UM PUNHAL PARA MINHA AMADA...

Minha cama só foi aconchegante, quando você esteve sobre ela. Meus lençóis só foram quentes, quando você os envolvia em seu abraço.

Eu não consigo parar de olhar para seu rostinho lindo, afundado no meu travesseiro. Procuro ficar o máximo possível dentro do quarto, com as portas e janelas fechadas, na incessante disputa por roubar o seu cheiro do próprio ar só pra mim...

Minha amada, Ivi.

Eu deixei você sozinha, apenas no instante de ir até a cômoda da sala, buscar o punhal que comprei pra você. Um lindo punhal no qual eu mandei gravar o seu nome no metal luminoso.

Seu sangue deveria estar nele agora, amor. Mas, assim como nas noites anteriores, eu ainda não tive forças suficientes para enfiá-lo em sua carne.

O relógio me apressa. Já passam das onze da noite. Eu estou sentado ao seu lado, enquanto você dorme tranqüila. A faca em minhas mãos passeou diversas vezes em seu pescoço, Ivi. Desci a ponta escorregando entre seus seios, senti seus batimentos empurrarem levemente a lâmina pra cima e pra baixo.

Faltaram-me forças para afundá-la em seu coração.

Penso em me levantar como sempre faço, e guardar a faca antes que seu marido ligue, e o celular acorde você. Então você vai dizer que precisa ir embora, que seu marido não pode saber sobre a gente.

Vai deixar meu coração novamente sentir a dolorosa fisgada de ver você partir, imaginando você linda do jeito que eu vejo agora, nos braços de outro homem. E amanhã talvez não seja eu quem estará submerso em seu abraço quente, respirando junto com você, sentido nossos corpos tão colados como se eles fossem um só.

As coisas foram muito boas quando éramos crianças. Quando você era toda minha. Quando brincávamos juntos, corríamos, descansávamos na grama, abraçados. Eu tinha certeza de que o nosso amor seria eterno.

O meu, pelos menos foi...

Nós dois íamos juntos pra escola, e sentávamos um ao lado do outro. Eu até precisei perder a própria vergonha que sentia das risadas dos meninos de minha idade, pra poder brincar de boneca com você.

Um dia meu pai disse que só via um menino completo em mim, quando você estava junto comigo.

Quanto ao seu pai, uma vez ele me falou que meninos pobres, têm de se casar com meninas pobres. Não sei se ele falou isso porque meu pai era empregado do seu, na verdade eu nem liguei. Eu só queria saber de você...de nós dois.

Então veio a adolescência. E junto com ela, á distância.

Nunca mais fomos juntos pra escola. Você tinha encontrado algumas amigas que tinham namorados que levavam vocês de carrão.

Não voltamos á brincar de boneca, nem de correr, nem de olhar os desenhos nas nuvens. Você passou a ter vergonha dessas coisas. Agora a minha Ivi e suas novas amigas estavam sempre ocupadas papeando no MSN, ou passeando no Shopping.

As marcas de relado em seus joelhos, deram lugar á uma pele macia e hidratada. No lugar da poeira em seu corpo, os perfumes importados que encobriram seu verdadeiro cheiro que eu adorava. Seus brinquedos agora eram celulares, câmeras digitais, maquiagem...

Não havia mais espaço pra mim em sua vida.

Não houve mais ninguém na minha.

Então, nós ficamos adultos.

Junto com seu diploma de faculdade, veio o anuncio de seu casamento.

O tempo havia passado, e você continuava linda como sempre. Seu rosto ainda era o mesmo. Eu ainda podia ver aquela menina linda que corria toda suada e suja pro meus braços por baixo de toda a maquiagem que você usava constantemente, talvez numa tentativa de esquecer quem você foi um dia.

No dia do seu casamento, eu não fui convidado, afinal, eu não fazia parte de seus novos amigos ricos e inteligentes. Mas eu não me importei, eu não suportaria ver você no altar junto com outro homem que não fosse eu...

Dois anos depois, o destino finalmente trouxe você pra mim.

Eu estava em uma lanchonete perto de casa, e você apareceu sozinha. Bebemos, ficamos de fogo. Você me contou que seu casamento era uma merda, e que seu pai era o único que achava que você tivera êxito em sua escolha. Eu disse á você que meu pai sempre me deu forças, me pedindo pra que jamais desistisse de meus sonhos. Beijamos-nos, e fomos pra minha casa.

Finalmente, após anos de espera, eu tinha você de volta pra mim.

Mas foi só por algumas horas. Você se levantou apressada, dizendo que seu marido chegaria em casa logo...

E tem sido assim desde então. Nossos encontros acontecem nas noites em que você se sente sozinha, ou quando seu marido prefere trabalhar e você está excitada, com tesão.

Eu voltei a ser seu brinquedo, Ivi. Assim como eu era na nossa infância. Antes de você deixar de ser tímida, antes de você achar que era demais pra mim.

Eu sempre fui sua argamassa, tapando os buracos de solidão que surgiam em seu caminho. E quer saber de uma verdade: seu casamento vai acabar, e a próxima bola da vez, será o primeiro magnata que lhe der um carro importado, ou que levar você para conhecer o mundo. E no dia em que vocês se casarem e ele se cansar de você, quando ele encontrar uma amante mais jovem, mais bela, você voltará á lembrar-se da sua velha argamassa. Pronta pra encher seus vazios.

No dia em que eu estive em uma loja de artesanatos chinês, conversei com o vendedor da loja, interessado no punhal que comprei. Eu pedi que ele gravasse seu nome na lâmina. Foi então que, olhando dentro dos meus olhos, ele me disse:

- É impossível existir apenas um amor... Na vida completa, tem que haver dois amores: o seu, e o dela.

Ele me disse isso do nada, mas eu entendi o significado: nosso amor é impossível, pois ele não há em você...

Tentei arrancar o meu de mim...e logo percebi que isso era impossível. Eu estava desgastado pelo tempo, pela espera...

Tentei fazer tudo para mudar minha forma de pensar em você: fui seu amigo, fui fiel á você, tentei buscar á Deus, ser compreensível, sentimental, honesto, passivo, suicida... Nada deu resultado.

Então, decidi que, se você não pode ser minha, também não será de ninguém. E hoje, eu sinto que estou preparado para ver o punhal que comprei, cravado em seu peito pelas minhas mãos.

Sei que não será fácil.

Sei que é errado.

Mas sei também que você merece.

E nessa noite definitiva, você continua exausta, dormindo por conta de nossos momentos íntimos. Você havia feito sexo, eu havia feito amor.

Seu celular começou a vibrar. Contudo, eu o apanhei na cabeceira da cama, antes que ele começasse á tocar. E o arremessei pela janela, no décimo andar.

Vou deixar que você durma mais um pouco, enquanto eu tomo outra dose do vinho importado que você trouxe...

A noite permitirá á você, mais algumas horas entre os vivos...

E o vinho me trará a força necessária para que eu consiga finalmente...

matar você, meu amor.

(Michel, Metallica)

Metallica
Enviado por Metallica em 13/05/2009
Reeditado em 29/05/2009
Código do texto: T1591377
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