calor intenso, a esquentar depois de alguns movimentos principalmente a sola dos pés, sentia o chão frio, fechei os olhos para absorver melhor as sensações, e como já estava entendendo os movimentos, fui fazendo sem me preocupar em seguir os movimentos de Vasta, podia sentir a sua respiração cadenciada junto com a minha desenvolvemos um ritmo paralelo e harmônico, agora percebia uma luz que começava a sair das pontas dos dedos dela, as pedras dispostas no chão formavam um caminho, e agora como se estivesse no alto flutuando podia vê-las como em uma fotografia aérea, estavam interligadas por pequenos fios brilhantes e geométricos semelhantes a rotas aéreas, apontei para uma das pedras e uma luz incidiu sobre elas, também havia luz saindo dos meus dedos semelhante a Vasta, formou-se a minha frente uma teia de luz intensamente forte, mas que não me ofuscava podia enxergar diretamente mesmo mantendo os olhos fechados eainda assim continuava vendo essa luz.

O que você vê não importa, tinha certeza do que Vasta falava, (o que você vê pode não ser a verdade) suas palavras eram como guias para uma nova experiência nunca antes vivida por mim, eram sábias orientações de quem já vivenciara tudo aquilo. Como uma pessoa podia se acender maravilhosamente para outra.

Um vento muito forte balançava o meu corpo não sabia qual direção tomar, uma certeza de que não queria voltar, me deixei flutuar sem nenhuma reação, isso talvez tivesse contribuído para diminuir a ansiedade e tudo que era ruim, procurei controlar-me, fui sentindo o domínio aos poucos muito gradativamente e quanto mais relaxava ficava mais senhor dos movimentos.

As pedras no chão começaram a rodopiar, mudando de posição constantemente, pareciam assumir formas desconexas (para mim), de repente tudo se acalmou, um silêncio desceu sobre o mundo, podia sentir uma energia vibrante perpassando, o ambiente estava energizado, não sentia fisicamente meu corpo, embora quisesse tocar-me (como um beliscão para acordar) não havia controle das ações meu pensamento não me obedecia, era como se estivesse me dissolvido ou evaporado.

Vaguei por paisagens estranhas as quais nunca vi antes, nenhuma vontade de voltar, não tinha o domínio dessa viagem, deixei-me levar, visualizei fatos que já tinham me acontecido, e que antes, não tinham muita importância ms que agora entendi como decisivos, devia ter dado mais importância a eles, de certa forma, mudariam a minha vida.

Nunca soube explicar o que aconteceu exatamente, podia ouvir Vasta, sentir a sua presença, queira abrir os olhos, estavam anestesiados, estava muito assustado com tudo aquilo que era novo para mim.

Contemplei a paisagem tranqüilamente, observando cada detalhe, quanta coisa havia passado despercebida, a maciez da grama, o verde da mata a brisa no rosto e uma vontade muito grande de continuar tudo que havia deixado para trás e ainda por fazer.

Parei um pouco sentindo o meu coração batendo fortemente, a inquietação tomava conta de mim, teria que sorver aquela liberdade de forma consciente e lenta, sabia que a novidade vinha sempre cercada de sacrifícios.

Talvez aquilo não passasse de uma miragem passageira, confesso que todos os meus fantasmas estavam lá, apareceram prontos para o ataque, é aí que cabem as decisões do ser, qualquer vacilo e iria tudo ladeira abaixo, queria andar mas os meus pés presos ao chão duelava com os meus pensamentos, havia uma grande parede a minha frente, mas também uma porta secreta precisava atravessá-la a qualquer custo sentia que estaria livre de tudo o que fui, e começaria ali a verdadeira descoberta das “verdades” que sempre procurei, todos os conceitos estabelecidos ruíram, na verdade, eles é que me prendiam!

Resolvi ir mais longe, sentado na grama em um local elevado, dali podia ver toda a extensão da floresta pelo lado norte da vila, era a direção que as casas eram construídas, imaginei estar perto do riacho com os pés molhados para aliviar um pouco a minha tensão, e estava lá, podia ver os peixes, nadando livremente, toquei a água e bebi um pouco, era como rejuvenescer, não sabia até então de todo o meu poder de transmutação, poderia estar em qualquer lugar que desejasse, restava saber se o meu corpo também ia ou apenas a energia que Vasta comentou, precisava urgentemente falar com ela.

Enquanto caminhava ia pensando, que importa o que vá, o homem foi feito com a cabeça separada do corpo, o físico ou o espiritual, nem sempre funcionam em conjunto, se posso ajudar alguém, o que quer que vá, ajudará, certamente será suficiente, era como chegasse a hora das oportunidades e temos que abraçá-las sem medo sabendo que não voltarão tão cedo, eram as leis, não eram criações livres de qualquer pensamento.

Quem quer que tenha o comando dessas transformações, teve evidentemente inteligência suficiente para tal, deve de ter pensado nos mínimos detalhes, havia de ser um plano alvo e real para todos, com um ritmo pessoal, individual e diferente. Mesmo assim conversaria com Vasta.

Continuei andando, do alto do morro avistava a vila, estranho! Agora parecia tão abandonada, como se nunca tivesse existido de verdade, muitas lembranças me assaltaram, meu velho pai e seus conselhos, que só depois de muito tempo entendi o que era sabedoria, tão verdadeiros, tão práticos, como seria diferente se os tivesse seguido antes e de boa vontade, certa vez conversando comigo pediu-me que continuasse com suas crenças e cultos, sinto, mas não continuei os seus cultos, pedi orientação a um mestre amigo dele, que perguntou-me apenas se queria continuar ou encerrar ali respondi que queria encerrar.

Nunca mais o vi. Se fizesse tudo o que meu pai queria, alguns diriam: “Aí você não seria você” claro que seria eu, como sou! Apenas não erraria tanto. Minha mãe e suas orações, de uma paciência chinesa, de uma força tamanha e de uma espiritualidade a toda prova.

