NINGUÉM SABE QUEM É, MAS ESTÁ ENTRE NÓS

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O chão estremecia com as batidas coletivas de uma imensidão de pés enlouquecidos. A noite era de inverno e, no entanto, o frio passava bem longe daquele lugar. Eram milhares de mãos erguidas todas juntas obedecendo á ordem de uma mulher possessa em cima do palco:

"Put your hands up!"

A guitarra parecia querer falar com a multidão ao som de "Spell", de uma banda chamada Cadaveria. A noite em forma de trevas escondia suas artimanhas no meio dos loucos vestidos de preto.

E escondia algo mais...

Uma mancha negra surgiu no chão e imediatamente passou a ser pisoteada por botas de roqueiros. Uma mancha que se tivesse sido notada, seria facilmente confundida com uma sombra qualquer entre tantas outras.

A mancha tornou-se quente e passou a expelir uma estranha fumaça cinzenta com cheiro de morte. Um braço exumou da terra, negro como a mancha, lúgubre como aquele lugar. Um corpo emergiu rapidamente em seguida, deitando-se entre o labirinto de corpos, como se houvesse recém chegado de uma viagem longa e cansativa.

"I want see your jump!!!!!"

O grito da mulher rasgou as mentes enlouquecidas, e num segundo todos os seus leais súditos estavam pulando, e batendo suas cabeças no ar.

O recém chegado levantou-se do chão. Estava vestindo um manto negro, e um capuz envolvia toda sua face, deixando visível apenas uma pequena parte de seus lábios, e o queixo comprido. Seus olhos por baixo do capuz percorreram o local num rápido reconhecimento do território.

- Caramba, meu irmão! Que manto maneiro! - disse um rapaz de cabelos compridos, que estava próximo dele.

O visitante ignorou o comentário, e seguiu abrindo caminho entre a multidão, afastando-se do palco. A música terminou, e no embalo da loucura, a rainha das trevas, chamou a multidão novamente:

"I take you to hell, now!!!!"

O estranho parou de repente quando ouviu as palavras da mulher.

Ele virou-se para vislumbrá-la demoradamente. O som de "Queen of forgotten" explodiu insanamente, deixando os ouvidos do público ainda mais em êxtase. O estranho pareceu sentir uma agradável satisfação em sua nova experiência auditiva. Ele se permitiu fechar seus olhos por alguns instantes, como se os acordes da música lhe trouxessem vigor, luxúria, contemplação.

- Hei cara. Deixa eu dar um tapa nesse bagulho ai! - pediu uma voz ao lado do estranho. Ele virou-se para o lado, se deparando com um homem barbudo, usando sobretudo preto.

Havia pequenos focos de fumaça que saíam de dentro do capuz do visitante, então, o homem ao seu lado deduziu que ele estivesse fumando.

- Oh, cara! Eu to falando com você! - insistiu o homem, puxando o estranho pela manga, e gritando um pouco por conta do barulho.

O visitante misterioso que praticamente o ignorava, resolveu olhar para o homem que o importunava. E desta vez, ele o observou bem de perto, permitindo ao homem, o privilegio de encarar dentro de seus olhos.

Eram olhos jamais vistos por nenhum ser humano. Olhos negros, vazios, que penetraram nos olhos do homem imediatamente, fazendo com que sua mente se impregnasse de dor, tristeza, angústia, desespero...

O homem caiu no chão com as mãos no rosto agonizando, sufocando. Um grupo de roqueiros malucos que estava próximo vira seu sofrimento, então comentaram entre eles:

- Nossa!! Olha aquele cara ali!!! Ele ta muito chapado!! - Em seguida, os loucos deixaram o homem e sua dor eterna, voltando suas atenções para o show no palco.

O estranho voltou-se para a mulher que atraíra sua atenção. Dessa vez sem interrupções ele admirou-a como se olhasse para sua amada. Sua língua percorreu lentamente os lábios superiores da boca como se ele pudesse sentir o sabor da mulher. Em volta do palco, as pessoas pulavam, gritavam, jogavam-se umas nas outras. Havia loucura, insanidade, drogas, e bebidas, por toda á parte.

Os lábios do estranho agora se esticaram num sorriso. Ele percebia ali, certa familiaridade com o lugar de onde ele vinha.

A música acabara novamente. A rainha do palco agradeceu aos pedidos incessantes por mais uma. Ela foi até um canto do palco, apanhou uma garrafa, e refrescou sua garganta. Inesperadamente os olhos dela encontraram a figura do estranho no meio da multidão. Um feito quase impossível, mas os dois ficaram á se olhar por alguns segundos. Ela disse que iria tocar mais uma, e olhando na direção do estranho, agradeceu á todos àqueles que vieram de muito longe para prestigiar o show.

O estranho sorriu para ela.

A vocalista devolveu-lhe outro sorriso.

Era o bastante. O estranho lembrou-se de que, apesar de estar adorando aquele lugar, não havia vindo de tão longe apenas para contemplar um concerto de rock. Ele se virou dando suas costas para o palco, e foi embora passando por cima de uma pilha de ossos e roupas, que antes pertenciam á um homem que agonizava ao chão. Ele desapareceu entre a multidão, deixando um rastro de escuridão lutuosa como presente pela maravilhosa recepção que havia recebido.

O som retornou aos ouvidos, ainda mais monstruoso. A galera voltou á loucura, conduzida pela banda. E o estranho seguiu seu caminho...

Ninguém sabe quem ele é. Mas à hora de revelar sua identidade estava próxima. E talvez todos aqueles que descobrissem sua verdadeira origem, se arrependeriam amargamente pela descoberta.

Ninguém sabe quem é, mas ele já está entre nós...

(Michel, Metallica)

Metallica
Enviado por Metallica em 08/05/2009
Reeditado em 10/08/2009
Código do texto: T1582587
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