Passado mal passado

Sem chance de olhar para trás, lamentar não cabia no meu ultimo segundo de razão, via com meus olhos o demônio encarnado naquela mulher, ela era a volúpia e o ódio mortal:

-Memória... É algo muito curto nos seres humanos, apesar de estudiosos afirmarem que guardamos todas as nossas vivências, no entanto só ao que nos marca afetivamente (e efetivamente) damos alguma significação, fica acessível: eu fui um fato indigno de ser lembrado por você, eu nunca tive o brilho que as vadias populares tinham, fui apenas a distração do seu momento solitário de colégio!-ria com os olhos vidrados e uma expressão enlouquecida- eu prometi a mim mesma que te faria pagar...

Há seis anos atrás, pouco depois de você me dispensar como a um brinquedo que se cansou, com a expressão mais fria e com as palavras mais duras que já ouvi: “Você é uma moça legal, mas não é o que eu preciso agora”, e entendi que o que você precisava era de uma típica gostosa para exibir, provavelmente você sabia que aquela namoradinha que arrumou ficava com todos os que fingiam seus amigos? Devia saber, não importava realmente não é? A minha fidelidade e sinceridade, ah! Se eu pudesse voltar no tempo teria beijado todos que me desejavam, eu fui ridiculamente fiel, pois eu era apenas uma menina...

E passei aquele ano com uma depressão profunda, ir a aula era o pior dos martírios, mal conseguia fazer os deveres, sentia uma angustia apertando o peito, ciúmes... Dentro de mim ardia uma sensação tão ruim, pois no fundo, o que mais me incomodava era o fato de ter me tornado invisível para você! O único dia que expressou algo em relação a mim foi na ultima festa, pois um dos seus amiguinhos populares estava conversando comigo, e você achou que poderia perder terreno deixando de graça, e foi dizer que éramos grandes amigos, ele sorriu entendendo o recado, e eu fiquei lá sozinha, tentando entender por que ele simplesmente passou a me ignorar: você deixou claro, em sua linguagem de populares que já tinha pego!

Eu me formei, passei no vestibular, mudei de cidade, lutei por meus sonhos, comprei meu apartamento, mas tudo, tudo mesmo era sem sentido, pois ardia em meu coração uma magoa enorme de você! Tive vários homens, ao contrario de você, me trataram bem, me ensinaram o que é SER um HOMEM, você não foi um moleque por ser jovem, foi filha da puta por que é um desgraçado!–estalou o chicote no ar- ta vendo este corpo que desejou desde a primeira vez que viu na biblioteca? Esteve sedento de seu afeto por muito tempo, mas quando o teve, sentiu repulsa, não há tesão em estar com um idiota, você parou no tempo, ainda é um menininho que precisa provar pra todo mundo que sabe de algo, por isso namora aquela vadia loira, RH, sei de tudo, deixo tudo funcionando bem, sei de cada podre, de gays e pedófilos, de lésbicas e putas, ali corre grana demais para vir a tona toda a sujeira, é necessário manter o pó sob o tapete...

--Arrancou a fita adesiva da boca dele—

-Você é idiota, uma vadia revoltada, pergunta o viado do seu irmão o que ele fez pra eu me afastar de você! Ele me ameaçou, disse que me mataria que você não era moça pra mim e que se eu queria sexo que arrumasse alguma destas vadiazinhas do colégio! –os olhos dele brilhavam- você era tudo que eu queria, eu nunca gostei daqueles caras, mas eu precisava por causa daquele projeto! –lembrou que ele desenvolvia um projeto social e os tais caras que faziam a ponte com alguns marginais locais, impedindo de atrapalharem- dizendo isso de mim não parece que você sempre amou um louco? Mudei de personalidade rápido ou então você gostava de um filho da mãe!

-É fácil inventar historias bonitinhas e trágicas, já que está amarrado e em minhas mãos!

-Pode me matar Silvia, mas não quero morrer por suas mãos por algo que não é verdade! Pegue aqui no meu pescoço uma correntinha.