Sabia que era parte última desse ciclo que chegava ao fim para o início de um outro.

Entendemos perfeitamente como um aviso de perda e transformação para ela, nos dois sempre demos muita atenção aos avisos. A união e a felicidade são belos contrastes quando a vida encerra o seu ciclo. Precisaria mesmo conversar com Vasta?

Talvez esses pensamentos fizessem a luz se apagar. Vasta continuava sentada em volta das pedras. Eu sabia que ela não mentia, conhecia o meu passado, viveu o que seria o presente, deduzia o meu futuro, compartilhava minha viagem como um co-piloto eu não tinha nada nem como esconder algo dela, o resto não importava, por enquanto também era vento, agora acomodado no chão de frente prá ela, calmamente me refazendo, sem nenhuma agitação ou pressa já´que ali sabia que era muito relativo.

Ela que falava pouco e agia muito, deixou claro que há uma hora certa para todas as coisas para falar e ouvir, agora sabia qual era a minha hora, continuou dizendo:

Eu cruzei a “fronteira” deixando tudo para trás tudo, estou aqui por opção, talvez agora -onde quer que os meus estejam - eles entendam a importância que dou à batalha que escolhi em um mundo onde as pessoas não têm com quem dividir as angústias e os verbos unir e compartilhar ficam apenas na esfera oral.

Trago muitas feridas na alma, da separação da perda, lembranças que não ficarão esquecidas, mas que são muito pequenas, diante dos verdadeiros problemas que temos e devemos enfrentar.

Quem teve tudo isso sabe! Os que nunca tiveram... São esses a quem busco.

Minha batalha tem provocado mudanças, sempre debaixo desse maravilhoso sol que doura a pele e os telhados, por quantas vezes achei que estava louca por tentar atravessar tudo aquilo com meus sentimentos e meus ossos, seguindo em frente, impulsivamente para frente, na certeza de que o essencial estava lá, esperando por mim como uma recompensa, um tesouro, semelhante ao que você sentiu quando decidiu aventurar-se por esses caminhos e chegar até aqui, sabia que haveria uma recompensa, o que esperava por nós era não sermos os mesmos, nunca tive tempo de visitar-me.

Você assim como eu e todos daqui da vila fomos escolhidos, para entender os mistérios que o universo propõe por essa incontável quantidade de planetas afirmando a pequenez do ser humano diante do inexplicável, por que estamos aqui?

Fazemos parte de uma casta de desbravadores, cada um a seu modo, quando você atravessou a parede na sua primeira experiência, na verdade entrou em outra dimensão fora do seu conhecimento imediato, mesmo que você volte perfazendo todo o caminho que trilhou, nunca retornara a sua origem, a sua pátria a sua cidade nem aos seus familiares, as pessoas do seu relacionamento acreditam que você desapareceu porque nunca mais deu notícias, acham que morreu assim como outros que aqui estão já foram dados como desaparecidos, essa é a lei, ão retornaremos jamais ao que fomos, esqueça.

Aliás, explicarei logo esse termo “morrer” ele só existe na sua dimensão, aqui na vila somos apenas pontos luminosos, e energéticos, você é um! Só que ainda não se enxerga como tal e que já viu na floresta, você agora é um ponto luminoso, visto do meu ângulo, uma forma de energia e que está em todo ser vivo em qualquer lugar do planeta, só que as atribulações diárias, o consumismo, o materialismo, nos deixa tão cegos que não nos permite ver, enxergar, eu disse enxergar esses pontos luminosos que são os nossos semelhantes, são seres humanos transformados em luz é para isso que você está aqui, para ser essa luz, entende.

O nosso trabalho é esse intercâmbio dimensional encontrando as pessoas que tenham as nossas ”marcas”, que queiram extrapolar essa moldura que chamam de corpo, transpor essa forma de padrão físico, tão “valorizado”, e que só serve para distanciar cada vez mais, o profundo que há no ser. O que não pode ser visto com os olhos da alma não tem nenhum valor para nós, trata-se de uma luta árdua e difícil mas, ão impossível, quando então uma grande quantidade de nós seres especias estivermos juntos, nascerá um outro planeta, a nossa Terra deixará de exister na sua forma atual, talvez ainda não entenda, não será a destruição, mas uma transformação, e os que não estiverem conosco, o ciclo eterno, infelizmente não sobreviverão por muito tempo ao que acontecerá em seguida.

Lembrei o quanto era disperso para as coisas materiais, não gostava de comemorar nem a data do meu aniversário, para não fazerem festa, sempre escondi isso. Sem muita riqueza de detalhes imaginei qual era a minha missão ali, sentia-me em absoluto estado de liberdade, uma onda invadia o meu corpo, uma energia vibrante, um estado de felicidade que nunca havia experimentado antes.

Não digo exatamente que acordei, pois com certeza aquela não era a volta de um longo descanso de sono, estava estranho como um espaço em branco sem entender nada, sem poder explicar nada, dali pra frente trabalharia com a intuição vaga de que todos sabiam de tudo, já tivera passado por aquele processo, não perguntaria nada, muitas coisas que não gostamos nunca foram ditas, as palavras têm esse dom, consultei as horas, o sol estava morno, o dia amanhecia quieto, inexorável e consciente em sua grandeza, nunca vira um amanhecer tão lindo em minha vida, pensei em voz alta, é companheiro temos muito a descobrir!

Na velha parede corroída pelo tempo havia uma inscrição desbotada: “Andando na superfície ser ter se aprofundado”

Certemente fazia alusão às pessoas que apenas passam pela vida sem nenhum compromisso com o seu semelhante, na superfície das amizades e sem querer realmente entender nada do que fosse solidariedade, era o que eu percebia.

