Silêncio Furioso

As ondas quebravam contra as rochas em uma força tão estupenda quanto a ira do destino. Dentro de alguns milhões de anos aquelas rochas não estariam mais ali e uma nova formação geológica apareceria. Milhões de anos.

O barulho do choque era de uma intensidade explosiva. Gustavo conseguia sentir a mesma intensidade explosiva no seu corpo. Mas era uma explosão silenciosa, forte e agonizante. Seu peito era agora um pedaço de uma daquelas rochas do oceano lutando contra a sua carne, querendo sair dali. Sua cabeça doía em forma de fortes choques que desciam do topo do crânio até a última célula do osso do dedo do pé.

Respirou de forma profunda e consciente, acalmou-se. Levantou-se e virou-se de costas. A lua iluminava o seu caminho para casa enquanto o peso do seu corpo o fazia quase se arrastar. Ao entrar em casa Gustavo tirou a roupa e deitou-se nu. Não escovou os dentes.

Os cabelos longos e pretos giravam em torno do seu corpo enquanto ele sorria. Os cabelos cresciam rapidamente e começaram a entrelaçar seu corpo. Gustavo começava a ficar preso e sufocado naquela situação. Um facão vinha lentamente em sua direção e ele nada podia fazer, tentava gritar mas não conseguia. Os ratos também começavam a subir em suas pernas fazendo um som bastante agudo. O facão cortou os cabelos e Gustavo se libertou. E quando abriu os olhos para ver onde estava caiu em um abismo sem fim, junto com os ratos.

Acordou assustado. Foi para a cozinha lentamente, tentando se controlar. Bebeu três copos d´ água e voltou para a cama. Respirou fundo. Ray Charles começou a tocar em sua cabeça. Os pés balançavam não mais de ansiedade, mas ao lembrar-se da melodia da musica. Mais um suspiro e finalmente o bendito sono.

Gustavo era jornalista, uma espécie de comentarista das principais notícias do país. Escrevia para um jornal em Minas Gerais. Trabalhava em casa, uma vez ou outra ia à redação por causa de alguma reunião. Lia os jornais de manhã e de tarde escrevia para o jornal publicar no dia seguinte.

Uma mulher havia matado a pauladas o marido e a amante enquanto dormiam. Essa era a notícia sensação do momento. Ao ver o rosto da mulher e ler e reler a história várias vezes Gustavo sentiu um peso imenso no corpo novamente. Seu estômago parecia se comprimir e se mexer. Ficou enjoado.

Levantou e deitou na cama. Suas pernas mexiam involuntariamente, não conseguia ficar mais deitado. Pensou em Ray Charles, mas não adiantou. Pensou também em Elvis Presley, Janis Joplin, Eric Clapton, Beatles e uma série de outros internacionais que acalmavam ele. Mas nada adiantava.

Pensou em dar uma volta, mas tinha medo de sair na rua. Não tinha como olhar as pessoas. Tomou três remédios de tarja preta e finalmente dormiu babando.

Tentava andar naquela areia mas não conseguia. Sua perna mexia e voltava como se tivesse uma corrente travando-o. Olhou para baixo e não tinha nada. Uma chuva de cabelos pretos começou a cair em cima dele. Eram muitos que entravam em todos os seus orifícios do corpo nu. Até quase sufocá-lo.

Gustavo acordou totalmente sem ar, mas mesmo acordado não mexia da cama. Apenas babava, lembrava do sonho e todas as imagens do pesadelo real chegaram na sua cabeça como um tufão prestes a acabar com tudo. Tinha vontade de fugir, de correr, mas não tinha para onde. E mesmo que tivesse, não iria, era covarde.

E sua rotina então passou a ser essa. Ficava na cama babando e lembrando-se de tudo. A culpa, a raiva, o ódio, o trauma e o amor eram fortes demais para seu corpo continuar sentindo. Até que em um determinado momento seu hipotálamo não agüentou mais fazer o corpo sentir aquelas sensações e decidiu que era hora de acabar com tudo.

E Gustavo dormiu para sempre por um segredo que o atingiu em um silêncio furioso.

Malluco Beleza
Enviado por Malluco Beleza em 18/07/2008
Código do texto: T1086182
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