VIDAS ENTRELAÇADAS DE UM POVO

Olho o céu da minha cidade,

Salpicado de estrelas,

Que brilham sem parar

mesmo antes de conhecê-las.

Sempre estiveram naquela abóbada

iluminando a História, do antigo Arraial.

Seja o Arraial do Quebra, ou Vila do Beija Flor.

E hoje, adulta, seus filhos a denominam: Minha querida Guanambi.

Onde minha voz chegar, todos vão poder ouvir, seja no meu declamar, ou também, no meu interpretar os personagens: Tupis, Gés, Cariris, e tantos outros daqui. São indígenas que viveram neste imenso sertão, defendendo suas terras com bravuras e coragem dos brancos invasores, ditos superiores, que vencem a batalha, dizimando meus irmãos.

A paisagem da região se modifica com boiadas, agriculturas e o comércio, que chegam na carruagem da grande evolução.

Naquela região, surgem um aglomerado de casas feitas todas de taipas em pleno século XIX.

E o lugarejo se transforma num porto seguro dos tropeiros, como também, bruaqueiros, de outras vilas além.

Que quando por aqui passavam, procuravam abrigo, para descansarem embaixo de um umbuzeiro, às margens de uma lagoa no centro do coração sertanejo.

Aquelas terras eram de Bela e sua filha Flor, Florinda, linda!

devotas de Santo Antônio.

Todos os anos, Bela organizava a festança em homenagem ao Santo, e ao término da celebração, homens, mulheres e crianças beijavam a imagem iluminada pelas velas.

A tradição da família dita as regras, a primeira a beijar era Flor. E em um só coro todos gritavam: Beija Flor, Beija Flor.

Assim, por este gesto anual, a vila ficou conhecida como:

O lugar do Beija Flor.

O fazendeiro Joaquim Dias Guimarães deu o ponta pé inicial com a sua contribuição no ano de 1870; doando parte das suas terras para a Paróquia de Santo Antônio.

Minha terra foi crescendo e os nomes modificando de acordo a etimologia tupi-guarani das palavras.

A princípio Guainumbi,

depois Guanumbi,

E em 38 foi elevada à categoria de cidade,

oficializando – se em Guanambi, que significa beija flor.

A História da minha terra se manchou, também de sangue, que fica registrada prá sempre com a marca do ciúme.

Uma moça ingênua, encantadora, se despede da sua mãe que embarga sua voz, ao ver a filha partir tão jovem, à procura de trabalho na construção da Barragem.

Pobre, sofrendo necessidade, sai com os pés no chão, e num carro de boi, trilhando outros caminhos, as rodas rangem, emitindo um ruído áspero, típico, natural do transporte que leva Leocádia pra cumprir sua sina.

Vida difícil, tarefa árdua, desmaio de fome no seu trabalho diário.

Num belo, ou triste dia, ela é cobiçada pelo coronel José Pedro, que vê a beleza de uma menina, cheia de candura e ternura.

Qual mágica, irrequieto, ele se aproxima hipnotizado pela beleza daquela linda mocinha.

Sua voz sai quase balbuciando aos seus ouvidos: Uma moça tão bonita, com um vestido rasgado, não posso admitir tal situação, passe em minha loja, que vou lhe presentear com um pano, pra um vestido fazer.

Ela não entende e pergunta a si mesma: devo ir ou não, buscar o presente que ganhara?

Ao comentar com uma senhora a proposta recebida é incentivada a buscar o presente oferecido.

Ao chegar à loja com seu olhar encantador, é recebida pelo homem que já a espera feliz.

Para ele, seria o primeiro passo para um encontro extraconjugal.

Para ela, um importante presente que iria ajudar no seu visual.

Sem encarar o coronel, olho no olho, pela sua timidez, recebe o presente, agradece e sai, ao tempo que é vislumbrada pelo olhar enamorado do seu admirador.

Naquele instante, olhares os espreitavam à distância, e sua sorte ficou marcada pelos boatos que rolavam de boca em boca, dizendo que Leocádia era amante do Coronel Zé Pedro. Poucos dias depois, D. Raquel, esposa do Coronel, recebe uma visita de uma comadre fuxiquenta, que só apareceu em sua residência para fazer a intriga. A mulher deixa cair o bordado das mãos, quando soube a notícia da traíção do marido.

Um presente, um pano, um vestido, coroa a morte de Leocádia.

Sem pestanejar, a mulher eufórica, fora de si, chama dois capatazes Marcolino e Tião de Matos que recebem ordens para executar a mocinha desprotegida e trazer prá ela os seios da donzela numa pequena capanga.

Pagamentos feitos, crime executado.