Agora tenho mais definida a minha missão, enquanto desbravador, é fazer com que as pessoas acreditem no seu instante mágico, cercado de pequenas coisas, aparentemente insignificantes que se não forem bem tratadas hoje, lá na frente, nos farão voltar. Um preço razoável para a meta de qualquer um.

Cuidar do seu tempo presente, do seu agora! Se aprofundar, criar raízes, não esperar nunca um possível retorno das coisas, pegue-as já!

As coisas são assim, se hoje são definidas e claras, amanhã poderão estar confusamente desorganizadas, impossível encontrar a paz nesses constantes intervalos, acho que são produzidos para confundir e nos deixar desconfiados, o que fazer é o que menos importa quando todas as duvidas descem como tempestade de chances mínimas e erros fatais, torna-se vital mover-se lenta e cautelosamente por entre os escombros onde as minas invisíveis esperam para fazer o seu trabalho.

Como em um velório sem corpo sem alma sem nada, apenas espero a minha hora, calado quieto no canto, só agradeço a dádiva de viver eu que não sou nada hoje até sonho com muitas coisas, brilhando silenciosas, como frutas sem dono.

Essa constatação de poder é como um formigamento, uma vontade de sair e gritar, não um grito qualquer, mas aquele grito primário, engasgado, como o primeiro ouvido.

A esperança de morrer deve ser mínima para um guerreiro que espera a grande batalha, ele sabe que alguma coisa necessita acontecer urgentemente para nos tirar deste torpor anestésico, esse inexplicável gosto de sangue na boca que se não é de medo, é de quê?

Alguma coisa se libertara de mim o conflito comprovava a instabilidade em que vive a minha alma, entretanto a atmosfera era propícia para o sacrifício nenhuma ternura ou complacência para com os fracos e insignificantes, nenhuma reverência identificava a fala nenhum sinal externo para que não se perceba o menor vínculo de amizade, sem querer retiro os panos que cobrem a minha essência e me transformo em qualquer ser da próxima multidão, posso me desviar em qualquer esquina, mas, prefiro seguir em frente continuar visitando os cômodos secretos onde residem as almas ir atravessando as paredes desses labirintos.

Posso ficar aqui, sentado, pensando, posso mergulhar no caos da realidade, posso tentar entender o que nos move dentro desse caldeirão de acontecimentos alheios a nossa vontade alheios a nossa métrica social, fatos que fogem ao esquema tradicional e que às vezes caem aleatoriamente em nosso colos seguindo por dentro da corrente do rio da vida, que flui independente, impiedoso, nos levandodo em suas águas, com seus escombros, lascas, ferpas, difícil ensinar quando somos aprendizes.

A chuva molha indiferente o chão que devemos pisar, todos passam pelas ruas molhadas, o vento frio convida os agasalhos, o leite quente, a conversa morna jogada fora.

As coisas necessitam e precisam ser feitas, não há diferença para as necessárias e quando olhamos para trás, elas já foram resolvidas de qualquer maneira, já passaram, e agora virão outras, e mais outras, iguais, indiferentes, estranhas.

Percorro as cidades converso com pessoas, cada um com uma história, mas todas acompanhadas de problemas, nenhum de nós escapa aos seus problemas.

Às vezes, precisamos desaparecer de cena, dar lugar às coisas, é como arrumar a casa para as visitas que queremos receber ou que apareceem de surpresa qualquer hora.

Não estar presente, entregar o corpo, se esconder nas sombras do esquecimento, visitar as cavernas internas das memórias. Acontece que não ficaremos fora deles por omissão, sorrateiros, já fomos envolvidos também na distancia e aí é muito pior resolvê-los já que estão instalados, incorporados em nosso sangue. O caldeirão faz parte, ele é real.

Na verdade, não descobri o que é melhor, deixar as coisas acontecerem ou abortá-las.

No fundo o esquecimento nos faz aceitar o inexplicável, aquilo que foge ao concenso dito moral e que não deve ser aceito, nos perturba, incomoda demais.

Posso estar confundindo ou ter sonhado com as coisas que imagino, de qualquer maneira, sinto palpitar o meu coração borbulhante como a água fervente par a o chá que preparo para a minha visita, essa hora tudo faz esquecer, o tempo movia lentamente o carrossel, que subia e descia sem pressa.

A minha visitante saboreou o chá sem nenhum gesto, apenas o cheiro das ervas maceradas envolvidas pela água mineral da moringa de argila, agua limpa do pequeno poço no fundo do quintal. A xícara fumegava, mas, o chá era sorvido em pequenos goles resfriado no trajeto até a boca.

Ela espiava a sala da casa girando levemente a cabeça para os lados imaginando talvez, que não fosse perceber a sua curiosidade, quem sabe tentando decifrar os quadros espalhados pela casa, eu mesmo os pintei, quero dizer também, que são apenas rabiscos abstratos e despretenciosos.

Era fim de tarde, o vento espalhava folhas no quintal e trazia cheiros novos, mas aquele misturado ao chá era da minha visitante, inconfundível, a própria xícara não me deixaria mentir, ficou ali na pia quieta sem querer ser lavada.

Ela começou a dedilhar uma música ao violão, só tocávamos composições nossas, era uma regra, realmente hoje em dia, só algumas canções merecem ser tocadas em nossas horas de ócio criativo.

A música tem essa capacidade de contagiar e reunir as pessoas. Quantas possibilidades se apresentavam quando estávamos ali reunidos apenas para ouvir música, sem compromisso comercial, sem tempo definido, apenas ouvir música.

Eram sons ligados a criação, ao bom sentimento, coisas boas, positivas, mensagens fortes de amor e convivência.

Como éramos sinceros, cada um tinha a reponsabilidade dividida, era assim como fechar os olhos e se deixar levar pelo embalo carinhoso das músicas, a minha visitante tinha ótima voz interpretava suas canções ao violão, tinha experiência musical, fizera parte de uma grande banda que se desfez por nada apenas não sabiam o que queriam ainda, uma pena. O seu timbre era inconfundível, ritmo, harmonia, tudo muito bom.

