O CHAMADO

Tinha medo de tudo. Desde a mais tenra idade, tudo lhe parecia perigoso: baratas, borboletas e até joaninhas. Não subia em árvores nem participava de brincadeiras com crianças de sua idade. Tinha verdadeiro pavor de sequer imaginar um machucado, sangue, dor e cicatriz.

Tornou-se uma adolescente solitária: não participava de nenhuma “tribo juvenil”. Horrorizava-lhe pensar que pudesse ser obrigada a furar seu corpo para aderir ao uso do piercing ou ter que se submeter a tatuar seu corpo para ser aceita em algum grupo. Confinou-se em sua bolha invisível de proteção. Repeliu os pretendentes amorosos por temer decepções com o sexo oposto, mas também não se envolveu com o sexo afim: preocupava-lhe o pensamento alheio acerca de sua moral.

Na fase adulta, já apavorada com o medo de sentir medo, foi buscar ajuda psicológica. Foi encaminhada a um psiquiatra. Fez terapia, regressão e hipnose: tudo para superar algum trauma escondido em algum lugar recôndito de sua mente ou de sua alma. A sugestão dos profissionais que lhe acompanhavam foi a de enfrentar seus medos. Diagnosticou-se pânico. O primeiro passo foi comunicar-se com o mundo exterior: conviver com pessoas de diferentes personalidades. Não teve coragem de participar de grupos de apoio. Seu trabalho como arquivista era tudo o que tinha de melhor: podia isolar-se das pessoas e abstrair-se na tarefa de colocar documentos em dia. Como assustava-se com a proximidade dos colegas, sua sala estava sempre com a porta fechada, e quando algum documento lhe era solicitado, era sempre por um bilhete enviado por baixo da porta – que ela entregava por uma espécie de escaninho que permitia o acesso a quem lhe solicitava o material – sem qualquer tipo de contato físico. Um dia, ao término do expediente, saindo de seu local de trabalho e dirigindo-se ao ponto de ônibus para ir para casa um cartaz exposto na vitrine de uma loja chamou-lhe a atenção. Dizia: “Comunique-se: adquira um de nossos celulares a preços promocionais”. Respirou fundo e entrou na loja. Saiu de lá triunfante por adquirir um telefone: o primeiro passo para conseguir se comunicar.

Certa noite, no silêncio de seu apartamento repleto de travas de segurança e fechaduras múltiplas, estava assistindo televisão quando a programação anunciava um filme de terror como a próxima atração. Engoliu em seco e, enchendo-se de coragem, decidiu assisti-lo. O horripilante filme mostrava cenas de pessoas que, ao atender a um chamado de celular, morriam misteriosamente. Obviamente não conseguiu assistir até o fim. Desligou a tevê e ficou a noite toda acordada. Tentou dormir com a luz acesa, mas o medo fazia com que de dois em dois minutos olhasse embaixo da cama para se certificar de que não houvesse algum perigo iminente. De repente, toca o seu celular... Impossível! Ninguém possuía seu número! Como isso podia ocorrer? Sobressaltada, com a respiração ofegante, pensou em chamar a polícia, mas diria o quê? Calafrios percorreram-lhe a espinha e a sensação fez com que suasse às bicas e o coração parecia querer saltar pela boca! Não chegou nem perto do aparelho! Mas, naquela noite, ele não tocaria mais.

No outro dia, decidiu que não sairia de casa: qualquer descuido poderia ser fatal. Não foi trabalhar. Tentou pensar em outras coisas, mas as cenas espantosas não saíam de sua cabeça. Assombrou-se ao pensar que a vida estivesse imitando a arte – especificamente a 7ª arte! Compreendeu que sua vida jamais seria a mesma. O tempo foi passando e o celular tocou mais umas 3 vezes para seu assombro. Não atendeu. O interfone tocou durante todos os dias. Nem quis saber. Abandonara por completo o último resquício de contato humano que poderia ter. Até que o telefone tocara novamente...

Tumulto, viatura de polícia, ambulância e carro funerário. Pessoas incrédulas, imprensa. Fora encontrada morta em seu apartamento arrombado por policiais. Chamado de colegas preocupados com seu sumiço. Ao lado do cadáver, jazia também o celular com uma ligação atendida. Registro da chamada: número não identificado.

*Conto publicado por Patrícia Rech - CBJE - Seleta de Contos de Autores Premiados

Patrícia Rech
Enviado por Patrícia Rech em 04/04/2009
Código do texto: T1523155
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