O Fantasma Escritor

   O estrondo de um trovão ecoou dentro do quarto fazendo-me acordar sobressaltado. Chovia pesado e o barulho do vento era assustador. Tateei o criado mudo procurando o interruptor da minha luminária que, ao acender, incidiu o foco de luz na capa do livro que eu estava lendo: A Casa Da Noite Eterna, de Richard Matherson. Bati o olho no meu relógio, marcava três horas e doze minutos. Meio atordoado sentei-me na cama, acendi a luz do quarto e esfreguei os olhos tentando tomar ciência do que acontecia. Claro! Tratava-se de mais uma dessas tempestades de verão e um raio havia me acordado. Era uma barulheira danada. A chuva, a violência do vento e os relâmpagos eram de meter medo. Coisa que me intrigou muito foi o barulho que a borrasca provocava na veneziana da minha janela, parecia que alguém teclava no meu computador. Fiquei ouvindo o teclar forte e então percebi que o barulho vinha do meu escritório. Dirigi-me até lá, mas a sala estava apagada e o computador desligado. Estranho, pensei, tudo apagado. Mas o barulho do teclar continuava. Olhei para trás e vi que a chuva forte e o vento sacudiam raivosamente a janela da sala de visitas. Confesso que fiquei meio amedrontado com aquela cena fantasmagórica. Como já havia perdido o sono, resolvi tentar   escrever alguma coisa.
   Sentei-me ao computador e abri uma página em branco do Word. Fiquei olhando para a tela alva pensando no que escreveria e, repentinamente, um clarão riscou dentro da sala fazendo-me arrepiar inteiro. Assustado, pra me aliviar, tentei brincar comigo mesmo, dizendo sentir a presença do meu avô materno, falecido há anos e que escrevia muito bem. Pedi a ele que me inspirasse alguma coisa pra escrever. Fiquei esperando um sinal, mas nada: a tela continuava em branco. Enquanto aguardava uma mensagem do além, deixava minha mente rolar solta no espaço à procura de algo ou algum fato que disparasse o gatilho da minha imaginação. E ali permaneci imóvel entre o barulho da tempestade e do teclar insistente, quando fui surpreendido por um ruído de vidro se quebrando na cozinha, que me gelou a alma. Constatei em seguida tratar-se de um cálice de vinho que se espatifara contra o chão. Empurrei os cacos para um canto e tranquei a porta da área de serviço, pra bloquear o vento, visto que a fechadura estava com a lingüeta quebrada. Pronto, pensei comigo: agora sai alguma coisa, e retornei à tela do computador. Estava de novo em companhia de mim mesmo e, pelo menos eu pensava, do meu avô também. Absorto, em meus pensamentos, fui tomado de sobressalto por uma antiga canção de Vicente Celestino que tocava no meu rádio-relógio. Não me lembrava de ter deixado o timer programado. Com o coração na boca corri pro meu quarto e desliguei o rádio. Sentei-me na beira da cama e, enxugando o suor que me escorria da fronte, lembrei-me ser esse o cantor predileto do meu avô. Então fiquei muito, mas muito assustado mesmo. Estaria eu vivendo uma situação de terror? Fui invadido por uma sensação de pavor e pânico imenso, que me secaram a boca. Ao dirigir-me à cozinha pra beber água, passei pela porta que percebi estar destrancada, embora eu a tivesse trancado momentos ante s, tinha certeza. Corri de volta pro quarto e, paralisado pelo medo, enfiei-me debaixo das cobertas. Ainda sentido a presença do meu avô, ao som da procela, aterrorizado, adormeci.
   O telefone tocou estridentemente na minha cabeceira, acordando-me assustado. Meio confuso atendi e do lado de lá a voz da telefonista do hospital me chamava pra uma consulta. Eu trabalhara até tarde no dia anterior e, devido ao estresse a que havia sido submetido, tomara um sonífero. Devo ter dormido muito pesado, pois nem me lembrava o horário em que pegara no sono. Dirigi-me ao banheiro. Enquanto lavava o rosto lembrei-me de ter sonhado que tinha caído uma tempestade horrível na madrugada e que meu falecido avô tinha se materializado no meu escritório. Bebemos vinho, ouvimos música e conversamos por um tempo. Contou-me sobre sua profissão de agrimensor, as peripécias da infância da minha mãe e como era vida além-túmulo. Sobre seus escritos disse-me que, como eu, adorava poemas e que gostava muito de escrever contos de terror. Esquisito ter sonhado aquilo, pensei. Eu não conhecera meu avô, havia morrido muito antes do meu nascimento. Bom, deixa pra lá que meu paciente estava esperando e tratei de me apressar. Ao preparar um rápido desjejum, notei num canto, ao lado da pia, uns cacos de um cálice de vinho. Estranhei um pouco, mas estava com pressa. A empregada logo chegaria e certamente daria um jeito na porcaria que eu, sem que me lembrasse, devia ter aprontado. Apressado saí procurando as chaves do carro. Ajeitando meus cabelos ainda molhados, percebi que o meu escritório estava com as portas abertas e o computador ligado. Muito, mas muito estranho, pensei. Tinha navegado na internet um pouco na noite anterior, mas lembro-me muito bem de tê-lo desligado. Devia ser efeito do remédio que eu tomara pra dormir. Ao me aproximar da tela do monitor, vi que tinha alguma coisa escrita. Coloquei os óculos e comecei ler:
   O estrondo de um trovão ecoou dentro do quarto fazendo-me acordar sobressaltado. Chovia pesado...

Carlucho
Enviado por Carlucho em 21/10/2008
Reeditado em 29/10/2008
Código do texto: T1240026
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