Aeroviagem

No começo achei que ia ser horrível. E foi! Não me sentia bem sabendo que dentro de menos de poucos minutos eu estaria dentro de algo muito, muito pesado, mas que plaina pelo ar: um avião. Já estava de frente para a porta aberta da aeronave quando me deu um louco ataque de pular da escada e sair correndo, gritando que nunca, nunca, nunca... Mas essa vaga idéia ficou inviável quando eu já tinha dados alguns dois passos para dentro daquela nave espacial. No interior da nave, do avião, ou qualquer outro nome que eu queira dar, era brilhoso e lustroso. Mas horripiloso! Como um ônibus todo lacrado para que os passageiros, ou cobaias, morram asfixiados com aquela temível máscara de oxigênio que cairá sobre suas cabeças.

Meus passos trêmulos e vagarosos desejavam que eu tivesse uma premonição e saísse correndo dizendo que o avião iria explodir. Mas nada disso ocorreu. Não tive nenhuma premonição, só tive mesmo um beliscão de minha mulher por estar barrando o corredor.

- Vamos, homem de Deus.

De Deus era, mas me sentia como um rato. Um rato que sabe que vai ser testado, vai ser cobaia de um cientista maluco, iguais ao de um desenho animado. Andava vagarosamente ainda, pesaroso sobre qual vai ser meu último lugar vivo dentro deste manicômio.

-Aqui, benzinho, é esta a poltrona.

E não poderia ser pior! Poltrona número treze, número de sorte, número de azar, número de um rapaz trêmulo e que não tem expectativa de vida futura. Ah, vida! Sentei na poltrona do corredor, pelo menos poderia morrer um segundo depois que as janelas se abrissem e sugassem a cabeça de minha mulher e depois a minha. Oh, vida!

E creio que eles dão muita expectativa para as cobaias. Desde que entrei na nave até que ela começasse a andar pela pista foi mais de uma hora. Mas então, ai... Então, sim, começou a tortura. O avião estava na posição de vôo. Estava somente esperando que a voz do Diabo diga que o inferno estava de portas abertas.

- Vôo 9806, decolagem autorizada.

Pronto, o Diabo falou. E com ele, o capeta também desatou a falar.

- Passageiros do vôo 9806... – bem, não lembro exatamente o que o capeta disse, mas foi simplesmente que o inferno estava nos esperando e que a bendita máscara de veneno cairia sobre nossas cabeças. E que lá também existia leis de segurança, por isto de atear bem o cinto, o qual não desatei até o destino final.

Enquanto o capeta dizia o parágrafo acima, ele simplesmente queria nos desejar uma morte boa, pois o ônibus espacial já estava correndo a mil e duzentos por hora, pronto para subir às nuvens. E descer ao inferno!

A inclinação da nave na subida horripilante era muita, digamos que eu estava a quase dois andares acima de quem estava sentado na cauda do bicho. Eu já chegava a ver a Deus acima das nuvens, o paraíso, os anjos tocando trombetas, trompetes, e tudo que começasse com trom... Via também a festa que o padre disse que acontecia quando alguém chegava aos céus. Mas sentia que essa não era a nossa festa! Nossa festa seria feita no núcleo da Terra, onde se esconde o Bichão.

Mas um bom tempo passou, e nada do piloto mudar o percurso para nosso destino. Isto sim que é dar às cobaias expectativa de futuro! E enquanto nosso fim não chegava, eu já estava um pouco mais controlado, já podendo até dizer meios monossílabos.

- Querido, você já está melhor?

- Ah – respondia.

- O quê?

- Ahm?

- Benzinho, diga alguma coisa.

- Ah-me-dês...

- Que bom, pelo menos não perdeu a voz.

- Nã-nã...

Não sei se bati meu recorde por conseguir permanecer tão calado por tanto tempo. Fiquei, como minha mulherzinha diz, maravilhosamente bem. Eu!?! Eu que quase não gosto de me expressar, de dizer o quanto desapreciei essa viagem, o quanto preferia ficar morando cinco anos numa favela barra pesada a voar nessa nave. Mas, assim como ela disse, fiquei bem até que a aeromoça chegar.

Sim, aquela submissa do capeta veio me atormentar os nervos. Já estava quase chegando aos céus por via segura, fechando os olhos e falecendo devagarzinho, sem nada sentir, e eis que surge a demoníaca mulher de uniforme brega e cabelo lambido me oferecer um lanchinho, um mísero lanchinho envenenado, que todos estavam aceitando: apresuntado de peru com queijo parmesão e tomate seco dentro de um pão amanhecido de descendência desconhecida. Eu mandei aquela aerobesta voltar para seu submundo em microssílabos singelos e simples.

- Ah-pá-pu-há-que-pa-iu!

Minha linda mulher traduziu meus gemidos ao linguajar da megera:

- Ele quis dizer que agradece e que não está com fome no momento. Muito obrigada!

Ah, como seria minha vida se não existisse essa minha tradutora simultânea de meus gemidos incompreensíveis? Como eu a amo!

Mas a maligna ainda não satisfeita por levar um não tão bem dado, quis ainda oferecer um suco de sangue apodrecido que nem mais os vampiros beberiam. Eu respondi a altura novamente.

- Há-pu-in-fer... – não concluí minha linda frase, pois minha tradutora simultânea me interrompeu com a mão dela em minha boca. Em seguida, disse:

- Ele não deseja, obrigada!

A aeromegera ainda quis oferecer a comida envenenada para minha linda mulher, mas ela, vendo meus olhos azuis virarem vermelhos de simplesmente raiva, não os quis também. Então a aerovagaba seguiu a trilha das cobaias, entregando-lhes veneno gratuitamente.

Minha lindérrima tradutora, logo depois de compreender o que fizera, despiu-me em palavras audíveis até para os marcianos ouvirem o quão infeliz eu era e o quão horripiloso estava agindo. Nada de tão sério assim que fez-me sentir um gostoso ódio capaz de enforcá-la com minhas próprias mãos. Mas como não sou cruel assim, só me desculpei.

- Fô-da-cê!

Estava tão desatisfeito com a viagem que ainda não chegara ao fim desejado, que acabei tendo um maravilhoso pesadelo, com duas mãos cheias de veias saltadas e verdes que puxavam a aeronave para o núcleo da terra através de um vulcão em erupção. Um voz medonha pronunciava:

- Aterrissagem autorizada.

Logo após a descida, uma súbita colisão aconteceu, fazendo-me arder em nervosismo, acordar e verificar que enfim tínhamos chegado a nosso destino final.