O Apostador

George Luiz – O Apostador

Os ombros de Ambrósio sacudiram-se num riso silencioso. Era sua forma de manifestar alegria, esse arreganhar de dentes e o movimento quase espasmódico das espáduas largas. Era um homem gordo, de cabelos gordurosos. A caspa era uma constante em suas camisas, ge-ralmente escuras.

- Ele conseguiu, Euclides. Venceu uma partida.

- Pobre diabo...está sempre entre os últimos colocados em todos os torneios que disputa. Um ponto , um ponto e meio é a sua media. Di-zem que ele é muito rico.

- Isso é mesmo. O Pedro, gerente da agencia do banco no bairro me contou que ele realiza operações vultuosas todo mês.

- Com esse aspecto quase sórdido...é meio estranho isso...

- Parece que é dinheiro de família, fortuna herdada.

- Dinheiro herdado, é ?

- O Antonio encontra ele as vezes no jóquei. Me disse que ele aposta forte em cavalos pouco cotados para vencer , mas que as vezes surpreendem e forram de grana os bolsos do cara.

- Onde será que ele mora?

- Segundo consta, tem uma casa bem grande e mal tratada no centro de um terreno cheio de árvores velhas mas num bairro nobre.

- Nos jardins?

- Isso. Acho que é no Jardim Europa.

- Muito estranho mesmo...

- Afirmam que ele joga xadrez fora dos torneios valendo dinheiro vivo

- Então deve ser muito rico mesmo.Sou o próximo adversário dele.

- É mesmo, amanhã é a terceira rodada.

- Bem, Augusto, vamos ao bar tomar uma caipiríssima?

- Certo, vamos lá.

O dia seguinte amanheceu cinzento. Euclides levantou-se a contra –gosto. Tinha que chegar no escritório as oito em ponto, seu chefe era um chato,exigia uma pontualidade rigorosa. Ao meio dia precipi-tou-se para o elevador, tinha apenas uma hora para comer alguma coisa e voltar ao seu trabalho.

A noite foi encontrá-lo no clube de xadrez. Jogou e venceu facilmen-te sua partida contra Ambrósio. Pelo menos o homem sabia perder com dignidade.

- Você jogou muito bem meu amigo.

- Ora, obrigado. Você foi um bom adversário.

- Seria um adversário bem melhor se estivéssemos apostando dinhei-ro. As apostas me estimulam muito.

- Então é verdade que joga xadrez apostando dinheiro?

- É sim. Posso lhe oferecer uma bebida?

- Tudo bem. Vou aceitar um drinque só. Tenho que trabalhar cedo amanhã.

- Você é um enxadrista de muito talento,um dia vai se tornar um ver-dadeiro campeão.

- Bem que eu gostaria , mas me sobra pouco tempo para estudar e melhorar meu jogo.

- É o dinheiro, não é? Com certeza trabalha muito e ganha pouco...

- Bem, não posso negar que isso é verdade.

- Vou lhe fazer uma proposta.

- Uma proposta? De que tipo?

- Uma aposta, meu amigo, uma aposta muito justa...

A noite de final de outono estava muito fria. Euclides estacionou seu carro junto ao portão enferrujado. Era uma casa de dois andares, bem grande mesmo, meio escondida entre as árvores e pouco iluminada. Apertou o botão da campainha. Um homem de rosto pálido e muito magro veio abrir. Olhou Euclides com curiosidade.

Na sala comprida e escassamente mobiliada, Ambrósio recebeu o ra-paz com duas taças nas mãos.

- Achei que gostaria de beber um bom vinho com esse tempo horrível.

- Obrigado.

- Bem, aqui está o contrato referente a nossa aposta. Você já conhe-ce os termos mas quero que leia com atenção antes de assinar.

Euclides leu com cuidado. Não conseguiu evitar um leve arrepio em sua coluna vertebral. Era uma aposta muito insólita. Se não fosse sua certeza absoluta de vence-la nunca a aceitaria. Tomou sua cane-ta e assinou no local indicado. Ambrósio também assinou e fez com que o homem de rosto pálido assinasse como testemunha.

- Sente-se Euclides, vamos sortear para ver quem joga com as peças brancas.

- Tudo bem.

- Ótimo , você começa. Está vendo esse pacote de notas, não é? Quer conferi-lo?

- Não. Aceito sua palavra e além disso tenho minha cópia do nosso acordo.

- Muito bem. Apenas para esclarecer bem as coisas. O pacote tem cinco mil notas de cem reais, ao todo são quinhentos mil reais. Sua independência financeira, Euclides...

Euclides riu nervosamente. Sentia que suas mãos estavam ficando úmidas de suor.

- Como reza nosso contrato, basta você vencer ou empatar a partida, pegar seu dinheiro e fazer o que você quiser com ele. Se perder,ganha os quinhentos mil do mesmo jeito, mas...eu fico com o polegar de sua mão esquerda. Você está pronto?

- Estou...

- Vitor, amarre bem o polegar da mão esquerda dele no anel de aço fixado na mesa. E deixe o cutelo de açougueiro aqui junto de minha mão direita. Vamos começar a partida.

Euclides optou por sua abertura favorita, a que já lhe dera suas melho-res e mais importantes vitórias. Era um enxadrista bem superior a Ambrósio. Moveu com segurança o pião do rei no primeiro lance da partida. O jogo transcorria normalmente. As peças brancas pareciam se movimentar com precisão. Os dois jogadores não estavam usando os relógios de competição. O tempo para cada lance era livre.

Uma rajada de vento abriu uma das janelas. No tabuleiro acontecia al-go de estranho. A rajada de vento parecia ter mudado o rumo da parti-da. Um suor gelado começava a inundar a testa de Euclides.

Dois seguranças particulares conversavam em frente a uma mansão branca. O som horrível de um grito os paralisou por alguns segundos.

- Credo ! Você ouviu isso? Esse uivo não foi humano. E nem de algum cão pastor...

- Você está trabalhando aqui há pouco tempo. Já é a terceira vez que eu ouço isso nos últimos anos. Vem sempre dos lados daquele ca-sarão antigo,dizem que é assombrado.

- Você não está querendo me dizer que acredita em lobisomem...

- Olha, nunca se sabe...

Euclides acelerava seu pequeno carro . Sua mão esquerda,envolta numa toalha, sangrava profusamente. Sobre o banco do carona o pa-cote com as cinco mil notas de cem reais parecia irreal.

- Que bela vitória, não achou Vitor? Venha, traga o polegar do rapaz, vamos colocá-lo no freezer junto com os outros.

- Certo. Meus parabéns. Jogou muito bem.

- Ora, deixe de ser cínico. Só fiz seguir rigorosamente as instruções que você me deu pelo receptor digital colocado no interior de meu ouvido. Você mereceu o dinheirão que eu te paguei. Quando você volta para a Europa? O torneio aberto de Hastings está marcado para setembro?

- Isso.

- Muito bem. Telefonarei a você quando tivermos um novo apostador.

Boa viagem.

Lá fora, como uma loba sinistra, a noite avançava sobre as ruas ...

George Luiz
Enviado por George Luiz em 16/07/2008
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