SONHO DOURADO  
O casamento do advogado Fausto,com a mulher por quem ele se apaixonou à primeira vista, foi realizado no luxuoso apartamento triplex, com vistas para o mar. Fausto quis que a cerimônia testemunha do início de sua felicidade ficasse escondida dos olhos da imprensa. Ao longo de sua carreira, ele acumulava agravos devido a casos polêmicos que defendia. E assim, uma interminável lista de inimigos ia se formando.
Também estivemos lá. E vamos contar tudo o que aconteceu naquela noite.
Verão.
A música de piano, selecionada para a ocasião, envolve os convidados.O ambiente imerso numa luz cósmica, provinda de um céu estrelado e um luar que se tornam cúmplices.
Neste momento, duas convidadas, andando pelo jardim da cobertura, comentam.
- Paula, estou estarrecida! Selma conseguiu mesmo!
- Ela é esperta. Acho que esse ricaço não sabe...
- Júlia, homem, quando se apaixona, não importa com nada.
 
Elas silenciam ao ver noiva se aproximar. O luxo e a beleza do vestido branco proporcionam à Selma uma visão de sonhos.  A música, irreal e acariciante, completa a ilusão.
Após falar com as amigas, Selma vê na sacada um rapaz alto e magro, tomando champanha.  Furiosa, ela corre ao seu encontro.
- Carlo, desapareça daqui!  
- Selma, por que casou com esse ricaço?  
- Porque ele tem propriedades, ações. Até dinheiro em paraísos fiscais, o homem tem!
- Você me enganou!
-  Logo peço o divórcio e vamos viver da pensão...
 O noivo chega, o que põe fim à conversa. Afastando-se dali, Carlo vai ao encontro de Paula e Júlia.  
- E agora, Carlo? Selma, nos braços daquela fortuna.
 - Júlia, nós já havíamos terminado?               
 - Mentira, você é louco por ela. – comenta Paula.
  - Você tem razão. Não vou me conformar! – diz irritado. - Querem saber o que vou fazer?  
 - Estou morta de curiosidade. – antecipa-se Paula
 - Reparem o jeito dele. Reparem!
 Elas olham. Fausto conversa com um rapaz, gesticulando desordenadamente as mãos quase na cara do convidado.
 - Parece um passarinho depenado. – comenta Carlo.
  Paula sugere:
 - Conte os seus planos.  Vamos animar a festa! 
 Carlo cochicha. Elas dão gargalhadas, chamando à atenção dos convidados.    
  - Engraçado, foi o que acabei de pensar.  
 
Júlia chama Cacilda e Marta, duas outras convidadas, e comenta. Elas também caem na risada.
Um pouco distante dali, os noivos conversam, alheios a tudo.
Carlo se aproxima:
- Fausto, posso dançar com a noiva?
Ele sai, sorrindo timidamente para as pessoas. 
- Selma, achamos que seu marido ficaria...
Termina a frase quase num sussurro. Selma ri. Depois reflete:
 - Carlo! Não devemos contrariá-lo. Ele é riquíssimo!
 
O pianista executa músicas românticas. Dançam os convidados. Outros bebem, cruzando o salão. Conversas abafadas pelos sons. Risos ao saber da novidade.  
 
Na seqüência, o pianista toca “Até Quando Você Voltar”, uma canção que fala do amor de um deficiente físico e uma cinqüentona.  Envolvidos pela música, os convidados são transportados para uma atmosfera de nostalgia.
Entretanto, o encantamento é interrompido por gritos alucinados vindos do elevador panorâmico. Todos correm na direção dos gritos.          
 - O que foi? Quê aconteceu?  
 - Uma barata... – balbucia Marta.  
 Contudo, alguém, desvencilhando-se da confusão, procura:
- Onde está Fausto?
- A barata... já mataram a barata?
Os olhares se voltam à procura daquela voz. Quando vêem Fausto, agarrado a um busto do jardim, pálido e trêmulo, o riso explode. Envergonhado, ele desaparece correndo.
Aproveitando a oportunidade, Carlo pressiona Selma.         
- Preciso de dinheiro para colocar uns acessórios no meu carro!
- Está pensando que sou dona do Banco do Brasil? Que já tenho a senha?  
- Se vire! Ou conto que nós dois...    
- Mude de assunto. Fausto vem vindo.
 
