Sinais

George Luiz - Sinais

Erasmo Torres era um homem metódico. Acordava sempre a mesma hora, tomava seu breakfast invariavel, seu banho de chuveiro na temperatura de sempre, vestia um terno em que a variação de gravatas era mínima. Para ele, a vida era uma rotina que percorria com íntima satisfação.

Ultimamente porém, alguma coisa, uma sensação de desconforto o vinha atribulando um pouco. Era uma sensação dificil de definir. Não se baseava em fatos concretos. Seu casamento, por exemplo, continuava estável, mo-nótono, a bem da verdade. Também, era preciso reconhecer que vinte e oi-to anos de união tinham transcorrido com algumas alegrias e poucos mo-mentos de frustração ou tristeza. Havia, naturalmente a falta de filhos. Es-se fato era contabalançado pelos múltiplos interesses em comum que des-frutava com Carlota, sua dedicada mulher.

No trabalho, Erasmo era um exemplo de sucesso. Contador por formação, começara numa pequena firma de subúrbio onde exercera suas aptidões de forma assidua e eficiente. Formara assim um grupo de clientes fiéis que o acompanharam quando ele finalmente resolveu estabelecer-se por conta própria num ponto mais atraente da cidade. Desde então, seu escritório só fizera crescer.

Os prazeres de Erasmo eram simples. Gostava de encontrar-se com um pequeno número de amigos, sempre no mesmo bar. As sextas-feiras jogavam um poquer com apostas mínimas que não prejudicavam em nada os eventuais perdedores da noite. Como bebia muito pouco, socialmente, ele tinha sempre uma lucidez invejável.

Um início de noite, quando voltava do trabalho para casa, Erasmo parou seu carro por causa de um congestionamento de trânsito. Tranquilo, ele esperou com paciência que a situação se resolvesse. Como bom motorista usava muito pouco a buzina. Manteve os vidros e as portas do veículo fe-chados pois os assaltos recrudesciam nas grandes cidades. No carro para-do a seu lado, uma mulher sorriu ostensivamente para ele. Era uma mulher bonita, mas havia qualquer coisa de vulgar em seu rosto que levou Erasmo a desviar seu olhar dela. A mulher pareceu perceber isso e fez-lhe um pe-queno gesto obsceno. Ele a ignorou, chocado e logo teve a chance de afas-tar-se dali. O caso teria parado nisso, mas a noite, vendo a TV que mostra- va uma reportagem sobre prostitutas e travestis, ele pensou tê-la reconhe- cido numa das cenas. Mas logo esqueceu-se disso. Era uma noite de terça feira e antes de adormecer ele lembrou-se que tinha um cliente novo para receber em seu escritório na tarde seguinte.

O escritório de Erasmo era sóbrio mas confortavel. Havia sempre um ca-fézinho e uma água gelada para seus clientes. A recepcionista era educa-da e gentil. Estava sempre bem vestida e combinava muito bem com o mobiliário discreto. As três e meia daquela tarde, Erasmo recebeu o novo cliente. Tinha sido recomendado a este pelo diretor de uma empresa de onibus, um de seus clientes melhores e mais antigos.

Após combinarem a prestação de serviços que o contador lhe faria a par- tir de então, o novo cliente passou a conversar sobre assuntos variados. E na conversa surgiu o tema do dificil trânsito das grandes cidades. Num da-do momento uma foto caiu do bolso do cliente. Erasmo abaixou-se para pe-gá-la e ao devolvê-la a seu interlocutor percebeu casualmente que a foto era da mulher que lhe fizera o gesto obsceno no congestionamento da vés-pera. Conseguiu habilmente disfarçar o choque causado pela visão da foto, mas a partir dali a imagem da mulher e seu sorriso atrevido e sensual pas-saram a ocupar sua mente. Ao retornar dirigindo seu carro para casa, foi-lhe dificil concentrar-se no trânsito. Aquele rosto de expressão impudente parecia dominar sua imaginação.

- Que bom que você chegou, Erasmo. Eu estava querendo lanchar mais cedo e pegar um cineminha. Sabe, aquele filme com o Brad Pitt está passando num cinema perto daqui de casa. O que você acha ?

- Por mim tudo bem. Vou só trocar esse terno por uma roupa mais leve.

- Ótimo. Vou pedir à Neuza para preparar nosso lanche.

Mais tarde, acomodados em duas poltronas do cinema, Erasmo e Carlota se prepararam para assistir o filme. Era um filme muito gostoso de ser vis-to e eles sairam do cinema descontraidos e bem humorados.

- Querido, vamos tomar um capuccino naquele barzinho da esquina ?

- Está bem, vamos lá.

De pé, em frente ao balcão, Erasmo notou, através do espelho que um ca-sal, perto deles fizera o mesmo pedido e começava a saborear a bebida. A mulher usava um vestido vermelho de decote ousado. E de repente Erasmo percebeu que era ela, a mulher que lhe fizera o pequeno gesto obsceno. Aquilo já era um pouco demais...

Aquela noite Erasmo custou a pegar no sono.Sentia que aquelas coinciden-cias eram sinais. Mas sinais de que ? Com que significado ?

No dia seguinte ele almoçou perto de seu escritório com Quincas, seu me-lhor amigo. Durante a sobremesa ele contou a Quincas as coisas, um tanto estranhas que vinham lhe acontecendo.

- Que é isso, amigo ? Você que é tão cético, se preocupando com bo-bagens ?

- Ah, não sei, Quincas, Eu realmente não acredito nessas coisas assim meio esotéricas, sei lá. Mas essas coincidencias, essa mulher loura e vulgar, estão me balançando um pouco, eu confesso.

- Mas você está interessado nela ?

- Deus me livre ! Quero mais é que ela não volte a aparecer na minha frente !

- Então siga meu conselho e esqueça o assunto. A vida já nos traz pro- blemas suficientes para que nós procuremos por outros.

- É, acho que você tem razão.

Com a chegada do fim de semana e o calor, Carlota combinou com a irmã, o cunhado e outro casal amigo irem a praia. Barracas coloridas faziam um bonito efeito sobre a areia branca e as pessoas se entregavam ao pra- zer de derreterem longamente seus corpos sob o sol. Erasmo resolveu dar um rápido mergulho. O mar, na Barra da Tijuca é traiçoeiro. Erasmo entrou nele cautelosamente. Não deixou que a água, após o mergulho inicial, lhe subisse além da cintura. Sentia-se refrescado pelo mar frio do final da pri-mavera. Sentia a areia macia e firme sob seus pés. Bem perto dele uma mulher entrara no mar. Seu biquini preto era mínimo. Deixava suas formas práticamente nuas. Ela voltou-se para ele que a reconheceu num segundo, era a mesma loura atrevida que parecia perseguí-lo. Erasmo sentiu que uma correnteza o arrastava de repente para longe da praia. A mulher loura riu, debochada. Ele lutou contra a força das águas. Viu que era uma batalha inutil. E entendeu finalmente o que significavam aqueles sinais que vinha recebendo nos últimos dias. Eram o aviso de uma morte próxima e inexorá- vel, a sua própria morte.

George Luiz
Enviado por George Luiz em 14/11/2008
Código do texto: T1283436
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