O Cara

Eu conheci um cara uma vez que era inseguro. O cara... era estranho. Não posso dizer que eu não seja, ou você. Todos, em alguma medida, são estranhos. Mas existe uma certa imposição social, ou da época, do momento vivido pela humanidade, seja como for, que dita alguns padrões comportamentais dentro dos limites de uma linha nunca traçada, aceita por todos e extremamente interessante de ser estudada e transposta vez ou outra.

O interessante é que esse cara era, em minha definição, diferente dos usuais estranhos que encontramos pelo mundo. A estranhice não admite regras, fica difícil dizer que meu estranho seja de fato mais estranho do que qualquer outro estranho que você tenha conhecido, embora eu arrisque dizer. É tudo uma questão de viver muito ou pouco, ver coisas e relativizá-las, padronizá-las no subconsciente para serem acessadas posteriormente, de acordo obviamente, com as experiências medíocres que passamos. De qualquer outro modo, não existiria opinião, sem esse efeito de causa e efeito, acompanhado de um julgamento moral estabelecido pelo conjunto dos seres de uma certa região. Há quem chame isso tudo de hipocrisia, de regras sociais. Não sei, importa a definição? Qual é a praticidade disso tudo numa mente adolescente? Numa rebelde? Numa muito velha? Numa como a nossa? Em qualquer mente individual? A definição das coisas é para o coletivo, será? O indivíduo nem pensa, as pessoas todas, eu e você, pensamos tanto quanto podemos, quanto nos é dado chance. Isso não importa, cada qual faz muitas coisas com seus conceitos, com o que acredita, o que passou. Não há experiência desastrosa, a coisa ensina o tempo todo? Qual pergunta pode ser respondida sem que se façam outras e no fim acaba sendo sempre a mesma?

Eu dizia sobre esse cara. O chamei de estranho, coitado. Felizmente ou infelizmente as definições são importantes para uma boa compreensão do que queremos dizer. Há um medo de encarar o mundo por parte de todos, não? O receio é talvez aquele instinto genético passado a todos os seres pela seleção natural, não posso afirmar, posso? Até que sim, mas não é o momento agora. O momento faz tudo, certo? Escravos que escolhemos o que fazer agora, exceto parar o agora, este sempre avança.

Esse cara era, ou é, inseguro. Ele pensa que não faz as coisas direito de vez em quando. Talvez seja normal isso. Esse cara também não dizia o que pensava, achava seus pensamentos preciosos demais, ou talvez inúteis, a diferença entre um e outro não é muita. Servem, não servem, mas para que, no fim? Qual a utilidade prática de um pensamento? Aplicá-lo? Como se faz isso? As questões em si são um modo de aplicar os pensamentos, talvez. Mas como dizer algo que possa ser contradito? Tudo é passível de certeza, exatamente pela gama de todas as incertezas que qualquer afirmação existente carrega em si. Ao afirmar algo, nega-se todos os outros algos possíveis de existência no universo, ou seja, coloca-se uma coisa e nega-se todo o infinito, seja lá o que isso signifique. Possivelmente nada.

Esse cara não entendia a vida completamente, embora isso seja normal, para tudo, talvez. Mas a esquisitice dele era em si algo desfavorável, ele assim imaginava. Para ele, simplesmente não se encaixava na sociedade o seu jeito de ser e de pensar. A sociedade pode ser um utópico lugar de contradições e tempo perdido. Embora seja impossível dizer como aproveitar o tempo, o fluxo, melhor dizendo, porque o tempo aproveitamos simplesmente estando, deixando-o fluir, impotentes do contrário. Aproveitar esse fluxo é que é a questão, embora posso perguntar, o que seria o conceito de aproveitar? Qual esse objetivo, buscado incessantemente sempre relacionado a uma espécie de futuro do agora? A vida é o simples ato de estar, qualquer coisa além disso poderia ser qualquer coisa.

Esse cara queria ser alguém na vida. Uma frase do sistema, da indústria, daquilo que é chamado de mercado, que te exige em tempo integral esse mesmo fluxo que você busca aproveitar. Viver é estar no mercado em vista da sociedade de hoje. Se o ser humano deixasse de pensar no metafísico a vida seria viver, sem outras delongas. Entregar a existência é talvez inevitável, seja a uma indústria, uma pessoa, um ideal, uma nação. A existência é entregue para que tenha algum sentido. O sentido é buscado para ocupar o cérebro, um gânglio desenvolvido que relaciona fatos e foi necessário à sobrevivência durante muito tempo. Ocupá-lo significa a continuidade da sobrevivência, que é o sentido inicial de qualquer ser utilizador de energia, continuar utilizando, transformando.

Esse cara queria ocupar o cérebro. Para isso ele foi adaptado. A tristeza do fato filosófico não tira a beleza do fato biológico. Isso seja vida, talvez. Esse cara está por aí. Devemos temê-lo? Devemos rir-nos dele? O ser humano aceita o que lhe convence como sua própria verdade. Rir de si mesmo e temer a si mesmo são extremos difíceis de se obter, sempre advindos de profundas experiêmcias. Você teme e ri do cara? Faça isso, mas saiba: o "cara"... é você.

DoctorD
Enviado por DoctorD em 28/02/2009
Reeditado em 08/03/2009
Código do texto: T1462003
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