Pela manhã, a pobre menina se dirige ao lajedão com a missão de lavar as roupas dos seus clientes no seu novo emprego. Sua sombra infantil reflete na água, com vontade de avisá-la dos homens que sorrateiramente se aproximavam.

As águas faziam ondas ao agito de suas mãos.

Seus pensamentos flutuavam em várias direções,

E sem esperar num só golpe, eles agarram a pobrezinha por trás, tampando a sua boa, sufocando por demais.

Ela tenta gritar, espernear, mas, era apenas uma menina que tentava desvencilhar das mãos grossas e grandonas dos seus assassinos.

Sem piedade, antes de executá-la, forçaram a moça tomar um pouco de cachaça e depois de assassiná-la arrancaram os seus seios, como foi solicitado.

Sua roupa branca encharcava-se de sangue.

Após o crime, seu corpo é enrolado, amarrado e jogado no poço com pedras pesadas para não flutuar.

A encomenda foi entregue para a mandante do crime.

Raquel tava feliz, mas a sua vingança ainda não tava consumada.

Dispensou as empregadas que cuidavam da cozinha.

Naquele dia, o banquete, ela mesma iria fazer, e ofereceria um prato especial para o seu coronel.

Ao meio dia, ele chega, tira o chapéu, beija a esposa e se direciona para à mesa, como de costume fazia.

Ele não percebia o olhar da esposa, misturado com ódio, rancor e ciúmes, ao tempo que lhe oferece o prato, cheiroso, bem temperado, e dizia ter feito pelas suas próprias mãos, especialmente pra ele.

O Coronel saboreia a carne, lambe os lábios e sarcasticamente ela ri, provocando uma pergunta:

Gostou coronel?

O homem temido e respeitado, sem perceber a maldade responde ainda mastigando: sim, muito bom, gostei.

O sorriso sarcástico toma conta do casarão, de forma aterrorizante, acompanhado da fala da mulher desvairada, que gritava :

Você está comendo os seios de Leocádia.

Ali fecha as cortinas do primeiro episódio, reabrindo mais tarde com uma explosão na consciência de Tião de Matos que enlouquece, tresloucado no sertão. E algum tempo depois, Marcolino é encontrado morto numa gruta denominada toca do Índio.

E assim, a cidade de Guanambi revive cada ano aquela passagem, que já perdura por séculos.

Ergue-se uma capela, e o poço onde foi mergulhado o corpo de Leocádia, se transforma num formato de caixão.

Num ato de Fé, as pessoas para ali se dirigem, rezando e pedindo ajuda para a menina Leocádia, numa verdadeira crença da sua Santidade.

Outras tantas personagens importantes, a História da minha terra traz, que descrevo para vocês, neste momento crucial. São nossos irmãos que perambulavam pelas ruas, como: Batuque – rádio ambulante, homem das agulhas.

Campina, Chico Satélite, sem esquecer da nossa Comadinha, e Delvita magrinha que ria sozinha, transmitindo alegria, sempre carregando uma flor.

Edmundo o tocador, que não largava sua viola de jeito nenhum. E Rosa deficiente físico que caminhava pela cidade, mas ao descer do passeio tinha que sentar para continuar a caminhar, caminhando.

Este aqui você jamais esquecerá: João Pintor, escultor, sempre

procurando a natureza para mostrar sua arte, seu dom.

E Maria da Pesada, quem ousava chamá-la desta forma, sem receber xingamentos, ah! podia esperar até uma paulada.

Posso continuar citando: Mudinho, Maria Puxadinha, Pai Amoroso, Peen, Telvino, Tia Joaninha, Tiú, Tõe, Zé Barrão.

E por último, deixei de propósito Neco Cego – Benzedeiro.

Qual a criança, jovem e adulto, daquela época, que não passou por suas mãos abençoadas?

Esta é minha gente, conterrâneos que marcaram a nossa Biografia, entre tantos outros personagens que fazem a nossa História, a nossa cultura, como: cantores, atores, poetas, pintores, escritores, dançarinos, políticos, Garis, Secretárias domésticas, taxistas, professores, bancários, policiais, telegrafistas, alfaiates, costureiras, religiosos, caminhoneiros, lojista, advogados, radialistas, frentistas, açougueiros, homens e mulheres do campo, da cidade, as crianças, jovens e os idosos, e eis quem sobe no pódio para aplaudir esta gente da gente, este povo, meu povo: o velhinho Baltazar.

Livros e Site pesquisados na poesia: Vidas entrelaçadas de um povo.

Lembranças de nosso povo – Terezinha Teixeira Santos;

Leocádia – Elísio Cardoso Guimarães;

Site:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Guanambi#Hist.C3.B3ria

Deomídio Macêdo
Enviado por Deomídio Macêdo em 10/12/2008
Código do texto: T1329101