MARÍLIA

MARÍLIA

          Faltavam alguns minutos para o sol se esconder atrás do morro. Os pássaros faziam a cantata vespertina. O barulho dos carros ouvia-se ao longe, porque não era muito distante da cidade. O sítio do senhor Abílio localizava-se entre as serras, um lugar privilegiado. De lá podiam ver o sol nascer e se por. Sob a sombra dos abacateiros o casal costumava sentar-se para descansar e matear um amargo.

          Marília, a filha caçula encilhou o petiço e saiu estrada à fora. Disse a seu irmão que ia encontrar-se com Juvenal, seu amigo, mais conhecido na região, como Vená. O mano só ficou pensando, o porquê ela iria encontrar-se com ele naquele horário. O pai era uma fera. Se algum dos filhos desobedecesse, a surra com o rabo de tatu era na certa. No máximo às nove da noite, tinham que estar todos em casa, fazer a prece e dormir.

          Chegou o horário de todos irem pra cama... e nada da guria. O seu Abílio começou a ficar preocupado. Andava de uma lado para o outro. Nada de Marília. A mãe ficou também nervosa. Teve uma ameaça de ataque de nervos. O velho ficou mais louco. Todos ficaram agitados. Ninguém dormiu.

          Abílio deu ordens aos filhos, que saíssem à procura da moça. Ele ia de um lado, os outros dois filhos do outro. O padrinho da menina também foi. Cada um teria que levar uma buzina, que era usada em caçadas, e quando a encontrasse, era para acionar aquela corneta feita de chifres, para que os outros soubessem que já havia sido encontrada. A mãe ficou com a outra filha e Dolores, a madrinha de Marília.
Cada um saiu em sua missão. Foram até à residência do pai do Vená. Eles não sabiam do guri. Só disseram que havia saído, mas não falou onde ia. Rondaram a noite inteira... e nada de encontrá-los.

          O que ninguém sabia, que há dois meses Marília e Juvenal mantinham um romance secreto. Não falaram pra ninguém, devido à rudeza do velho Abílio. Se falassem, os dois entrariam na açoiteira. Aí, resolveram que iriam fugir. Era uma loucura, mas o único jeito de ficarem juntos.

          Os dois partiram. O rapaz na rédea e a menina na garupa do petiço. Foram rumo a uma fazenda vizinha, distância de trinta quilômetro de onde moravam. O jovem casal amanheceu na propriedade do seu Fulgêncio. Foram até lá pedir trabalho e lugar para ficarem. Como diziam eles, foram à procura de “capão pra pouso”.

          Depois de quinze a vinte dias, Marília voltou pra casa. Arrependeu-se do que havia feito. Deixou Vená trabalhando e fugiu dele. Não era isso que ela queria. Foi apenas uma loucura. Chegou em casa e foi recebida pela mãe e por um dos irmãos. Os demais não queriam mais vê-la, “nem pintada de ouro”, como dizia o ditado da região. O pai da moça havia viajado, ido pra casa de parentes.

          Ao voltar, seu Abílio encontrou Marília sentada debaixo de uma jabuticabeira, no sítio da família. O pai ao vê-la... Ficou nervoso, furioso, mas... Não conseguiu pronunciar palavra alguma contra a filha. Mas, em compensação.... passou a mão num chicote e mais alguma ferramenta de tortura, agarrou a filha pelo braço.. e...

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          Debaixo do pé de jabuticabeira onde antes Marília descansara, há uma cruz com uma inscrição que diz: “PREÇO DA DESOBEDIÊNCIA”

(Christiano Nunes)