Durante a semana realizávamos esses encontros musicais, ajudava o tempo a passar mais rapidamente, isso era muito bom, estar rodeado de excelente energia vital, deixar a instabilidade do lado de fora.

Como todos morávam próximos, na vila, cada um sabia a sua hora de retornar, o que era feito paulatinamente, sem constranger ninguém, como esses encontros quase sempre aconteciam na minha morada, tinha o privilégio de ser o último a me recolher, isso sempre foi o melhor, pois consegui assim compor as minhas canções, sozinho, no vão da madrugada.

Dessa vez a minha visitante permaneceu comigo, e ali dormimos, na sala. O violão calado tinha nas cordas um inconfundível perfume. O dia amanheceu literalmente musical, chegou para nós mais vivo, mais amarelo, energético, florido.

Sempre começo o meu dia com as prioridades determinadas, quais as tarefas que terei que executar no decorrer dele, a pontualidade em realizá-las tornou-se um sério compromisso para mim, muitas pessoas ainda pecam por empenharem a sua palavra sem a certeza de poder cumpri-las, não sabem o peso que isso gera. Lembro do meu velho pai, das suas orientaçãoes e cobranças relacionadas ao compromisso sério e preciso da palavra empenhada.

O sábado era dia do almoço coletivo, quando algumas pessoas realizavam essa farta mesa e assim era uma espécie de rodízio, cada sábado uma família se encarregava dessa responsabilidade, e isso já acontecia a algum tempo sem jamais ter ocorrido uma falta sequer.

Esperando, ficávamos ali reunidos, cantando, dançando, recitando poesias contando casos, relembrando fatos bons, a música era um dos principais ingredientes desse grupo unido e heterogêneo onde não havia a preocupação nem fingimento de ser real e verdadeiro, invocar a si mesmo, de coração aberto, assim como eram verdadeiras e naturais as hortaliças e verduras colhidas por nós mesmos, vermelhas, verdes, naturais, algo de bom era o efeito de compartilhar tudo isso. O pão nos unia.

Uma abelha voa sobre a minha cabeça, seu zumbido incomoda o meu silêncio, pego-a com a mão direita em um único golpe, agora prisioneira se debate em vão, se desmontá-la agora, parte por parte, asas, cabeça, pernas, antenas, deixar a menor parte, a célula, o átomo, como um quebra-cabeça resolvo montá-la novamente, vejo que ela não pode mais voar, incrível como qualquer ser vivo por menor que seja contém algo inexplicável, desmontar a vida é condenar a morte, o homem não aprendeu a montar a vida do nada, a não ser de outra vida. Abro a mão e solto a abelha, preciso urgentemente ouvir o seu zumbido quebrando o meu silêncio, confirmar o toque do divino em seu vôo sobre a minha cabeça. Algo superior estava ali, naquele momento, sei que estava ali.

O que as pessoas fazem durante as suas vidas de verdadeiro ou não, esconde sempre algo bom ou podre, na verdade, temos os mais variados motivos, as explicações necessárias para os erros justificados, legalmente falando.

Sentimos-nos culpados sem traição, sem a alma sentir-se culpada de qualquer coisa, somos senhores dos gestos e atitudes em apenas um pequeno movimento nos transportamos para o céu ou para o inferno, ou não!

O mundo é grande, o céu é grande, a vida tornou-se pequena para corrigir ou consertar os nossos erros, é errar menos e viver mais, entender onde havia inocência e consciência do seu erro, assim a nossa matemática sempre é positiva é a maneira de sentir-se adulto, satisfeito tornar-se peça importante nesse jogo.

E no fundo do grande sono, estamos meio que acordados nessa convivência com o que se passa dentro de nós, sentimos os segredos acomodados nos cantos da alma esperando que se percam no decorrer do tempo, delicadamente mudos, conscientemente sós, ignorantemente cúmplices, sem linguagem alguma pois escolhemos essa forma.

Nenhum pensamento definido, nenhum desejo a me possuir, ia simplesmente contornando as coisas e me escondendo nos gestos simples, sem exageros, sem desperdícios, tudo o que já aparecia pronto era bom para mim, era benvindo. O mundo era grande, o céu era grande, o primeiro grito seria grande também, como o primeiro passo.

Dialogando comigo, vou construindo um caminho, tocando objetos a minha volta, preciso ser delicado para não abortar o segredo da minha caminhada nem me perder no fundo dos momentos como em um sonho pesado quando acordamos assustados e tudo já aconteceu e ficamos ali sentados, pensativos, tentando recompor detalhes que nos escapam diante da brusca mudança para a realidade ou melhor dizendo, a volta aos fatos reais. O que estamos realmente fazendo enquanto vivemos, meus sonhos fazem assim, uma ponte entre o real e o imaginário, e o que acontece realmente, é um segredo que guardo em um silêncio sutil e sem nome que constantemente sufoco para que não grite e espante definitivamente as pessoas que povoam a minha vida, senão as perderia para sempre.

Um dia quem sabe, se lembrarão de mim, posso estar em um desses grandes sonhos que registram a passagem dos tempos, posso estar em um álbum amarelado esquecido no fundo de uma gaveta, de um armário, em um blog perdido na web e que ninguém sabe a senha.

Enfim, o que são as lembranças? Um arquivo digital e invisível das memórias. Há coisas que só desejam ficar no coração, fazendo parte desse jeito da sua vida.

Decido agora, transformar o que sou, esse é o nosso maior desafio, necessito errar tanto quanto for necessário nesse exercício de mudança que não sabemos onde vai dar, só sei que estou indo, as sensações estão se multiplicando entre a sorte e o que é fatal, estremeço, ainda não fui iniciado pelos que conhecem a essência, não aprendi a dizer as palavras mágicas na perfeita entonação. Vasta detém esse conhecimento.