Ela foi ate ele e tirou, pendia um anel dele.

-Conhece este anel?

As lágrimas brotaram nos olhos de Silvia.

-A vadia de minha namorada me perguntou várias vezes de quem era e eu jurei mil vezes que era de minha mãe, minha mãe, como bem sabe, se chama Teresa, como explicar o “S” que tem gravado aí?

Colocou o anel no dedo, ainda cabia, ela tinha perdido na casa dele no dia que completaram 6 meses de namoro e nunca o achou.

-Onde o encontrou?

-Entre os livros da escrivaninha, eu ia te devolver, mas já tinha terminado com você...

-Esta historia do meu irmão não é verdade... Pra que inventar isto?

-Sabe aquele dia que tinha um corte em meu pescoço? Foi a navalha vermelha que ele levava na mochila, sim, aquela que usamos um dia para cortar fios! Tem idéia do que e senti Silvia?

Era como se tudo tivesse virado de cabeça para baixo, Ele colocava cartas desconhecidas sobre a mesa, e lembranças se encaixavam, e o ódio, há tanto represado se desfazia: uma mentira?

-Já ficou para trás... E eu planejei vinganças cruéis contra você, sendo que descubro, agora, que não é como eu pensei, e minha vida ficou tempo demais girando ao seu redor...

-Silvia, me perdoe se não fui capaz de enfrentá-lo por você, mas eu era só um garoto!

-Você me amou?

-Com cada poro, e hoje, olhando para você, sei que seus olhos castanhos são mais lindos que todos os verdes ou azuis que jurei serem os meus preferidos...

-Éramos apenas crianças... -secou discretamente uma lágrima.

-Lembro daquela sua blusa verde...

-Ela está guardada em algum armário em minha casa...

Ele já dava sinais de cansaço de ficar amarrado estendido na cama, o peso da metade do corpo nos braços, as cordas apertadas já esfolavam a pele.

-Vou soltar você.

Livre ele apenas sentou em silencio, não parecia estar mais com a mente ali, parecia perdido, como se acordasse sem se lembrar como viera parar ali.

-Pode ir embora se quiser.

-Silvia, quero ir pra longe, não agüento mais minha vida assim....

-Estamos até o pescoço atolados, não há mais escapatória.

-Eu pretendia me casar com ela, era tática de negocio, mas Augusto parece que quer um escândalo, ele é gay demais para querer a Patrícia.

-Eduardo, ele já te difamou, os diretores te acham um idiota por estar ainda com ela, por isto não conseguiu a promoção... -se arrependeu logo após dizer- e eu nada fiz para te prejudicar, apenas não interferi, termine com ela o mais rápido possível, assim talvez ainda haja tempo para correr atrás do prejuízo.

-Vaca! Patrícia tem merda na cabeça!

-Ela é inteligente, joga com as cartas que tem, ela usou dos dois para conseguir uns contatos, acho que logo vamos saber de algo grande, ela parece estar tramando algo, se vende para conseguir o que quer.

Ele abaixou os olhos e chorou, convulsivamente, como uma criança.

-Estou arrasado, a única mulher, que em minhas lembranças era magnífica, estava com planos vingativos ao meu respeito, e eu não posso confiar em ninguém, e ainda sinto um peso de derrota, acho que nunca luto realmente pelo que quero...

-Perdido no que escolheu?

-Eu não escolhi Silva, apenas tive que aceitar as coisas como são...

-Bernardo, basta você tomar atitudes, e estar disposto a pagar preço pela escolha...

Caminhou na direção dela, ficou a poucos centímetros do rosto dela, com os olhos entrando alma adentro, e a beijou compulsivamente.

-Quero você agora Silvia!

Sentiu nas palavras dele algo alem de desejo, e seu corpo estremeceu de pavor, pois foi inundado pela esperança que há muito estava adormecida: a de viver uma historia de amor como a de outros tempos.

CONTINUA....

T Sophie
Enviado por T Sophie em 05/05/2009
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