UM EPISÓDIO PASSIONAL*

CLARA MARTINS PANDOLFO**

Elizabeth estava empolgada com as sensações inéditas experimentadas nas visitas a vários países da Europa Ociden-tal, como participante de uma excursão turística.

Emocionara-se ao extremo ao orar no Santuário de Fá-tima, em Portugal e ao conhecer o majestoso conjunto religioso de Toledo, na Espanha.

Na França, encantara-se com a visão noturna da Torre Eiffel, ricamente iluminada; com o passeio de barco pelo his-tórico rio Sena e, sobretudo, com a demorada visita que fez ao Museu do Louvre, onde se extasiou diante das obras de arte em pintura e escultura ali expostas.

Chegava, agora, à Itália e já visitara o Vaticano, rece-bendo a benção do Papa ministrada aos turistas estrangeiros; também, já estivera na romântica Fonte dos Desejos e, na Praça de São Marcos, admirou a grandiosidade da Basílica e brincou alegremente com os pombos domesticados que habitam a praça.

Nesse último dia de permanência na capital italiana, o fecho da programação era um espetáculo teatral, com a exibi-ção de um cantor que vinha precedido das mais elogiosas refe-rências nos países em que se apresentara.

Ao iniciar o espetáculo, Elizabeth quedou-se fascinada pelo atraente porte físico e pela voz quente e harmoniosa do jovem artista e observou que, também, ele a fitava insistente-mente, parecendo, às vezes, cantar só para ela, tal a persistência de seu olhar.

No intervalo, ele veio ao camarote dela, situado nas proximidades do palco, ofertando-lhe uma flor, e mantiveram um breve diálogo.

Ao término do espetáculo, ele voltou ao camarote, con-vidando-a para um passeio pelas ruas de Roma. Ela aceitou o convite e os dois saíram de mãos dadas como se fossem velhos amigos. Que estranha atração era essa que assim aproximava, tão imediata e intimamente, dois seres que se viam pela pri-meira vez? Insondáveis mistérios da vida...

Após algumas voltas pela cidade, ele a conduziu ao quarto da pensão em que habitava e ali, a sós, puderam entre-gar-se aos arroubos da ardente e fulminante paixão que os do-minava. Viveram intensamente uma noite de amor.

Pela manhã, quando ia saindo, ele a segurou, beijando-a sofregamente, completamente enlouquecido e novamente se amaram.

Elisabeth chegou ao hotel em cima da hora da partida da excursão, mas, daí em diante, a viagem para ela não teve mais atrativo.

Não se impressionou com a opulenta paisagem física da Suíça, nem com seu poético lago Lehman e seus cisnes; não se sensibilizou com a dolente música de Strauss tocada e cantada com freqüência nos festivais a que compareceu nas noites vienenses.

Foi, também, com total desinteresse que visitou os lo-cais turísticos da Alemanha e que assistiu em Londres, na In-glaterra, entre outros eventos, ao importante espetáculo da rendição da guarda no Palácio de Buckingham, residência da família real.

Sua mente estava inteiramente ocupada pelas lembran-ças da inebriante noite de amor que vivera e aos seus ouvidos ainda ecoavam os murmúrios apaixonados dele, com voz doce e envolvente.

Em seu regresso ao Brasil, encontrou, na portaria do edifício onde morava, uma correspondência do exterior, vinda da Itália: era a partitura musical de uma comovente canção de amor que ele escrevera inspirado na sua lembrança, na sua saudade.

Porém, ele deixara dentro dela a semente de um novo ser e após noves meses nascia o fruto daquela delirante e alu-cinada paixão: uma linda menina que passou a ser, desde en-tão, para Elisabeth, o objetivo máximo de seus cuidados. Pas-sava horas a olhá-la e examiná-la, tentando perceber seme-lhanças com os traços fisionômicos daquele que a gerara.

Contudo, a vida tem surpresas às vezes extremamente dolorosas.

E foi muito violenta a comoção que se apoderou de Elisabeth ao receber a carta que enviara com a fotografia da criança, devolvida pelo Correio, com lacônica informação: o destinatário falecera dias antes em um acidente de trânsito.

O destino encerrava, assim, brutal e trágico, a enterne-cedora história de uma grande paixão.

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(*) Menção Honrosa no Concurso Nacional "Brasileiros em Prosa e Verso", 2007.

(**) Recentemente falecida, a Autora era mãe do titular deste espaço: Sérgio Martins Pandolfo, médico e escritor, serpan@amazon.com.br - www.sergiopandolfo.com

Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 08/09/2009
Reeditado em 16/09/2009
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