Desvendando mistérios

Muitas coisas que julgamos misteriosas ou sobrenaturais, no fundo, têm explicação lógica; são apenas fruto da nossa ignorância. Por mais fantásticas e estranhas que pareçam, sempre ou quase sempre, podem ser esclarecidas. A história que vou contar-lhes é verídica e espero que sirva para ilustrar a minha teoria; é um exemplo de mistério desvendado.

Herdei da minha mãe o amor pelos gatos. Os felinos têm um poder mágico que age sobre mim e me fascina. Sendo assim, sempre tenho gatos em casa. É comum, entre as pessoas que decidem criar um gato, a preferência pelos machos, no intuito de evitar ninhadas. Porém, contrariando a maioria, não discrimino as fêmeas; são mais ágeis para caçar ratos e muito mais carinhosas e brincalhonas. Quanto às ninhadas, acho superdivertido ter um bando de filhotes correndo pelo quintal. Por falar em filhotes, foram estes os protagonistas de um quase indissolúvel mistério.

Lua, uma das minhas gatas, acabara de parir 6 lindos filhotes. Era sua primeira gestação. Nos primeiros quinze dias, tudo corria normalmente. O mistério começou quando, numa certa manhã, percebi que um dos gatinhos havia desaparecido. Procurei como um louco por toda a casa, e nada; procurei vestígios: algum sinal de sangue, algo que denunciasse morte; nada encontrei. Na falta de uma explicação, começaram as especulações. Eva, minha esposa, dizia acreditar que algum gato estranho poderia ter entrado no quintal e seqüestrado o pobre gatinho. Brincando, eu disse que só acreditaria nisso se o seqüestrador entrasse em contato, pedindo resgate. Ela não gostou muito da brincadeira e, num desafio, exigiu-me uma explicação mais convincente que a dela. Fiquei em maus lençóis, já que não tinha a mínima idéia do que poderia ter acontecido com o gatinho. Porém, lembrei-me de um fato que poderia elucidar o caso. Recordei uma noite em que, chegando do trabalho, vi uma grande coruja branca pousada sobre o telhado. Seria esta ave a responsável pelo sumiço do filhote? Quis acreditar que sim, mas muitas dúvidas ainda ocupavam minha mente; ainda não estava totalmente convencido.

Lua criava, com muita dedicação, os cinco gatinhos restantes; era um exemplo de mãe amorosa e cuidadosa. Quando os filhotes completaram dois meses, sem condições de abrigar tantos animais, distribuímo-los entre parentes e vizinhos. Ficamos somente com Lua, triste com a ausência dos filhos, e com o mistério, ainda não diluído, do desaparecimento. Poucos dias depois, Lua parecia conformada. Eu e Eva já não procurávamos respostas, pouco lembrávamos do assunto. Porém, seis meses mais tarde, todo o clima de mistério voltou a se instalar. Lua pariu sua segunda ninhada, desta vez com sete gatos. Com poucos dias de vida, um dos gatinhos desapareceu misteriosamente. A exemplo do anterior, nenhum vestígio deixou que ajudasse a esclarecer seu sumiço, nenhuma pista, nada que levasse ao seu paradeiro. Ficamos realmente confusos e desapontados com a nossa falta de capacidade de entender o que estava acontecendo.

Porém, como disse anteriormente, tudo tem uma explicação. O fato ficou claramente explicitado dias depois. Eu estava na mesa, para o café da manhã, quando fui surpreendido por um grito de horror. Um grito daqueles que ouvimos em filmes de terror quando a mocinha vê o monstro. E foi com essa cara que vi Eva entrar correndo na cozinha: cara de quem viu um monstro pavoroso. Saltei assustado da cadeira sem entender o que estava acontecendo. Eva gritava para mim:

— Vai ver! Vai ver, no quintal, que coisa horrível! Naquele momento, confesso que fiquei com medo de ir olhar, mas não poderia desapontar minha esposa, demonstrando temor; precisava honrar minha condição de homem; temeroso, é verdade, mas homem. Peguei, instintivamente, uma grande faca e parti cauteloso para o quintal; olhava atentamente para todos os lados. Fiquei horrorizado ao olhar para o chão e ver, entre manchas de sangue, pequenas patas, cabeça e partes do abdome de um filhote esquartejado. Vendo a vítima, restava-me descobrir o assassino de felinos. Para minha surpresa, encontrei não o assassino, mas a assassina: Lua. Foi difícil acreditar, mas a responsável pelo desaparecimento dos filhotes era a própria mãe. Mãe carinhosa, amorosa e dedicada que, num momento de loucura, devorava os próprios filhos. Presenciei, com grande mal estar, o momento em que ela, com o focinho encharcado de sangue, triturava, entre os dentes, uma das patinhas do filhote. Fiquei com essa imagem na cabeça por vários dias. Eva, após a visão daquele gatinho em pedaços, ficou super zangada com Lua; não queria sequer olhar para ela.

Ignorância. Sim, a ignorância; a mãe de todos os mistérios. Fui procurar nos livros, como sempre foi costume meu, a explicação para o comportamento nefasto de Lua. Após alguns dias de pesquisa, encontrei a chave libertadora, aquela que abriria a porta de saída da ignorância, que traria a luz, tiraria a venda dos olhos, deixando enxergar a mais natural das verdades. A sábia natureza embuti nos seres que cria mecanismos que, por mais cruéis ou estranhos que pareçam, servem simplesmente à preservação das espécies. Segundo o que li, num livro de Biologia, é comum entre os mamíferos que, não tendo alimento suficiente para nutrir todos os filhotes, a própria mãe elimine alguns da ninhada, com o simples intuito de salvar os demais. Sendo assim, olhando claramente, sem o véu da ignorância a cobrir os olhos, Lua não havia eliminado dois dos sete filhos, mas dado condição de vida a cinco deles. De alguma forma, ela parecia saber o número exato de filhotes que suportaria criar. Na primeira ninhada de seis gatos, curiosamente, eliminou um; na segunda, de sete, eliminou dois, ficando sempre com cinco gatinhos. O conhecimento matemático de Lua ficaria flagrante quando, meses depois, nascia sua terceira ninhada. Nasceram exatamente cinco gatos, dos quais nenhum foi por ela eliminado. Eu e Eva, livres da ignorância em relação a Lua e seu ato inocentemente natural, continuamos a criá-la com todo o carinho e atenção de antes.

Elenildo Pereira
Enviado por Elenildo Pereira em 08/06/2008
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