Sinto que a distância entre o conhecimento dela e o meu está se encurtando, a minha vontade é insuportável, talvez esteja muito próximo de conhecer o meu segredo ali além das revelações.

Percebo os rumores de que algo grandioso está para acontecer, esses pressentimentos que perturbam a paz exagerada, quando tudo parece bem demais é prenúncio de acontecimentos bom ou ruim, ainda não sei ao certo, mas que vão acontecer vai sim.

Os dias transcorrem normalmentes existe uma preparação silenciosa de um movimento que está começando como toda tempestade que chega sem pressa lentamente.

Assim como em Platão, no Fedro, a minha alma é uma carroça conduzida por dois cavalos, um é o das paixões outro é biológico, das emoções, da espiritualidade, aprendizagem e experiência são irmãs gêmeas das minhas ideias.

Aqui nessa vila a tecnologia humana é relegada a segundo plano, tudo o que puder ser concluído artesanalmente, assim o será, dá-se mais valor às brandas tecnologias as que não agridam o meio ambiente ou consumidoras de recursos naturais. A cultura daqui é o que há de mais altamente refinado em termos de consciência coletiva, a evolução aqui se deu no corpo e no cérebro, processou-se geneticamente, cresceu enormemente em espiritualidade, sabedoria, ética, flagrante disparidade que se vê manifestada na simplicidade da sua inteira independência da civilização dita moderna. Por exemplo, aqui não tem Internet, entretanto, observava que sempre que Vasta precisava falar com alguma pessoa, simplesmente dizia, amanhã a encontraremos e trataremos do assunto, como em um passe de mágica, pois, era exatamente essa a primeira pessoa que encontrávamos e já vinha falando sobre aquilo que nós queríamos saber, muito misterioso isso, mas era sempre dessa forma a princípio não percebia mas com o passar do tempo foram coincidências demasiadas para tanto acerto. Tinha sido sempre assim comigo, sonhava as coisas que queria saber e no outro dia, Vasta já tocava no assunto, mistérios...

Esse progresso era portanto racional e intelectual, aparentemente não tínhamos ali todas as tecnologias em seu estágio mais avançado para o crescimento coletivo, minhas limitadas teorias científicas nunca explicaram aquela realidade era uma simples aproximação da verdadeira natureza das coisas, eu modifiquei os meus hábitos, abandonei os pré-conceitos considerando isso uma ampliação da minha esfera experimental, o que via ali todo dia, era inquestionável enquanto realidade, tinha que aceitar pois era o real para mim, essa nova experiência era um dos processos no fluxo da mudança a que estava sendo submetido, e que não foi imposta a mim com nenhuma força, tratava-se de uma conseqüência natural às situações, essa inação tecnológica não era uma passividade mas uma ação “não-contrária” à natureza, estar consciente de que aquela atitude de observação e aceitação era a mais acertada. Outro dia, outros penamentos, outras ações, nova jornada. Apenas seguia Vasta por onde ela fosse. E nesse dia ela acordou cedo e como já falei, eu sabia exatamente que iriamos a algum lugar, sem necessariamente nos falarmos, é aquela história das telepatias, dos comunicados sem palavras. E assim obedeci.

No trajeto, atravessamos uma planície à medida que entrávamos podia perceber algumas abelhas sobrevoando e isso me inquietou bastante pois tinha tido uma experiência não muito boa com esses insetos. Vasta parou um pouco à frente e explicou-me que ali mantinham diversas colméias da espécie “Apis Melífera”, a famosa abelha africana, de comportamento agressivo bastante influenciado por condições climáticas de umidade e temperatura. Havia um determinado horário e maneiras para atravessar a planície sem ser molestado pelo mortal ataque delas. Não estavam ali por acaso, era sabido que insetos são os animais mais numerosos e sobrevivem em ambientes secos e úmidos, e ainda voam. Essa agressividade possibilitava a não-movimentação de pessoas desautorizadas em determinadas áreas, a operária quanto mais velha maior a sua sensibilidade ao feromônio, ainda que as pessoas estejam usando roupas perfumadas ou alguma odor. Essas abelhas eram um forte aliado dos moradores da vila, agiam como cães de guarda, mais eficazes e silenciosos. Havia ali uma grande plantação de maracujá e ao longe como se indicassem o caminho, flores de girassol. Vasta deu-me um frasco contendo um contendo um óleo, onde estava escrito “tronellal”, orientou-me que passasse por todo o corpo, o que fiz abundantemente. Vasta não se utilizou desse óleo.

Atravessando a planície, enveredamos pelo caminho de girassóis que ladeava a estrada, uma nuvem cinza ensaiava chuva o que aconteceu repentinamente, continuávamos andando, ia ali pensando, a vida toda em um dia, e um dia aberto a receber toda a vida, em sua graça, toda a prática, todo o ensinamento.

O caminho, continuava cercado por girassóis e cada vez mais pedrogoso, ouvia agora bem longe o murmúrio de águas, certamente um rio, por certo encontraríamos um rio, na direção do poente, provavelmenmte impraticável à navegação pela enorme quantidade de pedras.

Quanto mais andávamos mais frio ficava, esse ar incomodava de tão puro, Vasta nada falava, apenas caminhava conservando o mesmo ritmo inicial, espaçadamente olhava para mim como se indagasse sem palavras se eu precisava de algo.

