A casa na última quadra

Do lugar de onde eu vim lendas não importavam muito, eram poucos os que se interessavam por isso e acreditavam que fosse real. Eu por exemplo não acreditava.

Sempre tive sensações estranhas mas nunca disse isso a ninguém, minha mãe dizia que era tudo bobagem e que quando era jovem também achava que pressentia muitas coisas.

Certa vez minha mãe me contou que teve um pesadelo e que acordou com a sensação de que seu irmão havia morrido, mas ela nunca teve irmão algum e foi desde então que deixou de acreditar nessas coisas.

Eu estava a caminho da casa de minha avó Rachel, passaria uma temporada na casa dela enquanto minha mãe fazia um curso no exterior.

A casa não mudara muito desde a última vez que a visitei. As paredes continuavam em um tom de verde musgo e as árvores altas continuavam em frente a casa.

Por dentro também não houve surpresa, o papel de parede ainda era amarelo bem claro com flores pequena contornadas em dourado. Os sofás ainda eram os mesmos, marrons com uma manta de lã dourada por cima e almofadas que minha avó mesma fez.

O cheiro que a casa tinha era fresco e me lembrava alguma flor do campo, logo notei porque, havia incensos espalhados pelos cômodos da casa.

A cozinha ainda tinha os armário de madeira escura e as paredes brancas com flores amarelas e douradas, havia na mesa também xícaras brancas com as bordas de um contorno dourado além do bolo que cheirava muito bem.

_ Ela nos espera Sama.

Minha mãe cruzou a porta da cozinha em direção ao fundo da casa e notei que minha avó estava lá, sentada na cadeira de balanço escutando uma música instrumental agradável.

Ela se levantou rápido e veio em nossa direção com os braços abertos e abraçou minha mãe e eu enquanto dizia que estava ansiosa pela nossa chegada.

Não se demorou muito ali, logo apanhou a bolsa em cima do sofá e se foi dizendo um adeus, minha mãe estava triste de me deixar ali, ainda não entendo aquela expressão em seu rosto como se dissesse “Não há outra escolha Doroth, tente se conformar!”.

Segui minha avó até o andar de cima e quando passei em frente a porta que estava bem no fim da escada senti um enjôo forte, uma náusea estranha e minha respiração falhou.

Avó Rachel percebeu e foi me guiando até a poltrona que colocara em meu quarto.

_ Está tudo bem querida?

_ Acho que sim, não... não foi nada, só... uma sensação ruim.

_ Que sensação?! - ela se assustou e enquanto me perguntava se ajoelhou em minha frente e pôs as mãos em meus joelhos.

_ Um enjôo, nada demais, não gosto de passar muito tempo dentro de carros, deve ser isso.

_ Hmm - ela fingiu acreditar no que disse.

_ Sério mesmo vó, já passou.

_ Tudo bem então. Se precisar de ajuda me chame.

Assenti com a cabeça e me voltei na direção das malas que estavam ao lado da porta.

Tinha vontade de contar a ela sobre o que eu sentia mais tive medo de me achar uma doida.

Pensei em deixar as coisas acontecerem naturalmente, não chegaria dizendo “Vó, eu sinto coisas estranhas e acabo sempre descobrindo algo sobre morte”, ela não precisava saber, ainda não.

Arrumei o máximo que meu cansaço permitiu e fui tomar banho.

Quente, a água caía pesada em mim e me relaxava, estava frio e mesmo amando esse clima que deixa tudo meio cinza e branco eu sentia necessidade de me aquecer um pouco.

Vesti meu pijama e descia até a cozinha onde tomei um copo de leite quente.

Minha avó assistia a televisão na sala e eu fui me sentar ao seu lado.

_ Sama, como você está grande querida.

_ Vó você me viu pela última vez quando eu tinha quatorze anos.

_ Mesmo assim, você cresceu mais do que eu imaginava que você cresceria.

_ É bom me sentir alta na minha idade.

_ Sama... - ela parecia pensar em meu nome - aguarde aqui meu anjo.

Ela voltou com um livro grande e velho.

_ Vejamos aqui - ela folheava o livros rapidamente, como se já soubesse exatamente onde encontrar o que procurava - Achei!

Ajeitou-se no sofá e olhou para mim.

_ Sama a rainha dos desacordados, guia o caminho dos perdidos, iluminadora.

_ Rainha dos desacordados? O que isso quer dizer?

_ Nada, nada, não quer dizer nada! - ela parecia dizer aquilo para ela mesma.

_ Tem que ter um significado.

_ Esse livro é antigo, não tem mais tanta razão. - parecia duvidar de suas próprias palavras, ficou perturbada com o que leu e passou o resto do tempo quieta.

Depois de alguns minutos ela resolveu falar.

_ Por que sua mãe te deu esse nome?

_ Não sei vó.

_ Hmm.

A conversa acabou por ali. Fui me deitar e ela me deu apenas um beijo no rosto.

Demorei para pegar no sono, acordei tarde com a sensação de não ter dormido nada.

Meu corpo estava dolorido e minhas costas doíam.

Olhei-me no espelho do meu quarto. Meu cabelo encaracolado e preto como noite de chuva, meus olhos verdes estavam lá rodeados por manchas roxas, não era feia e nem era modelo de beleza. Nem bonita e nem feia, era simplesmente eu.

HAVERÁ CONTINUAÇÃO

Fernanda Ferreira
Enviado por Fernanda Ferreira em 21/03/2009
Reeditado em 22/03/2009
Código do texto: T1498137
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