Minutos depois, Paula e Carlo vão ao encontro da noiva.
- Selma, onde está o Fausto? Traga-o aqui.
Ela avista-o, observando um barco que vai cruzando o mar.
- Fausto!  
- Que foi, meu bem? – ele se aproxima. Os convidados acompanham-no, formando um círculo.                                                                                                  
  - Nossos amigos querem... - Selma completa a frase no ouvido do noivo.             Fausto fica vermelho e gagueja.     
- O... quê? Pra quê?
- Não foi idéia minha, querido, mas você concorda?          
Relutante, Fausto diz que sim. Então Selma começa a se despir. Ele é conduzido para um canto do jardim. Selma, com o vestido de noiva jogado nos braços, vai ao seu encontro. Começam a maquiá-lo. Ele põe o vestido. O mordomo traz uma peruca. Num segundo, está completamente transformado.
Carlo sugere:
 - Acho que o garçom pode fazer par com o noivo. 
Júlia, batendo frenéticas palminhas, grita:
- Garçom!
O rapaz se aproxima. Júlia determina.
- Você fará o noivo.
- Que devo fazer?
- Dar o braço à “noiva”. Vamos fazer uns joguinhos com vocês.
 
O garçom, em silêncio, vai se sentar ao lado de Fausto.  
A brincadeira ganha o auge. O burburinho das vozes se confunde com as músicasexecutadas pelo pianista.
 
Venta. Toda a cobertura é invadida pela brisa marítima e pelo perfume das rosas do jardim. O pianista executa músicas ciganas, fitando de vez em quando os convidados.
Fausto, bastante à vontade, rebola freneticamente, fazendo reluzir as pedrinhas de brilhante do vestido. A timidez deu lugar à alegria.
Naquele instante, surge no jardim uma elegantíssima senhora, que apressadamente, esclarece:
 
- Eu me atrasei. O avião teve que fazer um pouso de emergência.Ameaça de bomba.  Mas cheguei a tempo de participar do casamento do meu filho. Onde está o noivo?
 - Aqui. – Paula aponta para o garçom.
A elegante senhora retruca com polidez.
- Desculpe, este não é o meu filho. Aqui mora o advogado Fausto, não?
Fausto ouve a voz quase junto de si. Instintivamente se volta e vê a mãe. Ao reconhecê-lo, ela recua, lívida de surpresa.
- Meu Deus! Não! Não foi este o filho que criei. Não!
 
A mãe sai cambaleando. Fausto corre atrás dela, arrastando o vestido. A mãe estremece. Leva as mãos ao peito. Fica imóvel. Os olhos esbugalhados. Sem que haja tempo de ampará-la, desliza para o chão.
A surpresa invade as fisionomias.
Ela permanece imóvel, estirada no chão. Ninguém sabe como agir.   De repente uma voz pausada rompe todo aquele silêncio embaraçador.
 - Com licença! Eu sou médico. Vou examinar esta senhora.
 A admiração invade as fisionomias. Há incredulidade na pergunta.
 - Você?!
 - Um médico, trabalhando como garçom?
 - Os tempos estão difíceis. Os convênios pagam pouco.
 Diz isto examinando o pulso da mãe de Fausto. Depois se curva e ausculta o coração. Fica algum tempo assim. Instantes depois se levanta e anuncia quase que indiferente.
- Nada mais pode ser feito. Esta senhora está morta!
 
A agitação toma conta dos convidados, que começam a falar desordenadamente. Selma recua, mordendo o lábio. Carlo foge, descendo pelas escadas. Consternadas, Paula e Júlia murmuram:
 - Que tragédia!
Em poucos instantes não resta mais ninguém na cobertura do advogado Fausto, que permanece imóvel, tão imóvel quanto as estátuas do jardim. Entretanto, segundos depois, ele se atira ao chão. E sacudindo aquele corpo sem vida, explode:
 - Mamãe!... mamãe!...   
 
Instantaneamente clarões iluminam toda a cobertura, como se fossem relâmpagos intermináveis. Um batalhão de fotógrafos e repórteres rompe por todo o jardim: máquinas em punhos, disparando flashes, atropelando uns aos outros, falando alto, correndo. Todos tentando captar o melhor ângulo.