Estava claro que seguíamos a trilha de um rio, e agora sabia que ele estava lá, abaixo de nós sob as pedras em uma longa extensão, invisível aos olhos, só acessível através das frestas em algumas grutas, o que muito poucos da aldeia conheciam. Quanto mais andávamos podia sentir fortes alterações de temperatura lufadas quentes e frias se misturavam, nunca estabilizavam, ora quente ora frio, o caminho era longo, cansado e ofegante, Vasta entendendo esse esforço resolveu parar junto à uma enorme pedra de forma piramidal, esculpida pela própria natureza em seus desígnios evidentemente um dos marcos determinados na caminhada para dar a certeza de que ali era de menor risco e sacrifício e bem melhor do que por outro.

Chegar até ali, para Vasta, ultrapassava as melhores expectativas dessa jornada, em alguns dias poderíamos vislumbrar as cordilheiras, objetivo tão desejado por tantos aventureiros influenciados por histórias de ouro e prata cuja fama tinha chegado a eles através de confusas lendas. Entretanto, alguns ainda não conheciam o “erro geográfico”, ou seja, posições mapeadas que só apareciam em determinados horários, em determinados pontos, disso eles não sabiam, aludindo a isso o malogro das inúteis tentativas em um lugar onde não cabia erros e onde a natureza bradava sobre si mesma.

Em verdade a minha vontade estava aliada a um poderoso estímulo, não podia me dar ao luxo de ficar cego à importância de novos achados, nem refutar a força das evidências de algumas doutrinas que outrora foram desprezadas e que voltaram com força e endosso dos grandes sábios já que a prática revelou o contrário, havia sim verdades e argumentos reais só captados por poucos principalmente aqueles a quem não foi dado a visão do momento mágico, passaram, mas não viram, outros não foram predestinados nem tinham a paciencia do aprendizado, de qualquer modo são muitos pormenores coisas que fogem a explicações.

Enquanto descansávamos sentados na relva, contemplava a figura pensativa de Vasta, estávamos em frente da cachoeira e gotas d’água desenhavam um arco-íris no céu azul, a profundidade daquele silêncio não tinha preço, a água que caia parecia renovar os bons fluidos nada se comparava ao que tínhamos ali naquele momento, o silencio foi interrompido pela fala de Vasta, parecia concentrada no que queria falar, quando começou através do olhar fiz compreender que podia ouvi-la o tempo que precisasse.

Vasta relembrou da sua família quando estavam juntos, ela, seu pai, sua mãe e um irmão mais novo que ela, eram ricos, tinham muitas terras, viviam da criação de gado, e de muitos investimentos financeiros, podiam comprar tudo que o dinheiro permitisse nessa vida, e ela, não tinha nenhuma preocupação com os seus, gastos era uma pessoas sem nenhuma responsabilidade, baladas, festas, carros, bebidas e drogas, tinha amizades com uma turma da pesada, a mãe a aconselhava muito entretanto como sempre os filhos fazem o que quer, hoje ela sabe quanto errou e se arrepende.

Seu irmão falava muito que ela tinha que mudar esse comportamento, preocupado com o seu futuro, daquele jeito seria certa a miséria, então, ao completar a maioridade, resolveu sair de casa e viver a sua própria vida, seu pai não aceitava isso de bom grado, nem sua mãe que a partir dessa decisão dele, nunca mais foi a mesma. Sem terem muito o que fazer reservaram uma boa soma para o filho, desejando-lhe que voltasse quando achasse melhor, de qualquer forma, fora criado para ser o herdeiro e administrador dos seus bens, com isso Vasta pouco se preocupava.

Não se sabe ao certo por que depois de pouco tempo o pai falecera, repentinamente, pegando todos de surpresa. Vasta continuou com a mesma vida que levava e sua mãe com todos esses impactos adoeceu e no leito pediu que ela encontrasse o seu irmão a qualquer preço, embora ele escrevesse sempre para ela, hoje eu sei que não é a distância que separa as pessoas, mas sim a presteza, a falta de atenção, a indiferença, estes são os abismos, sem a sua presença física, nada era suficiente, não queria morrer sem vê-lo, esse era um pedido que ela não poderia deixar de atender, assim seria feito.

Vasta contratou um detetive e solicitou o que sua mãe lhe pedira. Periodicamente recebia mensagens do estava acontecendo e as quantas andavam essas buscas, baseada nas cartas e carimbos do correio das cidades em ele estivera. O detetive conhecia detalhes da vida do jovem viajante, que foram fornecidos por Vasta na época da contratação dos serviços, essa era a sua carta na manga. Em determinado local depois de muito pesquisar, conversar com várias pessoas durante dias, encontrou um rapaz que dizia ter conhecido quem ele procurava fazer amizade não foi difícil para o experiente detetive, enturmou-se logo e começou a sua pesquisa através dos detalhes que só os que conviveram sabiam. Depois de um tempo não teve mais dúvidas era quem procurava, aí então, explicou por que estava ali e o que pretendia. Aquele rapaz conhecia realmente o irmão de Vasta, era um andarilho que fez amizade com ele por isso sabia de tantas coisas, eles caminhavam juntos, bebiam juntos, e as amarguras eram colocadas para fora, como desabafo, entretanto, houve um desentendimento, uma briga, e o irmão de Vasta, gravemente ferido pelo andarilho, foi dado como morto nesse confronto, o andarilho levou todos os seus pertences juntamente com seus documentos, na verdade o detetive havia encontrado o assasssino da pessoa a quem ele procurava há muito. Esse homem sabia que o rapaz que ferira na briga, era o herdeiro de uma grande fortuna e não titubeou, aliou-se ao detetive para traçar o plano que os fariam ricos.

Sabia também que seria reconhecido e desmascarado por Vasta quando lá chegasse, claro, ela conhecia o seu irmão e ainda que tivesse perdido todo esse tempo sem vê-lo, ainda assim o reconheceria, isso era evidente para o detetive contratado esse era o seu grande problema mas, isso ele certamente resolveria enquanto seguia viagem ao encontro da suposta família, o pai de Vasta já havia falecido, a mãe debilitada, não teria forças suficientes para demascará-los ou talvez naquele momento de tanta expectativa não fizesse nada para contestar o retorno do filho, com emoção ou não, eles não tinham mesmo nada a perder.

O destino favorecia os conspiradores, nesse ínterim, Vasta em uma daquelas noitadas sofreu um quase fatal acidente de automóvel e ficou em estado grave, internada em um hospital essa notícia era péssima para para a sua mãe, e propícia para os dois impostores, agora ela estava sozinha nesse ambiente hostil, e sem imaginar o que se engedrava, XXXXXXXXXXXXXXXXX eles sabiam o que tinham nas mãos, muito mais do que haviam imaginado, o único impecilho agora era Vasta que estava internada em situação complicada. O detetive se apresentou a mãe, juntamente com o suposto filho, disfarçado com barba e cabelos grandes, a mãe agora não tinha a menor condição de esboçar nenhuma reação, por mais simples que fosse, certamente não o reconheceu, mas a sua alma amenizou-se com a vontade de rever o querido filho, ficou quieta, tinha medo de desgastar a esperança que ainda nutria, então só tocou a sua mão, e ele, sentindo-se aceito, imaginando que a pior parte do plano estava realizado sem muito desespero, dali não mais se afastou, era um abutre na carniça e passou a morar no quarto do filho esperando um momento certo para o bote, e conclusão do seu plano. Nada era definido ou visível, fosse o que fosse era para todos uma inquietação, ir e vir de qualquer coisa para uma grande decisão que estava o ar, nas coisas a sua volta, uma sombra diurna, que se movimentava lentamente entre os escombros do futuro. Nenhum de nós sabia um do outro. Alguns meses depois Vasta recebeu alta e foi transferida para casa, ainda assim estava sem os movimentos corporais, sem falar, apenas movia os olhos, isso foi um alívio para o impostor, que provavelmente, torcia pela morte dela.

Já em casa foi colocada em um dos quartos do andar térreo, a casa era grande o suficiente para os dois irmãos. Ela estava imóvel, não falava nem mexia qualquer membro do seu corpo esquálido, isso foi de grande valia para o impostor, que entendeu ganhar mais tempo, poder respirar um pouco da forte tensão de ser desmascarado antes de concretizar o seu intento de riqueza sem muito esforço. Os dias passavam mas, cá prá nós, Vasta estava bem vivinha da silva, e percebeu logo a farsa, entretanto, a cautela foi sua companheira, não que no primeiro instante não tivesse vontade de desmacará-los mas, porque ainda não reunia forças suficente para tal. O tempo passava e ela sentia a sua recuperação, e ensaiou alguns gestos lentamente, até que já conseguia mexer os dedos das mãos, depois os pés, conseguiu sentar-se e assim caminhava a sua recuperação, mais pela vontade de vingança do que por outra coisa. Os dias anteviam conflitos, começavam a entrar em um clima de decisão, qualquer passo em falso seria determinante para a derrota, Vasta preparava a sua estratégia de guerra. A medida que melhorava, cuidava do corpo e da mente, alimentava-se escondido altas horas da noite, furtivamente. A melhora foi rápida como teria que ser a sua decisão a partir dali. Pensou bastante, refletiu e decidiu acabar com a festa do impostor, seria questão de dias, aguardou pacientemente, estudou o indivíduo e tinha certeza que a sua reação seria a mais extremada possível. Enquanto isso, o detetive que não era besta, começou a perceber que o rapaz se complicava em algumas decisões, a mãe o tinha pegado em algumas falhas, e havia por várias vezes questionado o detetive quanto aquele ser seu verdadeiro filho, ao que ele apresentou os documentos roubados pelo andarilho, por causa de muitos erros, o detetive decidiu acertar o seu trabalho com o impostor já que ele movimentava todo o patrimônio da falsa família, exigindo uma grande quantia para ir embora e não contar a verdade para ninguém, assinou assim a sua sentença, pois não demorou a desaparecer sem deixar vestígios, agora só restava Vasta que percebendo o que acontecera resolveu fugir para depois reunir forças e provas suficientes para desmacarar o impostor, e assim o fez.

Nada levou de casa, a não ser algumas roupas, distanciou-se o mais longe possível daquela região, andou por diversos lugares indo parar onde estamos hoje, naquela vila encravada na montanha, certamente ela não era qualquer uma, e a vila esperava por nós pessoas diferenciadas das demais. Enquanto estava ali, Vasta acompanhava toda a vida do seu suposto irmão, agora herdeiro total da fortuna dos seus pais, e ele não fez outra coisa a não ser destruir o patrimônio que tão trabalhoso foi para acumular, ele vendeu todo o gado e casas, restando apenas as terras que se perdiam de vista por todo o vale, havia boatos de que por ali seria construída uma hidreéletrica sendo assim toda a área seria desapropriada o que realmente coteceu. Ficou morando na atiga propriedade na beira do novo lago que se formou e restava a ele, uma grande soma em dinheiro, barras de ouro, dólares, que não confiou em guardar no banco e retirava as quantias necessárias para o seu sustento, aprendeu a pescar, cultivar e armazenar o que precisava para a sua sobrevivência e fazia isso todo dia, não deu outra, saturado. Não agüentava mais aquela vida e um dia, decidiu nadar até o outro lado do lago para relembrar talvez, pelo que tanto imaginou possuir, mesmo através da falsa identidade, do golpe e da morte do detetive, o que antes ele pisava e era tudinho seu, assim o fez, nadou, nadou, não se sabe pra onde, acho que não tinha a certa noção da imensidão que continha, como a força das águas sempre é maior que o nosso medo, ele nos abandona e se estreita no riacho que invade o rio, que invade o mar, que invade a vida, que invade a todos nós.

No fundo do rio repousa tudo o que precisamos ter, bem no fundo, junto com as pedras que a transparência permite ver, há um caminho próprio para a travessia, os pés seguem as palavras, não ao contrário, nos caminhos que construimos.

O que sabemos é que ele nunca mais voltou, as águas cobraram um alto preço dele. Nesse instante, Vasta entendeu que precisava voltar àquele lugar e concluir a sua missão, agora nem tão penosa, pois o destino se incumbira de tomar o que, na verdade, nunca fora verdadeiramente desse impostor. Só sabe que já se encontrava no local das suas antigas terras, encontrou a casinha, entrou, e sem muita pressa, de coisa alguma, ficou por ali meditando, lembrando da sua infância, de como passou pela vida tresloucadamente, sem responsabilidade, sem compromisso com nada, apenas vivendo o hoje e desejado o amanhã, daria tudo para voltar no tempo e até que poderia mas, não tinha nenhuma vontade agora, de alterar nada daquele passado funesto. Mentalizou, foi até ao centro da sala e bateu fortemente com o pé no chão, havia uma placa de mármore solta, arrancou-a e ali estava toda a fortuna do impostor, na verdade era a sua, do trabalho dos seus pais. O que fazer agora?

Ficou ali por uns sete dias, o suficiente para tomar a decisão que já estava amadurecida em sua alma, preparou-se para a viagem, antes olhou tudo a sua volta como se soubesse que seria o seu ultimo olhar e que deixaria tudo para trás, uma pessoa estava ali, caminhava rapidamente em sua direção, ela foi imediatamente lembrando-se daquele andar, daquele corpo físico, era o seu irmão, que retornava, ele não morreu como o andarilho pensou ao atingi-lo, abraçaram-se fortemente, contou-lhe toda a historia, sua recuperação, com a ajuda de algumas pessoas, o que batia perfeitamente com o que Vasta já sabia. Ficaram ali por quanto tempo, não se sabe, horas que pareciam anos, descobriram o amor familiar, eram verdadeiros irmãos, um pelo outro, formavam uma família, poderiam agora ficar ali juntos, ela não quis ficar, o seu irmão agora fazia parte daquele local não ela, poderiam tranquilamente sobreviver muito bem com o que restou da fortuna, ele a entendeu e aceitou, ela retornou bem mais leve à vila, caso encerrado, continuariam a vida da mesma forma, agora tinham caminhos mais definidos.

Depois de contada essa história, Vasta levantou-se e caminhou em direção a cachoeira, a água molhava seu cabelo, de forma que todas aquelas lembranças também eram lavadas da sua vida. Passamos pela água como uma película transparente e chegamos a um imenso salão, à frente uma parede de pedra determinava o fim do caminho, não para nós que atravessávamos paredes e foi o que Vasta fez.

Segui-a chegando a uma sala toda revestida em prata, havia também outro portal, a entrada de um grande salão, desta vez, todo revestido em ouro e adiante, uma piscina com um líquido semelhante a alumínio derretido, Vasta continuou caminhando e percebendo que eu havia parado, olhou para trás e era como se dissesse: Venha! Continue! Tive medo daquilo tudo, mas, sentia-me preparado e dei o primeiro passo naquele líquido prateado, após sete passos senti os meus pés misturando-se ao líquido prateado, depois o meu corpo, agora estava completamente prateado, Vasta me sorriu, do outro lado, encontrei diversas pessoas assim como eu, figuras prateadas, flutuando acima da piscina de metal líquido, como eu também estava. O retorno à vila foi pelo mesmo caminho, só sei que cheguei lá apenas por pensar e querer estar lá, agora não havia nenhuma dificuldade nisso, essa era a minha última iniciação, agora sim, me constitui um verdadeiro Atravessador de Paredes.

15-05-23

Agora tenho mais definida a minha missão, enquanto desbravador, é fazer com que as

pessoas acreditem no seu instante mágico, cercado de pequenas coisas, aparentemente

insignificantes que se não forem bem tratadas hoje, lá na frente, nos farão voltar. Um preço

muito caro para a meta de qualquer um.

Cuidar do seu presente! Se aprofundar, criar raízes, não esperar nunca um possível retorno

das coisas, pegue-as já!

O atravessador de paredes Láz Ferr

8

As coisas são assim, se hoje são definidas e claras, amanha poderão estar confusamente

desorganizadas, impossível encontrar a paz nesses constantes intervalos, acho que são

produzidos para confundir e nos deixar desconfiados, o que fazer [e o que menos importa

quando todas as duvidas descem como tempestade de chances mínimas e erros fatais. E

vital mover-se lenta e cautelosamente por entre os escombros onde as minas invisíveis

esperam para fazer o seu trabalho.

Como em um velório sem corpo sem alma sem nada apenas espero a minha hora, calado

quieto no canto, só agradeço a dádiva de viver eu que não sou nada hoje até sonho com

muitas coisas, brilhando silenciosas, como frutas sem dono.

Essa constatação de poder é como um formigamento, uma vontade de sair e gritar, não um

grito com voz, mas aquele grito primário, engasgado, como o primeiro ouvido no mundo.

A esperança de morrer deve ser mínima para um guereiro que espera a grande batalha, ele

sabe que alguma coisa necessita acontecer urgentemente para nos tirar deste torpor

anestésico, esse inexplicável gosto de sangue que se não é de medo, é de quê?

Alguma coisa se libertara de mim o conflito comprovava a instabilidade em que vive a

minha alma, entretanto a atmosfera era propícia para o sacrifício nenhuma ternura ou

complacência para com os fracos e insignificantes, nenhuma reverência identificava a fala

nenhum sinal externo para que não se perceba o menor vínculo de amizade, sem pressa

retiro os panos que cobrem a minha essência me transformo em qualquer ser da próxima

multidão, posso me desviar em qualquer esquina mas prefiro seguir em frente continuar

visitando os cômodos secretos onde residem as almas, vou atravessando as paredes desses

labirintos.